Semana bem verde amarela nos cinemas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de junho de 1989
Enfim, uma semana brasileiríssima!
Estréias de filmes aguardados - a superprodução "Kuarup" (Astor) e o tatiano "Fogo e Paixão" (Ritz), reprises de filmes brasileiros que tem em comum a temática jurídica (2ª Semana de Cinema da Faculdade de Direito, Cine Luz), e, viva! A inclusão do Lido II, na promoção "assista o festival de Gramado sem sair de sua cidade", a partir de segunda-feira, 12, os seis longas que disputam o mais badalado festival do cinema brasileiro (Gramado, Rio Grande do Sul, 12 a 17 de julho) poderão também serem apreciados pelos espectadores da cidade, que se interessam pelo nosso cinema.
Há ainda duas estréias importantes: "Minha Adorável Lavanderia", de Stephen Frears (Groff) e "Torturado pelo Passado", de Rick Rosenthal (Condor). Sem contar as reprises e os filmes que continuam em cartaz - o que dá muitas opções aos cinéfilos que não desejam ficar presos a limitação do vídeo.
Kuarup - Nunca um filme brasileiro foi recebido com tanta agressividade como a superprodução "Kuarup", de Ruy Guerra, custo de mais de US$ 5 milhões e que tendo seu lançamento às vésperas de ser mostrado (como concorrente do Brasil) em Cannes, em maio último, aqui foi estraçalhado pela crítica - mas sem que isto esteja prejudicando a carreira de público. Será que a transposição do romance de Antônio Callado - considerado um dos marcos da literatura dos anos 60 - merece tanta crítica? Eis uma questão que será discutida numa mesa redonda de jornalistas e cineastas, na próxima semana, durante o XVIII Festival do Cinema Brasileiro de Gramado.
Reconstituindo um importantíssimo período da vida política brasileira (1951-1964), com filmagens em vários estados - Parque Nacional do Xingu, Recife, Rio de Janeiro - e um grande elenco - Taumaturgo Ferreira (como o padre "Nando"), Fernanda Torres e Cláudia Raia (elogiadíssima) mostrando sua nudez, Cláudio Mamberti, Cláudia Ohana, Maitê Proença, Lucélia Santos, Ewerton de Castro, Roberto Bonfim, Vinícius Salvatori, Dionísio Azevedo, Adilson de Barros, Mauro Mendonça, Stênio Garcia - entre tantos outros nomes - "Kuarup" merece ser verificado.
A trilha sonora é de Egberto Gismonti, compositor integrado à música indígena (tema de alguns de seus melhores álbuns), e na parte técnica não faltaram recursos: fotografia de Edgar Moura, direção de arte de Hélio Eichbauer, um filme para verificação obrigatória.
Fogo e Paixão - Isay Weinfeld e Márcio Kogan, ambos com 36 anos, arquitetos, apaixonados por cinema, começaram a fazer cinema em 1974, na onda do Super 8 e, lembram-se, que com o primeiro trabalho que realizaram, "Carmen Jones", ganharam um prêmio num festival realizado em Curitiba. Treze curtas depois - o último, "Idos como Vento" (1983), já em 35mm - chegaram a um longa - "Fogo e Paixão", realizado em 1987.
Embora produzido com recursos próprios e de amigos (entre eles, o curitibano Luís Esmanhoto, ex-diretor da Fundação Teatro Guaíra), "Fogo e Paixão" encontrou, entretanto, problemas de comercialização junto a Embrafilme - com a qual Weinfeld e Kogan, romperam definitivamente. Mostraram então um esquema próprio para exibição desta comédia moderna, com admitidos toques de Jacques Tati (o grande cineasta francês, realizador de obras-primas como "As Férias do Sr. Hulot" e "Meu Tio"), e que deverá permanecer pelo menos três semanas em exibição no Cine Ritz.
Uma comédia tipicamente paulista - mas universal em seu humor - "Fogo e Paixão" desenvolve-se em torno de um sight-seeing de um ônibus turístico, em São Paulo, em que duas solteironas perseguem dois homens, um deles supostamente aristocrata. O quarteto principal é interpretado por Mira Haar, Cristina Mutarelli (que ontem estiveram na cidade, catituando o filme), Fernando Amaral (que é também cineasta, realizador de "A Penúltima Donzela", por sinal o primeiro filme em que Gismonti fez a trilha sonora) e Carlos Moreno (o garoto-propaganda da Bombril). Entretanto, a medida em que a viagem se desenvolve, rostos conhecidos vão entrando na história ainda que em rápidas aparições: Nair Bello, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Zezé Macedo, Fernanda Torres, Giulia Gam, Rita Lee & Roberto de Carvalho, Monique Evans e Paulo Autran.
É um filme divertido, feito por dois cineastas jovens e talentosos, que mesmo fugindo ao estilo tradicional de comédia, oferecem bons momentos. A fotografia é de Pedro Farkas, o curitibano Mauro Alice fez a montagem e a música é da dupla Sérvulo Augusto / Gil Reyes.
Vietnã, Again - Mais um exorcismo do cinema americano, em torno das conseqüências da guerra do Vietnã. Em "Torturado pelo Passado" (Distant Thunder), Mark Lambert (John Lighgow), é um ex-soldado que após ter participado por 5 anos no campo de batalha do Vietnã, voltou aos Estados Unidos mas não conseguindo se adaptar à família foi se auto-exilar numa floresta no Noroeste do Pacífico. Ali, com outros veteranos do Vietnã, igualmente traumatizados, Mark passou 16 anos. Decide, então, retornar a vida normal, conseguir um emprego e, desafio maior, reencontrar-se com seu filho, Jack (Ralph Macchio), que abandonou praticamente bebê. Com este roteiro de Robert Stilzel, de uma história de Deedee Wehlee, Rick Rosenthal (ainda desconhecido no Brasil, mas que já realizou "Juventude em Fúria", "American Dream" e "Ruskies") realizou um filme capaz de surpreender. No elenco de suporte, não há artistas conhecidos, mas a fotografia (Ralf Bode) aproveitou bem os cenários naturais da Colúmbia Britânica e a trilha sonora é de um mestre - Maurice Jarre, que já por três vezes recebeu o Oscar ("Lawrence da Arábia", "Dr. Jivago" e "Passagem para a Índia").
Outras opções - Pela segunda vez o Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Curitiba promove em colaboração com a Fucucu uma semana de filmes com temática ligada à Justiça. Um campo amplo, com centenas de títulos e dos quais foram escolhidos dois filmes estrangeiros - "Sacco e Vanzetti" e "Anatomia de um Crime" - e quatro produções nacionais: "O Caso dos Irmãos Neves", "Ato de Violência", "Tribunal Bertha Lutz" e "Em Nome da Segurança Nacional". Embora filmes importantes, já são bastante conhecidos e se tivessem tido melhor consultoria, poderiam ter conseguido obras mais expressivas. Enfim, é uma programação dirigida que ocupará o Cine Luz até a próxima quarta-feira.
A comédia "Os Três Fugitivos", de Francis Veber, passou agora para o Cinema I; "Minha Noiva É uma Extraterrestre", de Richard Benjamin, continua no Bristol - assim como "A Mosca II", se mantém no Plaza e "Erendira", de Ruy Guerra, no Guarani.
Além da estréia de "My Beautiful Laundrette" - Tucano de Ouro, melhor filme no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, há dois anos - que está em exibição no Groff, há outro lançamento: "Os Olhos do Dragão" (Eye of the Dragon), do chinês Leo Fong, que traz no elenco - vejam só - Troy Donahue, um galã famoso do cinema americano dos anos 60 ("Amores Clandestinos", "Um Clarim ao Longe", "O Erro de Susam Slade") e que chegou a vir a Curitiba na última das festas do Tribunascope. Ironia: o gatão de olhos verdes acabou no cinema made in Formosa, quem diria!
Depois desta, só mesmo indo à matinada do Luz, no domingo, e tomar uma dose de nostalgia com "Flash Gordon no Planeta Mongo".
LEGENDA FOTO 1 - John Lighgow e Ralph Macchio em "Torturado pelo Passado", em exibição no Condor.
LEGENDA FOTO 2 - Cláudia Raia e Lucélia Santos em "Kuarup", de Ruy Guerra - a grande estréia nacional da semana.
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