Artigo em 21.07.1987
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de julho de 1987
"O Estado do Paraná" está de roupa nova dentro das mudanças gráficas introduzidas nestes últimos dias e a coluna ganha novo espaço e disposição. Uma nova fase gráfica que marca o jornal e nosso trabalho, entre as muitas que foram feitas desde julho de 1965, quando o colega Mussa José Assis chegou com idéias renovadoras - e que se repetiram, sempre saudavelmente, nestes 22 anos de convívio no dia-a-dia da notícia.
Mussa voltou à chefia-de-redação, após a passagem de alguns (poucos, felizmente) anos no "Correio de Notícias", e seu retorno coincide com esta nova reforma de "O Estado do Paraná", com a qual ingressamos também na era do computador, fascinante e desafiador em suas múltiplas possibilidades. Toda a equipe que faz o jornal, vibrando com um revigoramento que se traduz, afinal, no desejo de dar ao leitor o melhor jornal.
Dante Mendonça, outro companheiro de muitos anos, sempre na busca das melhores soluções gráficas edita, com a jornalista Adélia Maria Lopes, o "Almanaque", agora diário e em formato tablóide - título que desde 1965 temos em nossa coluna - faz com que se viva a emoção de um novo jornal, ou a emoção do Foca, recém chegado a redação, como, de certa forma, nos sentimos pela primeira vez, com os chefes de reportagem Milton Camargo de Oliveira (já falecido) e Enok de Lima Pereira. Ah! Bons tempos aqueles.
Por uma feliz coincidência, apanhamos agora na sala do Mussa o último número da "Revista de Comunicação", que o veteraníssimo Mário de Moraes edita trimestralmente, com patrocínio da Associação dos Fabricantes Brasileiros da Coca-Cola, e ali encontramos um texto primoroso de um dos maiores repórteres brasileiros, David Nasser (1917-1890), falando sobre a efemeridade da notícia de jornal - "mais curta do que o tempo de deterioração do camarão", costuma repetir o experiente Mussa - não impede, entretanto, que a cada dia, a cada manhã, mergulhe-se na produção de um novo jornal, com a mesma (e talvez até maior) paixão que um escritor faz o seu texto, naturalmente com a pretensão (justa) de uma permanência maior. O jornalismo é o ato de renascer a cada dia, preencher o espaço em branco com a notícia, a informação, o comentário, a opinião - com dignidade e honestidade, custe o que custar.
Há exatamente 31 anos, na edição de 7 de janeiro de 1956 da revista "O Cruzeiro", então a mais importante publicação da imprensa brasileira, David Nasser saudava, afetuosamente, os seus colegas Ubiratam de Lemos (1925-1980) e Mário de Moraes pela conquista do primeiro Prêmio Esso de Reportagem com a reportagem "Os Paus-de-arara: Uma Tragédia Brasileira". E o texto iniciava com colocações que, passadas três décadas, continuam atualíssimas. Como a excelente "Revista de Comunicação" - que reúne textos ligados à área de informação - tem circulação dirigida e "O Cruzeiro" de 07/01/1976 não se encontra nem na Biblioteca Pública, as palavras de David Nasser, em alguns trechos, merecem transcrição.
LUZ DE VELA - "Todos nós, homens de imprensa, gente que escreve sobretudo sem entender de nada, o fazemos sobre a areia do tempo. Não somos chamas: somos luz de vela. Nossos escritos não têm perenidade (exceto quando o livro, como no caso de Euclides da Cunha, dá a essa argila tão frágil que é a página de jornal, a eternidade do mármore - mas então, o jornalista cede lugar ao sábio, ao filósofo, ao etnólogo, ao gênio. Não estamos neste caso (só as nossas famílias nos consideram gênios). Nossos escritos valem enquanto duram e duram enquanto interessarem. Nada mais fugaz nem tão leve que o interesse do leitor de notícias. Um rápido passar de olhos sobre o título e, às vezes, a graça de uma leitura apressada do texto compensam, muitas, muitas vezes, dias, semanas, meses de esforços, riscos, ansiedade, toda a vigília de um repórter. Este é o seu prêmio. O comentário. Uma frase de elogio. O telefonema de um amigo. Na manhã seguinte, ele troca Perón por um mestre de gafieira e vai gastando a sua alma, as suas emoções, a sua sensibilidade, o seu fígado, a sua alegria, vai se desidratando, vai secando o seu estilo, vai depenando a sua imaginação, vai cortando as asas de veludo de sua fantasia, para ser apenas um relator de fatos, um contador de histórias qua acontecem. O repórter é um anatomista. A notícia é o cadáver.
Só existe boa poesia em cadáver nas peças de Nelson Rodrigues. O repórter tem um inimigo, um agente desintegrador, um micróbio que cumpre eliminar de seu organismo profissional, de sua máquina de armar notícias: esse inimigo é o poeta que está em quase todo homem que procura a banca da redação, a mesa de jornal, como meio de ganhar a vida. O pendor para as letras, a inclinação para a palavra escrita, revela no repórter o mal incurável da poesia. Um dos maiores fazedores de jornal do Rio de Janeiro, Alves Pinheiro, vinha de madrugada na barca de Niterói e furtivamente lia Manuel Bandeira. Logo que pisava a redação, se encontrava um vestígio de poesia, de sentimentalismo, de fantasia nas notícias - o seu lápis vermelho funcionava. Dizia-nos, no tom paternal que usava para os discípulos, que a noite era azul como a imaginação, mas a verdade era branca e iluminada como a notícia.
Vimos, assim, que o repórter é um buquê de frustrações. Ele precisa trazer o dom nato da poesia e esmagá-lo dentro de si. Necessita ter imaginação e não usá-la, porque, se a verossimilhança é mais importante que a verdade, o secretário de redação deixa de saber disso. Precisa escrever sobre milionários, quando lhe falta, às vezes, dinheiro para comprar a tinta da caneta que escreve sobre os milhões. Tece lovas às mulheres lindas - e acaba seu fim de sábado num cabaré zurrapa dos Arcos. Fala de lagostas, caviar e Viúva Clicquot e vai sorvendo, entre as linhas do artigo, a cerveja preta, amarga e lusitana como a sua própria vida".
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