A Seara da melhor música nativista
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de março de 1986
Enquanto a Califórnia da Canção Nativista, em Uruguaiana, chegando ao 15º ano consecutivo, se consagrou como o pioneiro festival nativista do Rio Grande do Sul (imitado, dois anos depois, de sua primeira edição, por Santa Maria) e o Musicanto, em Santa Rosa, em apenas 3 edições, já se impôs pela extraordinária organização e valor dos prêmios oferecidos (para começar, um Ford Scort, zero quilômetro, ao autor da música classificada em primeiro lugar), a Seara da Canção Nativista, em Carazinho, atingiu em sua 5ª edição, de 7 a 10 de novembro de 1985, uma maturidade cultural.
Graças à orientação segura de Edson Ottos, advogado, cantor e pesquisador, diretor técnico do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore do Rio Grande do Sul, a Seara conseguiu uma identidade entre mais de 30 eventos semelhantes que ocorrem naquele Estado: a intercambiação de traços culturais. Em 1984, paralelamente ao aspecto competitivo, já havia acontecido um Chamamento Cultural com o debate de importantes questões - especialmente o relativo a Direitos Autorais e à elaboração de uma "Carta de Carazinho". No ano passado, o presidente da Associação de Arte e Cultura de Carazinho, Aylton Magalhães - que promove esse importante evento cultural sem qualquer patrocínio oficial - ampliou a parte cultural. Assim, o II Chamamento Cultural da Seara, dividido em quatro painéis, analisou temas como o Colonialismo Cultural (Interno/Externo), a Expansão Cultural Musical Gaúcha e a Valorização dos Regionalismos no Mosaico Cultural Brasileiro. Ao lado de bons amigos como Zuza Homem de Mello, presidente da Associação de Pesquisadores da MPB; Paulo Tapajós, do Projeto Minerva; Rose Marie Garcia, do IGTF; Paulo Diniz, da Rádio Guaíba; Juarez Fonseca, da "Zero Hora"; Antonio Fagundes, produtor do "Galpão Criola" da TV-RBS; José Ramos Tinhorão e Pelão (J. C. Botezelli), entre outros, tivemos o prazer de participar daqueles debates, do qual resultou um documento já encaminhado ao Ministério da Cultura.
Paralelamente ao Chamamento Cultural, a parte competitiva da Seara foi do maior nível. Em duas eliminatórias - 15 músicas por noite - foram apresentadas rancheiras, zotes, bugios, toadas, chimaritas, milongas, valsas, bugios, vanerões e canções dentro do espírito nativista, tendo por temática a terra, a amizade e lealdade, o amor, a preservação da natureza e tantos outros assuntos que fazem a música do Rio Grande do Sul ter uma presença tão forte e digna.
Não foi fácil para a comissão julgadora, formada por folcloristas, estudiosos de música nativista e mesmo profissionais (Henrique de Freitas Lima, Mário Barros, Leta Simon Dorneles, Cenair Maicá, João Carvalho Pereira, José Atidos Saturi e José Bonifácio Gomes) escolher as premiadas na várias categorias. Consciente da importância musical do evento, o próprio diretor artístico da Continental, Wilson Souto Jr. (o "Gordo", ex-dono do Lira-Paulistano, em São Paulo) ali esteve, acompanhando o trabalho que a bela Janine Rocha Fraga fez na produção executiva. Gravado ao vivo pelo estúdio volante Bobby Som, de Santa Maria - complementado, depois em sessões no Áudio Tape e Isaac, em Porto Alegre, as 12 finalistas da Seara saíram em lp, distribuído pela Continental, ainda no final de 1985 no Rio Grande do Sul, mas só agora chegando a algumas lojas do Paraná.
O grande vencedor da Seara-85 foi "Santa Helena da Serra", de Rui Biriva (em parceria com José Luis Vilela), que ao lado do cantor uruguaio Daniel Torres, defendeu com emoção essa canção emotiva, falando de uma mística cidade - premiada também com o troféu "Bombeador", por ter sido escolhida a melhor concorrente da categoria contemporânea. Na categoria nativista, a premiada foi "Benquerença", milonga de Júlio e João Batista Massado, defendida por Cezar Passarinho, cantor de Uruguaiana, já com um segundo lp-solo (edição Polygran, aqui comentado há duas semanas). Na categoria galpoeira, a premiação foi para "Baile do Rengo", delicioso contrapasso de Eurides Nunes/Nilo Brun, interpretado por Eraci Rocha (também já com seu lp solo), mas que teve na participação de seu autor, o acordeonista Eurides Nunes, o grande fator de comunicação com o público. Como acontece nos festivais nativistas, muitas premiações especiais. Por exemplo, o jornal "O Interior" ofereceu um troféu a música que melhor falasse sobre os problemas do agricultor e a vencedora foi "O Grito", de Sérgio Napp/Edson Vieira/Claudio Amaro. "Benquerença" ganhou o troféu "Emoções Gaúchas", enquanto "Caminho do Caapi" (Nilo Brun) venceu por ter melhor aproveitado o tema "tropeiros de mula", ganhando ainda o prêmio de melhor letra. Rui Biriva e Daniel Torres foram considerados os melhores intérpretes ("Santa Helena da Serra" e "Tenho Dito"), Fátima Gimenez ganhou o prêmio de melhor intérprete feminina pela ingênua "Sonhos e Brinquedos" e ao instrumentista - já que graças aos seus solos, foram valorizadas três das bonitas músicas: "Santa Helena da Serra", "Benquerença" e "Terno Encontro".
A 5ª Seara, em Carazinho, é hoje mais um exemplo de festival nativista com sólida organização e revelador de talentos musicais. Ampliando sua programação para debates e palestras, cumpre uma função cultural das mais importantes e editando em disco, desde a primeira promoção (1980) as finalistas, perpetua as canções ali concorrentes. Um exemplo de festival no qual os homens que promovem os nossos pífios festivais (Pato Branco, Cascavel, Paranaguá, etc.) deveriam se espelhar.
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