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Aramis

Raul Seixas, uma nova voz

Eu Raul Santos Seixas, nascido a 28 de junho de 1945 na cidade de Salvador estado da Bahia. Fui influenciado pela subscultura do "Rock n`Roll" em 1957, formando o primeiro conjunto de Rock, com aparelhos elétricos em Salvador. Eu tinha dois ideais ser cantor e ser escritor. Esses dois ideais seguiram comigo paralelamente durante toda a minha formação. Música e literatura, Ganhava dinheiro tocando pelo interior da Bahia com o conjunto: a música popular. Vendia meus escritos ao meu irmão caçula: Meu único e admirável consumidor. Não consegui manter o ideal musical com a idéia de estudar para ter um título Passei 5 anos na 2.º série de ginásio, não por faltar de estudo, mas por faltar aos 5 anos de aula. Sempre gostei de ficar em casa lendo o que eu gostava de ler, e escrevendo o que eu gostava de escrever. "Ser artista era ser algo baixo" de acordo com o pensamento engraçado dos parentes e amigos. Aos 8 anos eu pintei um quadro que até hoje eu tenho guardado e que me impressiona quantas vezes eu olho para ele. Por aquele quadro eu posso dizer hoje, como exatamente, eu me sentia quando tinha 8 anos de idade. Não é necessário, no entanto, dizer aqui. Eu sei como eu me sentia. Aos 11 anos estava muito preocupado com filosofia sem o saber. (Isto é, eu não sabia que era filosofia aquilo em que eu pensava). Tinha mania de pensar que eu era maluco e ninguém queria me dizer. Gostava de ficar sozinho. Pensando. Horas e horas. Meu mundo interior é, e sempre foi muito rico e intenso. Por isso o mundo exterior naquela época não me interessava muito. Eu criava o meu. Passei 10 anos em Salvador, (depois que formei o conjunto, em 57) tentando conciliar os estudos com a música e acabei por optar pela última pelo simples fato desta ser mais "comercial". Tude do que eu sei, eu devo ao mundo, a rua, a vivência e principalmente a mim mesmo. Nunca aprendi nada em colégio. Minto. Aprendi a odiá-lo. Sempre procurei ler o que me interessava. Não sei quantas vezes fiz e desfiz o conjunto por causa dos estudos. Me lembro bem da penúltima. Para mostrar que estudar era uma coisa fácil e simples fiz o curso de Madureza e o vestibular para Direito em apenas um ano e meio, Quando passei num ca fui às aulas e comecei a estudar opor conta própria, psicologia, em casa. Fui professor de inglês, uma vez ou duas. Não consegui suportar. No final da aula eu sempre acabava fazendo de psicologia ou de exobiologia, (em português). Fui professor de violão para algumas pessoas da sociedade baiana. E aprendi a tocar contra baixo ensinado a um cara que já me esqueci o nome. Casei em 67 e vim para a cidade maravilhosa. Passei 2 anos na pior condição que um casal pode passar. Quando eu cheguei com a mala de couro forrada de pano forte "brim-caqui" eu trazia essa mala cheia de idéias e a cabeça chefia de 10 anos de espera. O peito só faltava arrebentar. Mas, pouco a pouco foram os sonhos se transformando em pesadelo. E como nada dava certo eu fui obrigado a voltar para Salvador para talvez ser um bancário ou coisa parecida. Nessa época era muito difícil para mim manter qualquer contato com as pessoas. Estava fora de mim. Esse período eu não quero falar porque ele é muito escuro, muito confuso. Vivia trancado no meu quarto lendo o tempo todo. Lendo e escrevendo. Foi nesta fase que escrevi as melhores coisa. Então todas guardadas para um dia que eu quiser saber exatamente em que condições eu me encontrava na época. Eu só sei como eu me sentia dentro de uma determinada época, pelos vestígios deixando, por num expressos em forma de arte. Sei que existia uma preocupação comigo terrível por parte de minha mulher e de minha família. Conservavam baixinho a respeito de meu comportamento . Eu não vou falar muito sobre isso. Passei um mal pedaço psicologicamente falando, lá em Salvador. Talvez eu tivesse trilhado o caminho da paranóia se não tivesse tido a chance que tive. Conheci o diretor da gravadora CBS lá mesmo na Bahia e foi ele quem me deu oportunidade de estar em contato com a arte outra vez. Desta vez foi tudo melhor. Voltei como produtor, um cargo de uma responsabilidade enorme. Produzi muitos discos nessa gravadora. Produzi a dupla Tony e Frankye, o trio Ternura, e um amigo chamado Sérgio Sampaio, que foi o primeiro artista anônimo que eu realmente descobri, Acreditei muito nesse cara. Acreditei tanto que ele me incentivou a voltar a ser artista outra vez. Você produz bem, porque não produz a você mesmo? Dizia ele a toda hora. E fiz isso. Produzi um disco (meu favorito) com o Sérgio Sampaio, consigo, com Miriam Batucada e um excelente artista baiano chamado Edy. Cada um cantava suas músicas em faixas separadas num trabalho que resumia o caos da época. Ao nome do elepê, chamou-se "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista" apresenta: "Sessão das 10". Este álbum merece algumas palavras e respeito. Todas as músicas exceto uma foram escritas por mim e põe Sérgio foi uma caricatura incrível. Valeu a pena, apesar de ter vendido pouco. Nos nos divertimos muito. Foi também a primeira vez que eu fiz algo para ser consumido e do qual me sentiparanoicamente orgulhoso e feliz. Tem duas musicas minhas nesse disco que eu não consigo esquecer. Uma chama-se sessão das Dez que eu dei pro Edy cantar. Ficou maravilhosa. A outra é Dr, Paxeco (com x) na qual eu toquei todos os instrumentos com exceção da bateria, além de cantar comigo mesmo numa terça acima. O disco termina com o publico vaiando (que e costume desde o grande advento de festivais) e uma descarga de privada pra terminar. Esse disco foi em 71. Foi a última coisa que eu fiz de bacana antes de colocar duas músicas no festival. Eu nunca liguei muito para festival isto é eu não gostava muito da coisa mas Sérgio colocou uma música e me deu vontade de entrar no fogo. Seu lá por que escolhi "Let me sing, let me sing" por que era um rock e porque não sei o que mais lá que os jornais falaram. E "Eu sou eu Nicuri é o diabo" que é uma cucaracha. E ambas foram classificadas. Só isso. - Fale um pouco das duas músicas. - Sempre me é difícil falar das coisas que eu escrevo, isto é dissecar o trabalho numa análise mais além do que eu sei que eu já disse nas letras. Já está lá. Tudo expresso nas letras. E` uma manifestação muito pessoal da situação atual da coisa. Como eu vejo e sinto e devia a coisa Ou não dizer nada. Isso depende. Na música Let me sing eu tenho a influência de duas grandes correntes de minha vida. O rock e o baião Eu sinto o rock primitivo que veio do "country", exatamente como sinto o baião, que é o nosso "country". Existe uma semelhança enorme nessas duas músicas, ou pelo menos somente eu que vejo. Ouvi muito "country" e baião quando era criança. "Eu sou eu Nicuri é o diabo" é uma cucaracha, eu vejo assim. Essa letra não sei porque me lembra muito o estilo de Caetano ou Gil, sei lá como é que me apareceu essa idéia na cabeça. Eu gosto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música Popular
1
14/01/1973

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