Sinatra e Caldas. Dois ótimos discos na praça.
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de outubro de 1974
Nunca a falta do cumprimento de uma palavra, de uma promessa foi tão benéfica quando as (in)decisões de Sílvio Caldas e Frank Sinatra, que apesar de anunciarem publicamente suas decisões de "aposentadoria" não resistiram aos chamados de seus milhões de admiradores e voltaram a gravar. Não é heresia musical comparar o Cabocrino querido ao The Voice, muito pelo contrário! Ambos - cada um em seu [país], em seu gênero, tem dignificado a [música] popular, dedicando-se integralmente ao entretrenimento musical - tornando, com suas vozes privilegiadas, o povo mais feliz, embalando romances e trazendo amor & felicidade há tantos e tantas pessoas.
Os críticos mais radicais, exigentes, podem torcer o nariz perante os novos [álbuns] de Silvio Caldas (Continental, SLP - 10.157, Outubro/74), e Frank Sinatra ("Some Nice Things I've Missed", Reprise Records/Continental, RLLP-2.045, Outubro/74), colocados simultaneamente no Brasil pela mesma gravadora. Mas, ambos - o seresteiro brasileiro ou o vocalista norte-americano, estão excelentes, seguros, cantando melhor do que nunca. Silvio [Caldas], 66 anos (sujeito a discussões não é Maurício Fisbein?) há alguns meses fez um lp na CBS 104289, lançado em abril/74), mas cujos resultados o desagradaram sobremaneira - além de decepcionar o público. Por isto, o velho seresteiro não teve dúvidas: aceitou o convite da Continental, interessada cada vez mais em melhorar o seu elenco nacional e não deve estar arrependido. Para sua estréia, os produtores Sidney Morais e Julio Nagib deram condições de realização de um disco especial de Esmeraldino e seu regional e mais os suaves arranjos dos maestros Elcio Alvares e Luiz Arruda Paes para o escolhido repertório. Felizmente, ao contrário, do disco anterior, não há nenhuma concessão - como foi a gravação de "À Distância ..." (Roberto/Erasmo Carlos), mas, sim, uma [seleção] de seu extraordinário repertório - um dos maiores da MPB. Assim, Silvio abre o lp com uma [composição] própria - "Beco sem Saída", prosseguindo com um documental samba de Marino Pinto (1914-1965) e Wilson Baptista (1913-1968) - "Largo da Lapa", em homenagem ao mais famoso reduto de Sambistas (e malandros) de um Rio que hoje já não mais existe. "Você Voltou" (Nelson Souto/Antonio Carlos), "Longe dos Olhos (Cristovão de Alencar/Djalma Ferreira) e "Não me Pergunte" (José Maria de Abreu/Jair Amorin) são as faixas seguintes. Para encerrar o lado A, um clássico de Angelino de Oliveira "Tristezas do Jeca".
No lado B, entretanto, é que está o repertório que vai entusiasmar mais os seresteiros abrindo com a mui apropriadamente intitulada "Serenata" de Silvio [Caldas]-Orestes Barbosa e seguida de "Minha Casa" (Joubert de Carvalho), "Velho Realejo" (Custódio Mesquita-Sady Cabral), "Deusa da Minha Rua" (Newton Teixeira-Jorge Faraj), "Alucinação" (Newton Teixeira-Macieira Nascimento) e "Não" (Newton Teixeira-Cristovão de Alencar).
Sem dúvida, um lp de Silvio Caldas é importante. Ao longo de seus quase 50 anos de vida profissional já gravou em todas as grandes gravadoras - o que faz logo que existam mais de 20 lps em diversos catálogos, das mais diferentes fases - o que é sempre uma oportunidade aos jovens que descobrem a beleza de sua voz e de sua música. Mas, sem dúvida, é importante um registro de um trabalho recente, como este, agora colocado pela Continental nas lojas - e sem dúvida um dos mais importantes discos de MPB do ano.
Se alguém tinha dúvidas a propósito da forma vocal de Francis Albert Sinatra, 57 anos, a sua extraordinária atuação no show do Madison Square Garden, Nova Iorque, há três semanas - transmitido ao vivo para o Brasil, pela Rede Globo de Televisão - deve ter sido suficiente para provar que The Voice continua a merecer esta adjetivação. Mas se restaram alguns dúvidas, "Some Nice Things I've Missed", que a Continental lançou na semana passada, aproveitando o impacto deixado pelo espetáculo ao vivo, deve calar mesmo os mais recalcitrantes críticos do notável vocalista. Desnecessário alinhavar elogios ou adjetivos a propósito do felling, da precisão vocal de Sinatra. Se em seu lp de 1973 - [tranqüilamente] [incluído] entre os 10 melhores do ano - lançou novas músicas, em especial de Joe Raposo, agora, nesta produção realizada nos Burban Studios, na [Califórnia], Sinatra prestigia outro jovem compositor - Floyd Huddleston, nas faixas "I'm Gonna Make It All The Way" e "Satisfy Me One More Time". Grato a Bert Kaempfert, autor de um dos seus maiores sucessos dos anos 60 - "Strangers in the Night", Sinatra abre o lp com uma nova composição de Bert Kaempfert (e mais três parceitos Herbert Rehbein, Kim Carnes e Dave Elligson). Como precisasse provar aos jovens (desligados) da geração pop, que na [música] nada se cria, tudo se transforma - e o que é bom permanece - Sinatra incluiu também músicas de compositores consumidos pela chamada nova geração. Assim de Neil Diamond, temos a sensível "Seet Caroline"; de David Gates e o [belíssimo] "If" e de Jim Croce, o Bad, Bad Leroy Brown", além de dar uma nova dimensão ao [conhecidíssimo] "You Are the Sonshine Of My Life?" de Stevie Wonder. De uma nova dupla, Larry Brown/Irwin Levine, e a interessante "Tic a Yellow Ribbon Round The Ole Oak Tree", que encerra o lado A. Mas, para quem curte Michel Legrand, as duas melhores faixas do lp são justamente duas obras-primas do maestro francês com letras do casal Marily/Alan Bergman, temas de dois dos melhores filmes dos últimos anos: "Whate Are You Doing The Rest of Your Life?", do filme "Tempo para Amar... Tempo para Viver" (The Happy Ending, 1968 de Richard Brook) e "The Summer Knows", de "Houve Uma Vez, Um Verão" (The Summer of 42), 71 de Rogert Mulligan. Dois maestros-amigos de Sinatra - Don Costa e Gordon Jenkins, se alternam nos arranjos das 10 faixas, produzida por Costa, Jimmy Bowen ("You Turned My Word Around") e Sonny Burke ("If" e "The Summer Knows"[).]
É preciso acrescentar algo mais? Acho que não?
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Visto com restrições junto aos críticos mais rigorosos durante alguns anos, Martinho da Vila consegue com "Canta, Canta Minha Gente" (RCA Victor, 103,0110, setembro/74) reallizar realmente um lp importante, consolidando um trabalho que já vinha tentando nos últimos dois anos, com uma significativa revalorização de pioneiros esquecidos como João da Baiana ("Batuque na Cozinha") e Donga ("[Raízes]"),. Por certo muito do mérito deste lp deve-se a Rildo Hora, sem dúvida um dos melhores record-man do Brasil e responsável pelos arranjos, [regência] e direção do coro, enquanto a direção musical geral esteve com Henrique Gastaldello.
No lado A, Martinho comparece com cinco composições: "Canta Canta, Minha Gente", "disritmia", "Dente por Dente", "Tribos Carajas" e "Renascer das Cinzas", ao lado de um dos mais belos sambas de Freira Junior (Francisco José de Freire Junior, 1881/1956), "Malandrinha" - interpretada com sensibilidade por Martinho. No labo B, na abertura, uma jóia da MPB: "Patrão, Prenda seu Gado", composta por nada menos, que Donga, Pixinguinha e João da Baiana; "Visgo [de Jaca]", de Rildo Hora e Sergio Cabral, é outras das boas faixas do lado B. Adaptando um tema popular - "Festa de Umbanda", Martinho doou os direitos desta faixa aos [órfãos] do Lar de Santa Barbara e São Jorge. E mais [três] novas músicas de Martinho, completam o lp: "Nego, Vem Cantar", "Calango [Vascaíno]" e "Viajando".
A contenção da percussão, os destaques aos setores de corda - Rosinha de Valença, Rildo Hora (que executa também gaita de boca), Valdir (banjo), Manoel de Conceição (violão), Mané do Cavaco (cavaquinho), excelentes instrumentistas do setor de sopro - Copinha (flautim), Celso(flauta baixo), Moacir (oboé), Formiga (piston), Zé Bodega (sax-tenor), Manoel Araújo (trombone), Geraldo ([barítono]), Flamarion (baixo/trombone), Toninho (Trompa) - além da inclusão de uma harpa (Maria Célia), um piano elétrico (José Roberto), um acordeon (Chiquinho), e mais uma apurada secção de ritmos, comprovam a seriedade com que este lp foi produzido. Enriquecido ainda com uma belíssima capa e poster criado por Elifas Andreato e uma sentida nota escrita por Ziraldo. Enfim, um importante disco na fonografia de Martinho da Vila.
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