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Aramis

Arrigo, a hora de se tocar no rádio

Há algumas semanas, o governador Álvaro Dias teve um convidado um tanto diferente para o almoço. No cardápio, ao invés de conversas político-administrativas, um papo mais descontraído: a música e o cinema. Especialmente, os trabalhos jovens, de vanguarda. Interlocutor: Arrigo Barnabé, paranaense de Londrina, na oito anos o "golden boy" de nossa vanguarda musical e que, como os autênticos talentos, sabe conservar a simplicidade. Assim, recentemente, a convite do professor Teófilo Bacha, assessor especial do governador Álvaro Dias - e que tem um bom trânsito junto a vários setores da "inteligentzia" tupiniquim, especialmente paulista, Arrigo foi ao Palácio Iguaçu, não para pedir qualquer coisa - mas apenas para uma troca de idéias. Claro que no papo - no qual participou também o secretário René Dotti, da Cultura, várias idéias surgiram, inclusive de cinema. Hoje, Arrigo é apaixonado por cinema - e depois de atuar em dois longa-metragens e trabalhar atualmente, com seu amigo Chico Botelho, no roteiro de um próximo filme. Usina de criatividade, Arrigo não pára: tem inúmeros projetos e, se pudesse, "gostaria de desenvolver todos simultaneamente". Parte do público jovem que a partir de "Clara Crocodilo" entronizou Arrigo Barnabé no altar da vanguarda, não entendeu bem, há algumas semanas, quando a 3M, uma nova gravadora, colocou nas lojas seu novo elepê, com o já provocativo título de "Suspeito". Isto porque, esperava que Arrigo fizesse apenas mais um "puzzle" de vanguardas, na utilização de palavras, imagens e fantasias - como aconteceu no demolidor "Clara Crocodilo" - não só o momento mais irreverentemente criativo do início dos anos 80, mas um verdadeiro balizador na produção cultural de toda uma nova geração mundial. Produção viabilizada graças aos esforços e sacrifícios de um amigo de infância, em Londrina, o engenheiro Robison Borba - "Clara Crocodilo", com suas imagens surrealistas, demonstrando a paixão de Arrigo pelo cinema e quadrinhos adultos (tão bem traduzidos por seu amigo e parceiro Luís Gê), este disco resultaria até em um balé modernista e seria sintetizado num curta-metragem. O projeto seguinte de Arrigo, "Tubarões Voadores" - já feito com os auspícios de uma multinacional (Ariola, 1984), também abriu novas portas de criação - fazendo, por exemplo, Paulinho da Viola, identificado com o samba tradicional, revelar seu lado construtivista em "Crotalus Terríficus", enquanto Arrigo encontrava novas parcerias - como Ricardo Porto ("Kid Supérfluo, Consumidor Implacável"), Bozzo Barreti ("Papai não Gostou") e Carlos Rennó (antes do seu sucesso em "Escrito nas Estrelas"), em "A Europa Curvou-se ante o Brasil". Aberto a novas importantes parcerias - de Roberto Riberti / Eduardo Gudin ao também demolidor Hermelino Neder, sem falar no mano Paulo (hoje, com carreira solo, brilhante), "Tubarões Voadores" revelaria a belíssima voz de Vânia Bastos. Assim como fizera em "Clara Crocodilo", sabendo trabalhar com a especialíssima voz de Tetê Espíndola (com quem dividiu inúmeros shows) e, mais tarde, produzindo o primeiro elepê de Eliete Negreiros (1). Arrigo tem se revelado, sempre, uma grande sensibilidade para estimular novos talentos. Bom caráter, ao assinar contrato com a Ariola, condicionou além da reedição de "Clara Crocodilo", que aquela multinacional produzisse um disco com o esplêndido cantor-compositor Passoca (2) - um dos maiores talentos da MPB mas que, até agora, apesar de dois álbuns gravados, não teve ainda o reconhecimento merecido. Antenas Ligadas - Antenas sintonizadas com o que acontece no mundo, mas sem perder o trem da história musical, Arrigo sempre procurou estudar o clássico - e a sua paixão por Rick Satie (3) não é gratuita. Na MPB, nunca desprezou os grandes cantores - sendo um apaixonado por modinhas e, especialmente, pela voz de Orlando Silva. Há dois anos, no XIX Festival do Cinema Brasileiro de Brasília - quando da apresentação de "Cidade Oculta", que havia co-escrito e interpretado, nos confessava, entusiasmado: - "Estou descobrindo a beleza dos musicais americanos. Apaixonei-me pelas canções de Fred Astaire". Assim, capaz de entender tanto o novo como o tradicional, mostrando seu talento de ficcionista ao co-roteirizar com o amigo Chico Botelho o polêmico "Cidade Oculta" - um filme "dark", até hoje mal compreendido - com influências de Will Eisner (4) e seu "Spirit", Arrigo não aceita rotulações. Por isto, responde as críticas em relação à sua nova faceta de compositor mostrada nas onze faixas de "Suspeito", dizendo: - "Eu só fiz o caminho inverso, que mal há nisso? Uns começam fazendo um trabalho comum e com o tempo vão se aprimorando. Como iniciei com um estilo de vanguarda, as pessoas acham que podem me cobrar isto a vida inteira. Eu sou uma pessoa comum, que algumas vezes faz coisas geniais e outras não". Assim, é o que propõe ao longo das onze novas músicas deste seu quarto elepê (considerando-se também a trilha de "Cidade Oculta", editada pela Polygram). O Arrigo gritalhão, mais falando do que cantando - da fase "Clara Crocodilo" - está somente nas faixas de abertura ("Êxtase", parceria com Hermelino Neder) e em "Diabo no Corpo" (parceria com Roberto Riberti), mas há um romântico (e afinadíssimo) intérprete em "Amor Perverso" e "A Serpente" - uma das faixas mais agradáveis. Um tom de mistério oriental cerca a original "Mr. Walker e a Garota Fantasma" - com vocal feminino, infelizmente não identificado na contracapa do disco (por sinal, lamentável a inexistência de encarte com as letras e a falta de informações a respeito da produção). "Dedo de Deus" - com um parceiro novo, Mário Manga - é um apocalíptico recado sobre a tragédia nuclear, mas que antecede a faixa mais relax - "So Cool", com Carlos Rennó - letra em inglês, quase em "scat", surpreendente para quem aliava Arrigo com a música agressiva de seus dois primeiros álbuns. Uma surpresa também imensa é "Já Deu pra Sentir", de Itamar Assunpção (5) - suave canção, com uma letra bem estruturada, daquelas que merecem tocar no rádio. Aliás, em recente entrevista a Rosângela Honôr ("O Globo", 29/01/88), quando do show de lançamento deste disco no Rio de Janeiro, Arrigo dizia que quer ouvir suas músicas "tocando nas rádios e sendo cantadas por todos". Assim, Arrigo - sem abrir mão de uma posição de vanguarda, recicla-se e aceita novas linguagens e caminhos musicais, abrindo novos espaços. Tendo vivido Orson Welles (1915-1985) em "Nem Tudo é Verdade", de Rogério Sganzerla - e depois das polêmicas que "Cidade Oculta" provocou, Arrigo começa a fazer um novo filme com Chico Botelho, em junho. - "Adoro fazer cinema. Além do mais, é uma coisa que se aproxima muito do meu lado compositor. Meu trabalho é muito cinematográfico". Aos poucos que o acusam de ter feito concessões comerciais em relação à abertura que mostra em "Suspeito", Arrigo dá uma resposta curta e objetiva: - "A realidade brasileira é outra. Tudo tem que ser comercial e nem por isso é necessariamente ruim. As pessoas têm muito preconceito". O desejo de fazer música "que toque no rádio e que todos cantem" começa a ser realizar: "Uga Uga" (parceria com Dino Vicenti e Hermelino Neder), já despontou como sucesso e pode até ser cantada no Carnaval. Notas (1) Eliete Negreiros é uma das mais belas vozes da MPB. Em 1982, fez o elepê "Outros Sons", produzido por Arrigo, na etiqueta "O Som da Gente", e no final de 1986 gravou "Ângulos", na Copacabana - que só chegou nas lojas em princípios de 1987 e que consideramos um dos 10 melhores discos nacionais. (2) Passoca (Marco Antônio Villalba) gravou os elepês "Que Moda" (RCA, 1979) e "Sonora Garoa" (Barclay, 1984), ambos trabalhos da maior importância - fundindo a música de raízes a vanguarda. É casado com Vânia Bastos, outra cantora excelente. (3) Pianista e compositor, Alfred Erik Leslie Satie (1866-1925) foi um revolucionário em sua época, introduzindo o humorismo musical em peças irônicas a partir dos títulos - encontrando, naturalmente, muita oposição de seus contemporâneos. Hoje, sua obra vem sendo revalorizada. (4) Will Eisner é considerado um dos mais importantes criadores de quadrinhos, com um estilo personalíssimo. Agora, suas estórias estão sendo publicadas no Brasil em uma revista com o nome "Spirit" - seu personagem mais famoso. (5) Paulista de Tietê, mas tendo se criado no Norte do Paraná, Itamar Assunpção já gravou três elepês independentes e em março sairá seu novo elepê, produzido pela Continental. Sua linha também é de vanguarda. Seu irmão, Narciso, é jornalista e apresentador de televisão em Curitiba e sua irmã, Denise, fez muitas peças no Paraná antes de se radicar em São Paulo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
19/02/1988

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