Paulistas dão exemplo de como se aplica lei Sarney
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de julho de 1988
Só com a decisão do governador Álvaro Dias, aceitando argumentos do secretário Renê Dotti, da Cultura, é que as nossas estatais passaram, a partir deste ano, a investir recursos em projetos culturais, usufruindo as vantagens da lei Sarney. Embora condicionando a aplicação em determinados projetos - basicamente na restauração de prédios e sítios tombados pelo Patrimônio Histórico - não deixa de ser um desabafo para ajudar a pasta da Cultura, que continua a ter o menor orçamento do Estado - e vivier de pires na mão, mendigando recursos para desenvolver ao menos 30% dos projetos que poderiam dar ao Paraná dimensão nacional - como aconteceu nas administrações de Ney Braga e Paulo Pimentel. Época em que havia apenas um pequeno Departamento de Cultura, subordinado a Secretaria da Educação, mas que possibilitava desenvolver realizações como o Concurso Nacional de Contos e o Festival Internacional de Música, eventos só agora retomados - após uma década e meia de obscurantismo cultural (especialmente nas administrações Emilio Gomes, Jaime Canet Jr. e, principalmente, do infeliz governo José Richa).
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Em São Paulo, mesmo antes dos estímulos da Lei Sarney, não só grandes (e médias) empresas particulares já se voltavam a projetos culturais como também as estatais tem sabido prestigiar bons projetos. Agora, com as vantagens que a lei trouxe, o campo ampliou-se. O mais importante, porém, é que os projetos culturais tem sido entregues a profissionais competentes, especialmente na área musical, resultando trabalhos fonográficos da maior importância. A Elebre confiou a Pelão (João Carlos Botezelli) a série "Memória", já a caminho de seu quinto volume, enquanto Aluízio Falcão, através da Idéia Livre Produções Culturais, tem realizado trabalhos marcantes - que por sua qualidade, após uma primeira tiragem destinada aos clientes que os financiam, deverão sair em breve através de sua própria etiqueta.
A Eletropaulo/ Secretaria de Obras, possibilitou que ALuízio Falcão realizasse um trabalho admirável: através do jornalista Luiz Nassif, conheceu o menino Charles Gonçalves, 14 anos, que com seus irmãos Reinaldo e Alex, nos fins-de-semana, ganha a vida fazendo música na praça da República. Alex, o menor, no cavaquinho, Reinaldo, cantando e tocando pandeiro e Charles, na flauta, com toques divinos. Sem qualquer estudo, menino pobre vivendo com o pai, viúvo, no distante bairro de Vila Formosa, Charles revelou um talento tão grande que fez com que Altamiro Carrilho, 64 anos, mestre maior da flauta, se entusiasmasse ao conhecê-lo. Aluízio Falcão, recifense, assessor de Miguel Arraes em seu primeiro governo e que foi o grande produtor musical para seu sócio Marcos Pereira (1930-1980) fazer fama como o mais importante produtor de música brasileira dos anos 70, não deixou por menos: se entusiasmou com o talento de Charles, convenceu a Audalio Dantas, superintendente de Comunicação da Eletropaulo a produzir um disco com o garoto e o resultado é "Pinguinho de Gente". Inicialmente apenas numa tiragem para a empresa - mas que quando chegar as lojas, vai revelar o maior talento da flauta surgido no Brasil nos últimos anos. Acompanhado por bons músicos (Evandro no bandolim, Edson Alves no violão, entre outros), "Pinguinho de Gente" é emotivo, com um repertório perfeito (Waldir Azevedo, Carrilho, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, etc) que abre as portas para um talento tão grande quanto o de Rafael Rebello, no violão de seis cordas - como conta, em emotivo texto, o jornalista Nassif.
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Uma pesquisa realizada há dois anos por uma grande agência de propaganda, revelou que a música mais cantada no Brasil é "Ronda" do paulistano Paulo Vanzolini. Falando de dor-de-cotovelo, este samba do médico e cientista Paulo Vanzolini, 64 anos - completados no dia 25 de abril, é uma espécie de hino de amados (e desamados) de Norte ao Sul do Brasil. Um clássico que Vanzolini compôs em 1951, mas que só viria a ser gravada 16 anos depois - quando já havia feito outros sucessos, especialmente "Volta Por Cima", lançado por Noite Ilustrada. Embora sendo um cientista com muitos cargos - dirige o Museu de Zoologia de São Paulo há 25 anos, tem importantes trabalhos de pesquisas - Vanzolini sempre foi um apaixonado pela noite, freqüentador das noites do Jogral, de Luis Carlos Paraná (Ribeirão Claro, PR, 1932-SP, 1970), onde nasceria sua amizade com Marcos Pereira e Aloísio Falcão, que em 1967, lançariam, como disco-brinde, o lp "11 sambas e uma capoeira", interpretadas por cantores seus amigos e produzido por Toquinho (que, em 1968, faria com ele a parceria de "Na Boca da Noite", vencendo a parte paulista do II Festival Internacional da Canção, etapa paulista).
Profissionalmente desligado da música, fazendo apenas como prazer, só em 1974 sairia um novo disco com músicas de Vanzolini interpretadas por seus amigos Paulo Marques e Carmem Costa.
A sua obra é assim, no global, pouco conhecida - jóias preservadas mais por seus amigos ou em gravações avulsas, o que fez com que o patrocínio de Comgaz/ Secretaria de Obras, em São Paulo, para realização dos disco "Inéditos de Paulo Vanzolini" seja outro exemplo de investimento cultural. Com dois intérpretes excelentes - embora desconhecidos do público - Virgínia Rosa e Passoca (Marco Antonio Vilalba, 38 anos, que há um mês fez uma obscura temporada no Paiol) revelam dez canções belíssimas da Vanzolini, nos quais fala de noite, de amores perdidos - em pareceria com Elton Medeiros ("Dançando na Chuva") e Eduarso Gudin ("Condição de Vida"), além de uma "Valsa Sem Fim" que, com toda certeza estará entre as 10 melhores músicas deste ano. Isto porque um álbum como "Inéditos" não pode permanecer restrito aos clientes da Comgaz e esperamos que logo Aluízio o coloque no mercado.
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Através da Idéia Cultural, Aluízio Falcão produziu também dois outros explêndidos álbuns: com patrocínio do Grupo Verdi, o "Pianeiro Caipira", no qual o pianista Charles Franz (com) prova a dimensão harmônica de músicas tidas como sertaneja, em arranjos excelentes ao piano de clássicos como "Tristezas do Jeca", "Casinha Pequinha", "Mágoas de Boiadeiro", "Rio Pequeno", "Saudades do Matão", "Romaria", "Luar do Sertão", etc.
Já para a Banerj Seguros, Falcão produziu "Villa-Lobos/ Serestas e Canções", no qual a voz perfeita de Teca Calazans interpreta uma dezena de obras marcantes de Villa, com letras que vão de Manoel Bandeira ("Modinha") e Álvaro Moreira ("Realejo") a Hermínio Bello de Carvalho ("Prelúdio da Solidão"), passando por Dora Vasconcelos ("Canção do Amor", "Melodia Sentimental"), Ronald de Carvalho ("Na Paz do Outono"), entre outros que tiveram a felicidade de colocarem palavras em composições do nome maior da música brasileira - e cujo centenário de nascimento, trascorrido no ano passado, possibilitou que ao menos uma (ainda pequena) parte de sua (imensa) obra ganhasse gravações marcantes, como este álbum - que a exemplo das outras três produções de Aluízio Falcão, mostram o quanto de bom empresários inteligentes podem proporcionar em termos culturais ao fazerem aplicações com os benefícios da Lei 7.505/86, desde que entregando os projetos a quem é do ramo.
LEGENDA FOTO - Vanzolini: "Ronda", de Norte a Sul.
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