Trilhas Sonoras
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de abril de 1980
Antecipando a estréia dos filmes no Brasil - e quase que simultaneamente ao lançamento nos Estados Unidos - duas trilhas sonoras indispensáveis - "The Rose" e "10", um trabalho documental sobre um filme-marco da década ("Apocalypse"), afora uma nova ópera-rock do the Who ("Quadrophenia") e, em compacto duplo, os três principais temas de "Bye Bye Brasil", oferecem novas - e ótimas - opções aos que se interessam pela música de cinema.
Candidato a várias categorias do Oscar, prêmio máximo da indústria cinematográfica americana, "Apocalypse Now" teve sua trilha sonora tão trabalhada quanto o próprio filme. O diretor Francis Ford, com seu pai, o compositor Carmine (que, há 5 anos, dividiu com o falecido Nino Rotta, o Oscar por "O Poderoso Chefão - II Parte") participou diretamente da realização de toda a banda que marca os momentos desta superprodução que levou mais de 3 anos para ser concluída. O trabalho de sua montagem foi desenvolvido muito graças ao produtor David Robinson, 38 anos, americano de Brooklyn, cuja carreira dentro da história do show business é bem ampla, com experiências em shows em off-Broadway, trabalhos na CBS até chegar a David Robinson and Friends, por onde trabalham desde a Ponter Sistes até Herbie Hancock. Os trabalhos da trilha sonora de "Apocalypse Now" se estenderam de outubro de 1976 até meados do ano passado, pois Coppola influir diretamente, buscando sempre o som exato para a [seqüência] desejada. Entre os muitos talentos convocados para a produção da música e ruídos tão ligados a nós. O resultado é um álbum duplo, que a WEA distribuiu no Brasil quando o filme já estava em exibição, mas que apesar disto continua a vender bem.
Se "Apocalypse Now", previsto inicialmente para o suplemento de dezembro/79, atrasou, com relação às trilhas de "10" e "The Rose", houve uma salutar antecipação à estréia destas produções. Dirigido por Black Edwards, para quem Henry Mancini fez os mais felizes trabalhos de sua carreira de compositor do cinema ("Bonequinha de Luxo", "Escravas do Medo", "Vício Maldito", a série de TV "Peter Gunn", afora a série "A Pantera Cor de Rosa"), resultando inclusive alguns Oscars.
Todas estas trilhas - como os discos de Mancini, tem saído sempre pela RCA, que aliás há muito deveria reeditar um álbum triplo, onde o maestro conduzindo uma orquestra apresenta as canções premiadas com o Oscar. Entretanto no caso de "10", o elepê saiu pela WEA e vem se acrescentar, como volume indispensável, a quem curte a música de Mancini, "10" versa sobre um triângulo amoroso com dados homossexuais, vividos por Dudley Moore, Julie Andrew e a nova superstar, Bo Derek, mulher do ex-ator John Derek (8também ex-marido de Ursula [Andrews]), que apareceu nua nas páginas de "Play-boy" de março/80.
Como sempre, uma trilha de Mancini é algo emocionante e no caso de "10" abre com Don't Call It Love", onde é solista ao piano. Segue com "He Pleases Kme", onde o vocal de Julie Andrews (presente em outros trabalhos que uniram os talentos de Edwards/Mancini) mostra sua cancha, enquanto em "Keyboard Harmony", Mancini junta seus talentos aos de dois grandes tecladistas., Larry Muhoberac (clavinete) e John Berkman (piano fender). Uma das características de Mancini é trabalhar (bem) com vocais e isto temos em "it Easy To Say", enquanto "Something for Jenny" nos lembra o Mancini dos anos 60, com um solo do flautista Ethmer Rohten. Já no lado B, "Get It On" tem os metais de Ray Pizzi (sax soprano) e Bill Watrous (trombone), além do clavinete de Muhoberac. "It Easy to Say" traz um belíssimo dueto de Julie Andrews com o astro do filme. Dudley Moore, e o toque de humor de "The Hot Sand Mexican Band" introduz "I Have na Ear for Lover". Mais uma vez "It's easy to say", agora em solo de piano de Duddley Moore e, para encerrar, um fantástico arranjo de Mancini para o bolero de Ravel. Em síntese, uma mostra de que o tempo passa, mas o mestre Mancini continua cada vez mais competente.
Também com várias "nominations" ao Oscar, "The Rose", de Mark Rydell - cineasta que em 12 anos de carreira tem filmes como "Apenas Uma Mulher", "Os Rebeldes", "Os Cowboys" e "Licença de Amar Até a Meia-Noite" (este com uma trilha antológica de Paul Willians, onde se destacava o tema na harmônica de Thoots Thielemans), é a consagração nas telas de Bette Midler. A extraordinária "Miss B", como é já conhecida, Bette Midler contracena com Alan Bates neste filme fotografado pelo competentíssimo Vilmos Zsigmond em 1971. Bette já era capa dos "Newsweek" e quatro lps após a sua estréia em "The Divine Miss B" (72), esteve algum tempo afastada mas se preparando para uma grande volta via cinema. Em termos de cinema, no modesto "Hawaii" (66, de George Roy Hill) fazia uma pequena ponta, como esposa de um missionário. Em teatro, apareceu em produções off Broadway, até chegar a night-clubes famosos de New York. Mas é "The Rose" que a consagra internacionalmente: o roteiro de Bill Kerb inspirou-se na carreira de Janis Joplin (1943-1970), a cantora de blues vítima das drogas. Portanto a trilha do filme é da pesada, com a música hard que marcou a fase de maior êxito de Janis, além de no lp terem sido incluídos também trechos mais significativos dos diálogos. Mas a semelhança entre os estilos de Bette e Janis termina no roteiro. Na verdade as vozes são bem diferentes, embora a qualidade e emoção aproximam as duas artistas. E nem as músicas são do repertório de Janis, o que faz de "The Rose" mais do que uma simples cinebiografia, mas "um discurso sobre a solidão dos ídolos". "The Rose" é uma jovem cantora angustiada pela confrontação entre seu lado autodestrutivo (bebida, drogas) e sua vontade espantosa de ser feliz. Drama que a identifica com tantas artistas contemporâneas. Há momentos fortes como "Whose Side Are You" (Kenny Hophins/Charly Williians), que abre o filme, "Midnight in Memphis" (Tony Johnson) ou, especialmente, "Love me With a Feeling", Há alguns meses, quando os jornais noticiavam a tragédia ocorrida em Ohio, onde, durante um show do grupo The Who, morreram 11 pessoas, a Polygram lançava a trilha sonora, em álbum duplo, do filme ironicamente intitulado "The Boys Arre All right". Agora, temos também em álbum duplo (Polydor/Polygram, 2625037), a trilha sonora de "Quadriphenia", novo trabalho deste grupo formado há 16 anos, do encontro de Pete Townshend, guitarra; Roger Daltrey, vocais: John Entwistle, baixo e Keith Moon, bateria - este falecido há algum tempo, vítima das drogas. Ao lado dos hoje desfeitos Beatles e Rolling Stones. The Who está entre os grupos que mais influíram na música pop da década de 60/70. A ópera-rock "Tommy", após suas encenações nos teatros americanos e europeus, transformou-se em um dos mais feéricos filmes de Ken Russell, com uma constelação de superstars do mundo pop. Agora "Quadrophenia", vem como - a julgar pelas informações da Polygram - "retrato dos modos, e por extensão da personalidade que divide e caracteriza o ser humano atual". A direção do filme - já em exibição nos EUA - é de um novo cineasta, Franc Roddam, com roteiro em que trabalhou junto a Dave Humphries e Martin Stellman. Como os fãs do The Who são inúmeros, o que vai influir são as músicas. A exemplo de "Tommy", "Quadrophenia" recria a obra original, mas as músicas têm vida própria, independente tanto do filme quando da primeira gravação. Assim, sucedem-se temas como 2i Am The Sea", "The Real Me", "Four Faces" e "The Bunk And The Godfather". Numa das faces, The Who homenageiam outros grupos ou intérpretes, como James Brown ("Night Train"), The Kingsman ("Louie Louie"), Booker T. & The M.G.'s ("Green Onions"), The Cascades ("Rhythm By"), The Chrystals ("Da Doo Ron Roon").
Quando se tem às mãos tantas trilhas sonoras, em lançamentos antecipando inclusive a chegada dos filmes, é de se lamentar a inexpressividade dos registros das belas bandas que tem marcado alguns filmes nacionais. Compositores como Edu Lobo, Francis Hime, Guto Graça Mello, entre outros, que estudaram a técnica de música para o cinema ao Brasil, mesmo produzindo excelentes trilhas para filmes, peças de televisão ou "casos especiais" da Globo (caso de Edu), tem tido este trabalho perdido. Mesmo as músicas de um gênio como Antônio Carlos Jobim, para filmes como "Porto das Caixas" (63) ou "Crônica da Casa Assassinada"" (70), tem [saído] apenas fragmentadas. "Dona Flor e Seus Dois Maridos", até agora o filme nacional de maior renda, mesmo impulsionada com a canção "O Que Será" (Chico/Milton), na voz de Simone, não teve sua trilha sonora editada em elepê. O mesmo ocorre agora com "Bye Bye Brasil", 79, de Cacá Diegues - o melhor filme nacional dos últimos anos. Além das músicas próprias ao filme - "Bye Bye Brasil" (Menescal/Chico Buarque) e "Tema de Um Sanfoneiro" (Dominguinhos/Guadalupe), a banda sonora deste filme que é um retrato sincero, profundo, do Brasil-80, reunindo desde o som puro das bandas de pífaros até o som discothèque, poderia motivar todo um elepe.
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