Steve, a maravilha com grande talento
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de janeiro de 1986
Uma piada de humor (negro) nos meios musicais.
Uma dondoca aproxima-se de um garotinho que desafina ao piano. Pergunta:
- Meu amor, o que você quer ser quando crescer?
- Ah! Eu quero ser um pianista cego famoso.
xxx
Ray Charles, George Shearing, Stevie Wonder. Três entre tantos gênios musicais que, privados da visão, tornaram-se grandes compositores e instrumentistas. Como José Feliciano ou o jazzista Roland Kirk.
Stevie Wonder (Saginaw, Michigan, 1951), cego de nascimento, é há 25 anos um fenômeno musical. Aos 12 anos gravou o primeiro lp ("12 Years Old Genius"), na Motown, cujo presidente, Berry Gordy, apostou em seu talento e não se arrependeu. Há quase duas décadas e meia o pequeno Stevland Morris Jundkins (que se transformaria em Steve Wonder) só acumula êxitos e virou símbolo da gravadora Motown (no Brasil representada pela RCA). Viajou pelos EUA ao lado de Diana Ross & The Supremes, Marvin Gaye & The Temptations. Se aproximou do rock (em 64), trabalhou com os Rolling Stones, gravou com Lennon/Yoko ("Give Peace a Chance") e McCartney ("Ebony and Ivory").
Dezenas de discos de ouro e platina e, no ano passado, o Oscar de melhor canção pela belíssima "I Just Called to Say I Love You", da trilha de "A Dama de Vermelho, um enorme sucesso na tela e em disco. Não foi, aliás, a primeira sound track de Stevie: 4 anos antes havia produzido uma extensa trilha para o documentário "The Secret Life of the Plants", que virou álbum duplo, sucesso de vendas - mas o filme nunca chegou ao Brasil. Apesar de produzir a música para "The Woman In Red" e, em 1983, ter feito "Original Musiquarium", há cinco anos, Stevie trabalhava num projeto especial. Bilionário da música, golden boy da Motown, tranqüilo - casado com Syreeta Wright (também cantora) há 15 anos, Stevie trabalha lentamente e com carta branca. Por isto se demora nos projetos (a trilha de "Secret Life..." levou três anos para ficar concluída). Mas a demora compensa: "In Square Circle", seu novo álbum, é magnífico. Consciente politicamente, - foi ele quem comandou o movimento para que a data de nascimento de Martin Luther King (15/janeiro) virasse feriado nacional nos Estados Unidos - Wonder se preocupa hoje com o apartheid na África do Sul. No ano passado, ao receber o Oscar, ofereceu o prêmio ao líder negro Nelson Mandela, preso há 23 anos na África do Sul. Por isso, "Its Wrong" (Apartheid) é uma das faixas mais significativas deste novo lp. Como lembrou Alberto Villas ("O Estado de São Paulo", 17/11/85), é mais um grito de alerta contra a política racista do governo branco de Pieter Botha. Um empolgante funk afro-rock cantado em inglês e em dialeto xhosa por um grupo de africanos. As dez faixas reunidas neste "In Square Circle" mostra um artista em apogeu de criação: uma vanguardista "Stranger on the Shore of Love", os toques de rock em "Spiritual Walkers", o romantismo em "I Love You Too Much" e "Part-Time Lover".
Enviar novo comentário