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Aramis

A pureza dos amores jovens

Chega aquele dia em que as memórias da infância e da adolescência se tornam mais nostálgicas e os pequenos detalhes que na época passaram despercebidos - e nunca valorizados em sua importância na simplicidade do dia a dia - ganham contorno de uma poesia e pureza adormecidas. Quem não se lembra da primeira e flamejante paixão, das angústias adolescentes da recusa de ser integrado a um grupo social, as gozações dos colegas maldosamente mais velhos (e fortes), o apoio de um amigo (ou amiga) na hora em que não foi possível desviar o rosto do soco - como diria Fernando Pessoa? Estas imagens fazem com que um modesto e não badalado filme, em lançamento obscuro na cidade - "Inocência do Primeiro Amor" (Plaza, até amanhã, 5 sessões) ganhe contornos de uma pequena jóia de reflexos humanos, enternecedor, suave, puro como as flores que, em campos verdes, entre árvores, com suas borboletas e gafanhotos, compõe o próprio cenário pastoral de Deerpark, Illinois, onde a fotografia de Reynaldo Villalobos captou imagens das mais perfeitas. xxx Na preocupação de (re)conquistar o público adolescente - que, nas décadas de 30 a 50 era que formava gerações de cinéfilos, vibrando com os westerns, filmes de capa-e-espada, aventuras nas selvas e desertos, seriados e tantos outros mágicos gêneros que povoavam as mentes de crianças e jovens - o cinema americano tem voltado, a partir do final dos anos 70, a oferecer filmes, com censura livre, a um público imenso e que, por culpa da própria indústria, estava cada vez mais distante das salas de exibição. Afinal, em busca de temas adultos, numa visão crítica da vida, com abordagem de temas sexuais do imaginário e a sedução dos sonhos que fez com que a invenção dos irmãos Lumière se transformasse na maior forma de entretenimento do século. A interdição dos filmes às crianças, o desaparecimento das fitas de ação e aventura, o sepultamento dos seriados - substituídos pelo comodismo da televisão (e, nos últimos tempos do vídeo-cassete), fez com que ao menos duas gerações - nascidas entre o final dos anos 50 e década de 60 - praticamente perdesse o hábito de ir ao cinema regularmente, pela simples razão de que não havia programas apropriados às suas idades. Os ingênuos desenhos herdados dos estúdios de Walt Disney (hoje também num processo de reciclagem temática) já não satisfaziam as gerações mais liberais e exigentes em termos de informação, de forma que era tudo uma questão de marketing: abrir o cinema para a infância e juventude, mas de forma adequada a este final de milênio. E dentro de tantos nomes e títulos que poderiam ser citados em qualquer approach a respeito, um se destaca: Steven Spielberg. Tão habilidoso criador de sonhos visuais como administrador, o diretor de "Os Caçadores da Arca Perdida" fez com que centenas de produtores e diretores abrissem os olhos para o maior dos mercados - e assim, filmes com as mais diferentes abordagens aos adolescentes tem chegado a dezenas em nossos cinemas nestes últimos anos. Produções despretensiosas, normalmente com orçamentos médios (dentro dos padrões de custos americanos) e sempre lançando novos intérpretes - na indispensável roda-viva de reciclagem que o consumismo do cinema exige - esta nova linha de produção, mesmo quando aborda assuntos regionais, dentro de limites geográficos específicos (como, por exemplo, o pouco conhecido esporte, hóquei, em "Veia de Campeão/Youngblood", que permaneceu três semanas no Lido), encontra um público interessado. Jovem por jovem, o cinema - especialmente o americano - sempre se interessou por estórias capazes de populsar emergentes faixas de espectadores, mas hoje as regras de marketing contam muito mais de um diretor ou roteirista. Assim a abordagem pode variar desde a forma mais grosseira do comportamento de grupos de colegiais - como em "Porky's", de Bob Clarck (que já teve três continuações e dezenas de imitações) até o tratamento sensível, poético e extremamente humano como faz o estreante David Seltzer neste "Inocência do Primeiro Amor". Estreante, aliás, não é a classificação exata para Seltzer. Embora só agora realizando seu primeiro longa-metragem, este americano de Highland Park, um subúrbio ao Norte de Chicago, formado pela Escola de Cinema e Televisão da North-Western University, fez televisão e, mais tarde, em Hollywood, trabalhou com o produtor David Wolper em séries sobre a natureza "Incredible World of Hellstrom", de David L. Wolper - Oscar de melhor documentário - 1971 (lançado no Brasil mas precariamente exibido em poucos cinemas). Como roteirista, David Seltzer colaborou, entre outros, em filmes como "A Profecia", "Uma Janela para o Céu - 2ª Parte" e "Com Amor e Ternura". Portanto, ao se decidir em partir para um longa-metragem, assumindo o roteiro e a direção, David Seltzer já tinha uma experiência marcante, capaz de resultar num filme que mostrasse, no mínimo, competência profissional. "A Inocência do Primeiro Amor" - título que a Fox deu no Brasil a "Lucas", o simples nome do personagem-central, é muito mais do que um filme bem realizado. É uma obra de tons declaradamente pessoais, no qual Seltzer colocou elementos autobiográficos, o que confere aos personagens aquela dose de humanidade e sinceridade que raramente se encontra em trabalhos apenas adaptados de outros autores. Lucas Blye, 14 anos, um adolescente solitário, que prefere a música clássica e a ciência do que festas e jogos de futebol, conhece Maggie, 16 anos, uma atraente garota que acabara de se mudar para a cidade em que ele vive. Inicia-se uma amizade que, da parte do solitário Lucas, se transforma em juvenil paixão, enquanto que Maggie, mesmo com toda estima por ele, se apaixona por Cappie Roew, capitão do time de futebol da escola e protetor de Lucas - que por sua fragilidade é constantemente matratado pelos colegas mais velhos. Uma história aparentemente comum, ganha, na sensibilidade com que David Seltzer desenvolveu o roteiro, contornos de uma empatia universal, transpondo as limitações de uma pequena cidade americana, os personagens locais para, na identificação com o espectador - seja jovem ou já amadurecido (e neste caso), a emoção será maior, pela volta a magia de seu tempo de adolescente) - dando aquele toque de grande emotividade. A leitura das imagens de "Inocência do Primeiro Amor" pode sugerir muitas interpretações. A dualidade do interesse cultural (a música) e a ciência (o interesse de Lucas pelos insetos, aos quais busca apenas "observar e não matar", com o diz uma das primeiras frases - incorretamente traduzida, aliás - com a performance dos atletas do violento futebol americano (e que atraem belas cheerleaders, como Maggie de sua paixão), é uma das propostas com que Seltzer coloca no filme. A aproximação de Seltzer com um cinema voltado a documentação dos insetos vai desde as primeiras imagens de abertura do filme (o processo de reprodução dos gafanhotos) até a citação de um clássico do terror "A Mosca da Cabeça Branca" (The Fly, 1958), de Kurt Newmann, visto em suas aterrorizantes seqüências finais, quando Lucas e Maggie vão ao cinema. Apenas um detalhe, mas significativo dentro da estrutura caprichosa com que este filme foi armado - com um acabamento magnífico. A trilha sonora de Dave Grusin, por exemplo, mistura tanto temas clássicos (que Lucas curte) como músicas inéditas. E o elenco, naturalmente, teria que ser de novos intérpretes: como Lucas, está Cory Haim, um garoto que há 5 anos (hoje ele tem 15) vem aparecendo, em pequenas pontas, em filmes como "Quando Se Perde a Ilusão", "Admiradora Secreta" (exibido, apenas por uma semana, no mesmo cine Plaza, neste ano) e "O Romance de Murphy" (ainda inédito em Curitiba). Como "Lucas", Cory Haim conquista a simpatia desde a primeira imagem projetada na tela - da mesma forma que Kerri Green, como Maggie - uma beleza espontânea e, especialmente, aquela ternura facial que marca as imagens de uma primeira paixão. O elenco de suporte também é expressivo, com atores e atrizes (Charlie Sheen, Courtney Thore-Smith, Winona Ryder e outros) que, ainda nesta década, estarão se destacando em novos filmes - a exemplo de toda a geração de new-faces que filme a filme tornam-se mais populares. xxx "Lucas" não é um filme de grandes pretensões. É simples, suave mas extremamente humano - que se voltando a um público adolescente atinge - e como! - corações e mentes de quem nunca permitiu que os sonhos do passado fossem totalmente assassinados pelos socos da maturidade. A pureza de seus personagens é como um agradável suco de reencontro com um momento de nossas vidas, no qual a empatia de David Seltzer, foi extremamente feliz. Numa rápida declaração, David resume toda a filosofia desta sua realização: - Escrevi "Lucas" especificamente para eu dirigir, porque é o tema que mais me diz respeito. É sobre jovens e minha vida é sobre jovens. LEGENDA FOTO - Lucas (Cory Haim) e Maggie (Kerri Green): os sonhos da adolescência num filme de grande beleza - "Inocência do Primeiro Amor", em exibição no Plaza.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
09/12/1986

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