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Pornô e tropicália foram as surpresas em Gramado

Se durante suas doze primeiras edições o Festival de Cinema de Gramado tinha um clima de tranqüilidade em termos de programação de filmes, restritos apenas aos longas e curtas em competição à noite no Cine Embaixador, agora, consolidado como o mais importante evento cinematográfico do País, passou a oferecer uma multiplicidade de atividades que torna difícil, pode-se até dizer, impossível, acompanhar as (ótimas) opções oferecidas. Assim, neste ano, quase uma centena de filmes curtas, médias e longas, em super-8, 16mm e 35mm, foram projetados em diferentes espaços. Aos debates dos filmes em competição, realizados com um público questionador, somaram-se as reuniões do Encontro das Mulheres Cineastas, mesas-redondas entre realizadores com os presidentes da Embrafilme, Carlos Augusto Calil e do Concine, Gustavo Dahl. Duas cineastas do Studio D, do National Film Board, do Canadá, trouxeram dois dos mais interessantes documentários exibidos em sessões paralelas - "Speaking About Nairobi" e "Not a Love Story", que, pelo interesse despertado, terão projeções em outros Estados, inclusive em Curitiba, no final de maio. "Speaking About Nairobi" é o primeiro documentário sobre o encontro mundial de mulheres, realizado no Kênia, África, no ano passado, enquanto que "Not a Love Story: a Film About Pornography", enfoca, em 95 minutos, a questão da indústria pornográfica, que rende atualmente 5 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos. Realizado por Bonnie Sherr Klein, este filme intercala depoimentos de fotógrafos, editores e, especialmente, homens e mulheres que se submetem a cenas de filmes e revistas pornográficas, numa linguagem franca, corajosa, dolorida. Sua apresentação causou tanto impacto, que houve uma reprise, com tradução simultânea a cargo da feminista Inês Castilho, editora do jornal "Mulherio", seguida de um debate coordenado pelo professor, quadrinhólogo e pesquisador de cinema Francisco de Araújo, da Universidade do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. xxx A exibição de "Not a Love Story", mesmo que numa sessão paralela, com público reduzido, tornou-se ainda mais interessante considerando-se que na competição dos curta-metragens foi apresentado "Boca Aberta", no qual o cineasta Rubens Xavier propõe a discussão da produção de filmes da Boca do Lixo de São Paulo, através da entrevista com quatro dos mais ativos realizadores deste gênero: Ody Frega (que, em 1964, rodou no Paraná, o seu primeiro filme, "O Diabo de Vila Velha"), Alex Prado (especialista em bangue-bangue), Tony Rabattoni e Ozualdo Candeias, este um dos cineastas do chamado "udegrudi" mais valorizados pela crítica. "Boca Aberta", rodado em branco e preto, 16mm, com poucos recursos de produção, foi premiado com o Kikito de melhor roteiro - trabalho de Rubens Xavier e Maria Rita Galvão, pesquisadora ligada à Cinemateca Brasileira e autora de uma tese sobre a Vera Cruz, já editada em livro. xxx Dentro das surpresas do festival, com filmes que não constavam da programação oficial, uma revelação foi "Infinita Tropicália", documentário que Adilson Ruiz, 36 anos, completou há poucas semanas como trabalho de mestrado do curso de pós-graduação em Cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - e que será defendido, acompanhado de uma tese (editará em livro, ainda neste semestre) dentro de duas semanas. Com 30 minutos de duração - e não podendo assim competir no festival (que limita os curtas, ao máximo, em 25 minutos). "Infinita Tropicália" é o mais perfeito filme já realizado sobre o movimento tropicalista. Abrindo e encerrando com o irreverente Tom Zé, alterna imagens musicais, cenas de publicidade, fotos de acontecimentos e personalidades que marcaram os anos 60, com depoimentos de personalidades ligadas ao tropicalismo, como o maestro Júlio Medalha (que só foi assistir ao filme em Gramado, aplaudindo-o bastante), Rogério Duprat, Augusto de Campos e outros. Adilson Ruiz - que afirma admirar muito a poetisa curitibana Alice Ruiz ("mas não é minha parente") - já fez três outros curtas - "Hay Fiesta?" (1973), "Foi Assim" (1973, sobre eleições) e "De Repente, Zé Quidingues e Zé Francisco" (1978), sobre dois repentistas nordestinos radicados em São Paulo. Seu projeto para 1986 - tão logo lance "Infinita Tropicália", o filme e o livro (edição já acertada com a editora Max Limonad) é partir para "Amorosidade", média-metragem, com roteiro estruturado sobre textos do comunicólogo Roland Barthes - o mesmo autor que baseou o roteiro de "A Espera", de Maurício Farias e Luís Cardoso, curta carioca que foi dos mais curtidos durante o festival - e acabou sendo um dos premiados com o Kikito.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
17/04/1986

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