Samuel, um repórter antes do empresário
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de fevereiro de 1988
A caminho de sua quinta edição - em pouco mais de dois meses - "Minha Razão de Viver - Memórias de um Repórter", de Samuel Wainer, é mais do que um best-seller sazonal. O interesse por este livro de memórias de um repórter, filho de judeus, origens humildes, que chegou a ser um dos mais influentes homens da comunicação no Brasil, amigo e conselheiro de três presidentes da República - Getúlio, Juscelino e Jango - se constitui num sincero painel da vida política brasileira nos últimos 40 anos.
Admirável que o jornalista Augusto Nunes, agora um dos editores do "Jornal do Brasil", no Rio de Janeiro, tenha conseguido dar um tratamento tão interessante as dezenas de horas de gravações contidas em 53 fitas, registradas ao longo de três etapas. Na primeira, entre 25 de janeiro a 28 de fevereiro de 1980, sucessivas entrevistas coordenadas pelo jornalista Sérgio de Souza, consumiram 35 fitas. Segundo diz sua filha, Pinky Wainer (hoje artista plástica famosa), "Samuel parece frio, objetivo, percorre os assuntos como se os estivesse editando. Ressalva que não está empenhado em explicar-se ou justificar-se: deseja, apenas, contar a sua história". As entrevistas, ainda coordenadas por Sérgio de Souza, foram retomadas a 25 de junho de 1980, e novamente interrompidas dois dias depois. Agora, em quatro fitas gravadas, Samuel descreveu em detalhes do lançamento do jornal "Última Hora" no Rio de Janeiro.
Finalmente, a terceira etapa, coordenada pela jornalista Marta Góis, composta de 14 fitas, começou a 6 de julho e se encerrou em meados de agosto de 1980. "Aqui - diz Pinky - Samuel retoma temas que já mencionara em conversas anteriores, descendo a detalhes que deixara de lado. Parece melancólico, um tanto cansado, e frequentemente se entrega a divagações filosóficas".
Deste material - caracterizado pela ausência de censura - Augusto Nunes editou um livro fascinante, com uma linguagem trepidante, que convida o leitor - especialmente se tiver ligações na área da comunicação ou interesse em melhor entender a política brasileira - a não largar o volume antes de chegar ao seu final.
Elegantemente, Samuel evitou detalhar fatos de sua vida pessoal - especialmente de seu lado social, homem de muitos amores - com três casamentos, o último dos quais com Danuza Leão, mãe de seus três filhos - Pinky, Samuca (falecido em 29 de junho de 1984, num acidente rodoviário) e Bruno, cineasta. Em compensação, Wainer em seus depoimentos foi sincero ao admitir as concessões que, muitas vezes, foi obrigado a fazer para a sobrevivência econômica da "Última Hora" - ameaçada por grupos poderosos, inimigos figadais - especialmente os jornalistas-empresários Assis Chateaubriand (para quem trabalhou por alguns anos) e Carlos Lacerda (que foi seu amigo na juventude).
Acusado de ter fundado a "Última Hora" com recursos do Banco do Brasil, campanha que terminou numa CPI das mais ferozes, processado por falsidade ideológica, acusado de ter nascido na Bessarábia e, portanto, sendo estrangeiro, impedido de possuir órgãos de divulgação no Brasil, Wainer chegou inclusive a ser preso por alguns meses, num dos períodos mais difíceis de sua vida.
"Última Hora" cresceu como jornal popular, voltando-se a cobertura de setores que, até então, não mereciam atenção da imprensa - como o sindicalismo, os clubes de bairro, as reivindicações populares - e por isto sempre teve grande tiragem. Entretanto, duas experiências de Samuel Wainer fracassaram. O semanário "Flan", lançado em abril de 1953, formato tablóide, composto de quatro cadernos com oito páginas, todos com a primeira página em cores - uma inovação para a época, teve sucesso de público mas inúmeros prejuízos ("Foi, afinal, um grande e belo semanário - mas representou um erro político").
A aventura radiofônica de Wainer foi ter assumido a Rádio Clube, emissora que nascera com o nome de Roquete Pinto, em homenagem ao pioneiro da radiofonia no Brasil - hoje Rádio Mundial. A campanha que sofria já por parte de Chateaubriand e Lacerda atingiu também a rádio, e no final, a concessão foi cassada e lhe restaram dívidas. A propósito, Samuel Wainer faz na página 170 de seu livro uma confissão das mais sinceras. - "Na verdade, sempre fui um aventureiro e um aventureiro é, por definição, um otimista. Nenhum pessimista pode transformar-se num aventureiro. Cristovão Colombo, por exemplo: é possível imaginá-lo pessimista? Se o fosse, jamais teria encontrado a América. Assim, passei toda a minha vida agindo como se tudo que fazia estivesse fadado a dar certo. Agi dessa forma em relação a Rádio Clube. Em 1953, quando a concessão me foi subtraída e transferida para Emílio Carlos, compreendi que fizera um mau negócio".
LEGENDA FOTO - Wainer: sinceridade total.
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