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Aramis

Quando o técnico vale mais que o politiqueiro demagogo

Numa semana em que a (in)definição do candidato a ser ungido pelo prefeito Jaime Lerner à sua sucessão divide os que defendem a solução técnica, entre os cinco excelentes nomes que foram lançados, e a proposta política - com dois deputados pedetistas pretendendo também a candidatura, seria interessante que se lembrasse do que ocorreu há exatamente 30 anos em Curitiba. O general Iberê de Mattos, petebista histórico, de raízes ferroviárias - que lhe haviam garantido a eleição em 1957, optou por um jovem político, excelente orador, filho de um ex-vereador de grande prestígio (Amancio Moro), o advogado Carlos Alberto Moro. Ney Braga que havia antecedido Iberê na Prefeitura (quando foi o primeiro prefeito eleito após a redemocratização), então no governo do Estado também estava indeciso entre qual dos prefeituráveis faria a opção para disputar as eleições que teriam, da parte do então fortíssimo PSD, do ex-governador Moyses Lupion, um candidato dos mais simpáticos: o engenheiro Abílio Ribeiro(1918-1991). Eleito por uma coligação de pequenos partidos, liderados pelo PDC, Ney Braga que seria fundamental fazer o novo prefeito de Curitiba. A vitória de um petebista ou de Abilio Ribeiro - amigo pessoal e homem de confiança do ex-governador Moyses Lupion (contra quem, na época, movias uma batalha jurídica), enfraqueceria a sua administração. Muitos dos integrantes de seu staff político recomendavam o apoio a um político, capaz de, nos palanques, entusiasmar o eleitorado da então ainda provinciana Capital. Assim, quando Ney Braga anunciou o escolhido muitos surpreenderam-se. Tratava-se de um engenheiro civil, funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem, ex-integrante da comissão de obras do centro Cívico e professor da Universidade Federal do Paraná: Ivo Arzua Pereira. Respeitado pelos seus colegas, de comprovada competência técnico-administrativa, mas totalmente desconhecido da população. xxx Quem mais se surpreendeu com a escolha foi o publicitário Arnaldo Del Monte, paulista de Cambuci, então com 38 anos de idade, e que em 1954 havia chegado em Curitiba, como um dos pioneiros de nossa propaganda. Em oito anos, Del Monte havia provado sua competência e, já então com uma razoável experiência na comunicação política (a palavra marketing ainda não era usada) integrava o grupo que assessorava ao governador Braga. Já tinha a sua agência - Associados, fundada em 1961, e que, entre clientes contava com o Banestado, então um banco semi-falido, cuja imagem procurava recuperar. Em recente depoimento para um grupo de jornalistas, Arnaldo contou, em detalhes, como foi a missão que Ney Braga lhe deu: procurar o engenheiro Arzua em sua casa, na rua Pamphilo de Assunpção, gravar uma entrevista e começar a pensar na campanha. Del Monte havia sido um dos principais colaboradores da campanha que deu a vitória a Ney Braga e tinha sua confiança. Recorda Arnaldo: - "Fui procurar o dr. Arzua. [Lembro-me] que na rua Pamphilo de Assunpção - tive dificuldades de localizar a casa. Enganei-me e bati num número errado. Um senhor atendeu-me, expliquei quem procurava e ele disse que não conhecia. Sua esposa ouviu e gritou do fundo da casa: "há! Deve ser o professor, que mora duas casas adiante". Era. Arnaldo conheceu então Arzua, conversou com ele, tentou gravar uma entrevista mas sentiu que a comunicação não era o forte do técnico. No dia seguinte, foi sincero ao governador: - "O Dr. Arzua pode ser o homem ideal tecnicamente, [mas] será difícil trabalhar sua imagem. Veja só, nem o seu vizinho o conhece"... Ney nem discutiu. Insistiu na escolha e o segundo encontro, já no Palácio foi mais descontraído. Arnaldo Del Monte, publicitário desde os 14 anos - quando ingressou no "Jornal da Manhã" do então governador Adhemar de Barros, em São Paulo, começou a imaginar como fazer de um engenheiro caladão, em nenhum dom de oratória, desconhecido da cidade, o candidato capaz de enfrentar um jovem e brilhante orador, Carlos Alberto Moro e um conhecido pessedista, com todo raposismo político do PSD, Abilio Ribeiro. Foi dormir sobre o problema e acordou com uma idéia luminosa: Mais ação e menos conversa Foi um achado. Afinal, Ibere de Matos era um administrador que usava e abusava da palavra. Adorava falar em microfones e ganhava até charges e piadas por esta sua constante disposição de muito blá-blá. A proposta de um administrador mais sério, sem fazer muitas promessas e passando a imagem de uma administração realizadora caia como uma luva. - "Assim, começamos a trabalhar esta idéia. Imagens da cidade, propostas, mas evitando expor o dr. Ivo aos microfones e câmeras. A televisão começava no Paraná - era a primeira campanha política a usar o novo veículo - e um filme promocional foi narrado por Jamur Junior. No total da campanha, acho que não passaram de 15 minutos, o tempo em que o dr. Arzua usou no rádio e TV". Aconteceu porém um problema: foi organizado um primeiro debate político ao vivo, na televisão. Arnaldo e outros comunicadores se apavoraram. Um homem sério, de poucas palavras e sincero como dr. Ivo iria, sem dúvida ser massacrado por oponentes acostumados a utilizar a palavra como Carlos Alberto e Abilio Ribeiro. - "Depois de muita discussão se ele deveria ou não comparecer ao debate, concluímos que a ausência [seria] mais prejudicial. Com mil recomendações, o dr. Ivo foi para o programa. Manteve-se discreto, elegantíssimo, praticamente sem fazer intervenções. Só que Carlos Moro, entusiasmado, acabou exarcebando em algumas críticas ao governo, procurando minimizar a competência administrativa dos técnicos, que irritaram o candidato do PDC. Resultado: dr. Ivo apanhou o microfone e foi dando uma resposta agressiva, de homem para homem". A repercussão foi grande. A cidade - quem então tinha nas duas únicas estações de televisão (canais 6 e 12) a grande novidade - começou a comentar a performance dos candidatos. Antes que a agressividade do candidato apoiado por Ney Braga prejudicasse a campanha - que, nestas alturas estava indo bem - Arnaldo Del Monte decidiu criar a contra-informação. A A Boca maldita, sem o marketing que a faz hoje uma instituição oficializada, existindo desde 1956 (quando foi fundada por Anfrisio Siqueira e um grupo de amigos) já tinha uma grande força de comunicação. E foi ali que Del Monte plantou "agentes" para criarem os boatos de que junto aos moradores dos vários bairros de Curitiba a atitude máscula e corajosa de Arzua no programa de debates havia o identificado com amplas faixas do eleitorado: - "É de um homem assim que a cidade precisa. Corajoso, que não aceita desaforo" - comentavam os "agentes" da contra-informação. A receita funcionou. Em poucos dias, a imagem do engenheiro Arzua somava a de técnico competente, homem incorruptível e de excelente formação, também a seriedade e a coragem de não levar desaforo para casa. xxx As urnas confirmaram o seu nome. Uma eleição difícil, com disputa de cada voto mas que lhe deu uma bela vitória. O resto todos sabem: assumindo a Prefeitura com vários problemas - especialmente de falta de recursos - voltou-se a necessidade do planejamento urbano, idealizando o Plano Diretor, com o que nasceria o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba, a Sorbonne do Juvevê, na qual o então jovem arquiteto Jaime Lerner - ao lado de uma geração de entusiastas colegas - fazia seus primeiros projetos. Consagrado na administração Ivo Arzua Pereira seria mantido como prefeito - já que com o fim das eleições nas capitais, em decorrência de atos institucionais, passou a ser do Governador a escolha do prefeito. Paulo Pimentel manteve Arzua na Prefeitura, da qual ele só se afastaria ao ser convidado para assumir o Ministério da Agricultura, a convite de seu amigo, o marechal Arthur da Costa e Silva. Tal como Jaime Lerner - até há poucos anos um tímido em seus contatos com o público, orador deficiente (melhorou, embora ainda não seja [nenhuma] Brastemp em termos de discursos), o [engenheiro] Ivo Arzua provou que competência técnica, seriedade e confiança valem mais do que vazios e demagógicos discursos. xxx O exemplo ocorrido há 30 anos deve servir para reflexão nestas eleições. Cinco dos sete homens que Jaime Lerner estimulou em suas ambições eleitorais são desconhecidos da maior parte da população e não estão entre os campeões de oratória. O vice-prefeito Algacy Túlio, deputado federal, une uma grande comunicação à experiência política. O sétimo nome - o mais infeliz destes candidatos, rejeitado por imensas faixas do eleitorado - tem no discurso oco, vazio e pretencioso a sua principal "argumentação" para tentar chegar a poltrona que homens da dimensão de Moreira Garcez, Erasto Gaertner, Omar Sabbag, Ivo Arzua, Maurício Fruet, Roberto Requião e, por 3 vezes, Lerner, valorizaram. Curitiba merece o melhor. Há, portanto cinco opções técnicas - e uma política - Algacy Túlio - para que o PDT tenha um candidato digno a disputar as próximas eleições.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
25/03/1992

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