Resnace a Cinelândia. Rernasce? (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de julho de 1980
A DECISÃO do grupo Mesbla S/A em instalar uma grande loja de departamento no Centro de Curitiba, justamente ao lado de uma de suas principais concorrentes - as << Americanas >> - prova de que a crise do petróleo e a inflação galopante e gasolina em escalada de preço, provocam o renascimento do comércio na área central.
Quando o Shopping-Center de Pinhais aproxima-se de sua etapa final e empreendimentos menores se espalham por outros bairros (como a << Morada do Rouxinol >>, no Boqueirão), o comércio da área tradicional pode - e deve ser revitalizado. Grupos comerciais do porte das Lojas Americanas e Mesbla, com filiais em dezenas de cidades, não se disporiam a fazer altos investimentos se não acreditassem no retorno do capital.
A Mesbla S/A se dispõe a aplicar até abril de 1980, quase Cr$ 140 milhões na restauração e reforma do edifício Heloísa, na Avenida Luiz Xavier, que com 7 pavimentos, poderá abrigar todos os departamentos que a farão um verdadeiro shopping-center. Com a presença da Mesbla S/A completa-se a presença das quatros maiores lojas de departamento e utilidades domésticas em nossa Capital. Há vários anos a Mesbla se mantém em primeiro lugar nesta área, conforme levantamento do << Quem é Quem da Econômia Brasileira >> (revista Visão), com mais de 15 mil empregados e um patrimônio líquido acima dos Cr$ 2 bilhões. Pela ordem segue-se Arthur Lundgren Tecs. S/A (Lojas Pernambucanas), que aqui possui ás Lojas Muricy, no setor de departamento, Lojas Americanas e Hermes Macedo.
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A área onde existe o edifício Heloísa - e que fica exatamente no centro da avenida (quadra) Luiz Xavier, fundos no Largo Frederico Faria de Oliveira, pertencia até agosto de 1975 ao professor e historiador David Carneiro. Por Cr$ 18 milhões, os três imóveis ali existentes - o << Heloísa >> na avenida e o << Carlos Monteiro >> (no qual funcionava o Cine Arlequim, mais uma lanchonete) e anexo (onde existia o hotel Tibagi, floricultura, lojas lótericas e pastelaria) foram adquiridos, então, pelo comerciante Husseim Hamdar, do setor de calçados e hoje dono de uma das mais sólidas fortunas do Estado. Em fins do ano passado, Hamdar vendeu metade da área (total de 2.600 metros quadrados) as Lojas Americanas S/A, para ampliação de sua filial de Curitiba, desde 1963 instalada na Rua Ébano Pereira. Com isso, os cines Ópera e Arlequim tiveram suas últimas sessões, exibindo << Deus, Como Te Amo >>; << O Castelo das Virgens >> e << O Regresso dos Renegados de Kung-Fu >> respectivamente, no dia 8 de janeiro de 1979.
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Um pouco da história da Avenida Luiz Xavier: David Carneiro havia adquirido em 1937 o espaço onde construiria o edifício Heloísa, da sra. Ida Hauer Groetzner (1880-1962), viúva do indústrial Paulo Groetzner (1869-1963), que, ali, no final do século passado - exatamente 1894 - havia instalado uma padaria. Em 1912, Paulo Groetzner se transferiu para o Alto do Cabral, com a fábrica de bolachas que deu o nome de << Lucinda >>, em homenagem a sua filha, Lucinda (1809-1941).Pagando << 230 contos de réis >> pela área, o professor Carneiro gastou mais << um mil e cem contos de réis >> na construção do edifício Heloísa - nome também dado em homenagem a uma filha, falecida do edifício levou quatro anos, com projeto de execução do arquiteto Lucas Mairoffe. A idéia era fazer do << Heloísa', com seis andares, mais uma cobertura - que Carneiro reservou para sua família, ali morando até 1949 (quando se transferiu para a mansão-museu, onde reside até hoje, na Rua Brigadeiro Franco >>- exclusivamente para apartamentos residenciais. Na época, o maior edifício da avenida era ainda o Moreira Garcez, construído pelo prefeito João Moreira Garcez (1885-1957), entre os anos de 1926-29 (mas que praticamente só seria acabado nos anos 50), e que foi o primeiro << arranha-céu >> da provinciana Curitiba.
A idéia de que o Heloísa seria apenas um edifício residencial, foi modificada: um << jovem ponta-grossense, cujo nome não me recordo >> diz David, se propôs a montar um cinema no térreo e, em julho de 1941, cm << Tudo Isso e O Céu Também >> (All This And Heaven Too, 1940, de Anatale Litvak), com Bette Davis (no auge de sua beleza), inaugurava o Cine Ópera, que, por mais de duas décadas, dividiria com o Avenida (inaugurado em 1.º/5/1929) e o Palácio (este ainda mais antigo, remanescente do pioneiro << Colyseum Curitibano >>0, o público freqüentador da << elegante Cinelândia Curitibana >>). O arrendatário falou e David Carneiro acabou assumido os cinemas, permanecendo na área cinematográfica até 1959.
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O entusiasmo pelo cinema fez David carneiro através da Orcopa, gerenciada por Ismail Macedo, a ampliar seu circuito e exatamente há 25 anos passados - 13 de julho de 1955, era inaugurado o Cine Arlequim, com a produção, inglesa << Sem Barreiras no Céu >> (Destimation 60.000). Primeiro projeto do arquiteto Fernando carneiro formado 2 anos antes pela escola de arquitetura da Universidade do Rio de Janeiro, o Arlequim ocupava o térreo do edifício Carlos Monteiro - nome dado em homenagem a um amigo de Fernando carneiro, falecido ainda jovem. O terreno, de forma irregular, procurou aproveitar o máximo a área. Para a decoração, Fernando partiu do próprio tema << Arlequim >>, com belos desenhos executado pela artista carioca Mellie Bezerra de Menezes, destruído no ano passado, quando o prédio demolido (nem sequer a marquise, com o nome de cinema, foi conservado, apesar da sugestão que fizemos na época). Com uma programação selecionadíssima, o Arlequim foi durante os 10 primeiros anos, um dos melhores cinemas de Curitiba. Ali a United Artists fez lançamentos de obras importantíssimas como << Marty >>, 1955, de Delbert Mann ou << 12 Homens e Uma Sentença >> (Twelvw Angry Men, 1957), de Sidney Lumet, para só citar dois exemplos. A partir de 1968, com o fechamento de dois cinemas mais populares na Rua Voluntários da Pátria - Curitiba e América -, e a necessidade de atrair a faixa mais popular de espectadores, a programação do Arlequim começou a decair (fenômeno que se observária também no final dos anos 60, com o avenida e mesmo o öpera), passando a reprises e filmes de sexo e violência. O último filme importante projetados no Arlequim foi << Bisturi, A Máfia Branca >> (Itália, 1973, de Luiz Zampa), que por denunciar as desonestidades cometidas por um médico corrupto, mereceu uma injustificável campanha das associações médicas brasileiras, a* tal ponto que quando de seu lançamento normal , no São João, em 1975, foi retirada de cartaz no 2.º dia (o mesmo se repetindo em outras cidades). E somente no Arlequim, já então em fase de decadência, esprimido entre um bangue-bangue espagueti e uma pornochanchada tupiniquim, o corajoso filme-denúncia de Zampa teve sua única reprise. Mas, os banheiros sujos e fedorentos, poltronas estragadas, falta de limpeza, tornavam praticamente impossível o espectador ficar no cinema por mais de 60 minutos. A não ser que levasse máscaras de gás.
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O fechamento dos cines Ópera e Arlequim, 17 meses passados, a venda do Palácio Avenida, da família Mehry, ao grupo Bamerindus, há 12 anos - e desde então a batalha judicial para esvaziar o prédio (hoje só o cinema e uma lanchonete, resistem ao despejo), o fechamento dos bares, cafés e restaurantes, foram provocando a deterioração da << Cinelândia >>. O Braz Hotel, de tantas tradições, acabou fechando suas portas e mesmo o funcionamento do luxuoso Del Rey e, poucos metros adiante, o Curitiba Palácio Hotel, a zona que o prefeito Jaime Lerner sempre quis ver como << o grande ponto de encontro do curitibano >>, e sede da << Bôca Maldita >>, se esvaziou. O café Damasco, de Mohamed Kadri, 63 anos, ao cerrar suas portas, no térreo do edifício Heloísa, na semana passada, completou o ciclo. Agora, pelo menos por algum tempo, não existe uma casa de degustação de café na << menor avenida do mundo >>.
A reação para << reanimar >> a Avenida Luiz Xavier já começou. Mesmo que sem a agilização ideal, Jaime Lerner, desde que assumiu a Prefeitura, no ano passado, vem procurando convencer Edson Vieira, presidentes do grupo Bamerindus, a modificar o projeto inicial: a demolição pura e simples do << Palácio Avenida >> e construção de um monstrengo arquitetônico, de 3 pavimentos, pra lojas do grupo financeiro. Há várias propostas, inclusive a de transformá-lo num centro de convenções, mantendo o cinema, abrindo espaço para café, restaurante etc. O arquiteto Lubomir Ficinski, ex-presidente do IPPUC e hoje membro do Conselho nacional de Política Urbana, é um dos defensores desta tese - assim como se preocupa com o destino de << Louvre >>, outro prédio tradicional, poucas quadras adiante, na Rua XV de Novembro, e também ameaçada - mais cedo ou mais tarde-de-ser demolido.
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A família Braz, estimulada pela prefeitura, decidiu restaurar o prédio, transformando-o num hotel de, no mínimo, três estrelas. O projeto do arquiteto Abrão Assad, já em desenvolvimento, previu muitas bossas, dando ao velho prédio, uma nova fachada e espaços bem aproveitados. Mesmo para o nunca utilizado porão do edifício Moreira Garcez há um plano faraônico, com implantação de restaurantes, lojas de queijos e vinhos e artesanato etc. Só que para sua viabilização, seriam necessários milhões de cruzeiros, que nem a Prefeitura dispõe, nem a iniciativa privada se arrisca a ali enterrar - no duplo sentido da palavra. Só agora, com a Mesbla, associando a Husseim Hamdar, poderá ser viabilizada parte do projeto, também de Assad, para dar ao << Heloísa >> um novo aproveitamento. Entre as propostas de Abrão, está a construção de uma grande passarela sobre a avenida em investimento alto - e que tem encontrado algumas vozes discordantes. Mas o importante é que, com uma loja de departamentos, com vários setores, funcionando na Avenida Luiz Xavier, poderá melhorar a sua freqüência, voltando-se aos velhos e bons tempos.
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