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Aramis

Paixão & morte de um teatro

Tal como um filho querido - que a gente vê nascer, crescer e, em certo momento, começa a dar preocupações - o Paiol é a prova de como se desperdiça um (excelente) espaço cultural. Aquele velho depósito de material inservível - e que foi construído no início do século como depósito de explosivos e inflamáveis era um [prédio] próprio da Prefeitura totalmente esquecido, cercado de madeiras altas e perdido no bairro do Guabirotuba. A bem da verdade, louve-se a Oracy Gemba e a Ronaldo Leão Rego (hoje arquiteto), na época (lá por 1967/68) entusiastas integrantes do Grupo Momento de Teatro, os primeiros que se lembraram de que sua construção circular poderia dar um excelente teatro. Procuraram o então prefeito Omar Sabbag (já falecido) mas ele não se animou com a idéia. O arquiteto Jaime Lerner, então um anônimo técnico do IPPUC, gostou, entretanto da sugestão, e quando as circunstâncias da política o conduziram à prefeitura - na única atitude sensata que o trapalhão Haroldo Leon Peres teve em sua gestão de 9 meses - Lerner não deixou por menos: aproveitar a construção como um teatro. Teve a felicidade de escolher um dos mais criativos e talentosos arquitetos do Paraná, Abrão Aniz Assad, para desenvolver o projeto. Artista plástico, sensível ao bom teatro, Assad fez o melhor que poderia: desenvolveu um projeto maravilhoso, respeitando as linhas do edifício e dando o máximo aproveitamento. Iniciadas as obras lá por maio de 1971, em dezembro já houve condições de inaugurá-lo e para tanto trouxemos Vinícius de Moraes (que nunca antes havia vindo a Curitiba), Toquinho, Marília Medalha e o Trio Mocotó, para uma festa maravilhosa. Vinícius "benzeu" o teatro com o santo uisquinho que tanto apreciava e deu certo: o Paiol foi, nos anos seguintes, a grande unidade cultural de Curitiba, numa época em que o auditório Salvador de Ferrante (o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto ainda não estava pronto) pouco apresentava em termos de shows e peças. A atuação do Paiol foi tão eficiente que, no ano seguinte, Jaime Lerner criaria a Fundação Cultural de Curitiba, que, por decisão de seu conselho, tinha a imagem do próprio teatro como símbolo - sugestão, aliás, do advogado Eduardo Rocha Virmond. Entre a sua inauguração - a 27/12/1971, com o "Encontro" (Vinícius / Toquinho / Marília Medalha) a 1987, se passaram quase 16 anos em que muita água rolou. Administrações se sucederam na Fundação Cultural e o Paiol teve épocas de maior ou menor atividade. Em minhas colunas no jornal "O Estado do Paraná", tenho cobrado sempre maior atenção a sua programação, não aceitando as esfarrapadas desculpas de seus responsáveis (diria até irresponsáveis) que, sob alegações cretinas, procuram minimizá-lo como espaço cultural, acusando-o de programação elitista (que nunca teve), ser longe do centro e outras bobagens. Em 1972/73, Curitiba tinha menos habitantes do que hoje e o Paiol lotava sempre. Havia atrações marcantes - praticamente todos os grandes nomes (de valor é claro), da MPB na época, por ali passaram, e muitos voltaram. Infelizmente, dentro de uma "popularização" - de discutíveis resultados - a administração atual da FCC (que se perpetua, aliás, há mais de 6 anos) foi, propositadamente, esvaziando o teatro, cedendo-o cada vez mais para espetáculos sub-amadores. Não sou contra espetáculos de amadores, mas acho que é um desperdício de espaço deixar um bom teatro sem uma programação capaz de atrair um público estudantil, interessado em ver o que está acontecendo de novo na música e no teatro nacional. Há dezenas de artistas - não só jovens, mas veteranos - que não têm vindo a Curitiba por falta de espaço e estímulo. Infelizmente, a FCC nada faz para promover o Paiol - e chegou ao absurdo de humilhar artistas que ali estiveram (Luizinho Eça, Geraldo Flach, Passoca, Eliete Negreiros, etc.), abandonados na cidade, sem promoção de seus espetáculos - e que naturalmente fracassaram em suas temporadas. É tudo uma questão de marketing, de visão cultural. Marés, Paulo Botas e seus assessores têm uma visão das coisas - válida talvez em seus princípios, mas altamente discutível. Eu penso que o Paiol, em seu abandono, é mais uma prova da incompetência administrativa. LEGENDA ILUSTRAÇÃO - Explode, Paiol. De depósito de explosivos a sala de teatro, o Paiol pode explodir agora. Mas de inanição.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
21/07/1987

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