Um Carnaval com pouca música (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de fevereiro de 1985
Até há alguns anos, era possível, nas semanas que antecediam o Carnaval, dedicar os espaços de abertura de nossas colunas para comentar as letras das marchinhas e sambas que surgiam para a festa de Momo. Os grossos volumes das sociedades arrecadadoras traziam dezenas - algumas vezes até centenas - de composições para o Carnaval. Nos últimos anos, a produção foi diminuindo, diminuindo, até ao ponto em que hoje os chamados "álbuns carnavalescos" reúnem apenas as composições do passado.
Prova da pobreza musical do Carnaval de 1985 é que duas cantoras mais populares dos anos 40/50 só conseguiram, a duras penas, fazer compactos simples que nem sequer têm sido ouvidos nas rádios da cidade Emilinha Borba com o "Tique da Roberta", lançamento Fermata, satirizando o "fenômeno Roberta Close" e Marlene, que só conseguiu gravar um disco independente, patrocinado pelo seu fã clube, com "É Fogo e Rojão". A RCA, que tem no elepê com os sambas-de-enredo das escolas do primeiro grupo um grande ponto de vendas, também fez mínimas edições - uma delas é o compacto do Sílvio Santos com as marchas "Cabeçada" e "A Mulher do Chacareiro".
Em 1983 a Polygram ainda investiu no gênero. O produtor Roberto Santana realizou dois elepês com nomes populares como Emilinha, Chacrinha, Jorge Goulart, Carlos Imperial, Clovis Bornay e outros e, no ano passado, Jairo Pires da etiqueta Lança, insistiu novamente com dois discos. Os resultados foram tão desanimadores que este ano esta gravadora preferiu não gastar vinil à toa. Como disse a jornalista Rosângela Petta ("Isto É", nas bancas) "Tudo no fundo, é questão de investimento: pra que produzir discos especiais para o Carnaval se, nessa época, as gravadoras podem muito bem contar com algum frevo ou algum samba presente em qualquer LP de estrelão? No final, o lucro é maior: a pessoa compra um LP, se quiser entrar no embalo, espichando as vendas, que eventualmente estariam estagnadas depois do Natal".
O máximo que pode acontecer é apostar em alguma música que tenha chance de aparecer independente da festa: Pepeu Gomes com o frevo "Feliz pro Ano Inteiro" (CBS), com a participação do acordeonista Sivuca ou Moraes Moreira com seu filho, David, 13 anos, em "Papai no Colégio" - enquanto o Trio Elétrico Dodô e Osmar, preferiu uma produção independente com rock-frevo "Dá um Break" e "A Bordo de 85". Uma curiosidade; a dupla Milionário e Zé Rico (de origem paranaense, pois começou sua carreira em Londrina) tenta o forró-carnavalesco com "A Marcha do Zum", gravada na Continental. Aproveitar músicas gravadas anteriormente por bons intérpretes é uma fórmula econômica: "Toque de Malícia", do último lp de Beth Carvalho ("Coração Feliz", RCA) pode ganhar ainda maior divulgação enquanto Simone está tendo catituado seu "Por um dia de Graça" (LP Desejos, CBS). Nas coletâneas, temos Paulinho Boca de Cantor ("Carnaval Já", EMI-Odeon) e "O Carnaval de Gal", da qual a mais popular é uma marchinha que José Maria de Abreu, Francisco Mattoso e Paulo Barbosa compuseram há 39 anos - "Onde Está o Dinheiro" e que, ironicamente, é a mais atual neste Carnaval que pode ser democracia, mas é também - e como! - o da dureza do povo brasileiro.
Onde está o dinheiro/O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu/O gato fugiu, o gato fugiu
O seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o Dinheiro?
Eu vou procurar e hei de encontrar
E com o dinheiro na mão
Eu compro um vagão, eu compro a nação
Eu compro até seu coração
No Norte não está/No Sul estará
Tem gente que sabe e não diz
Está tudo por um triz
E aí está o x
E não se pode ser feliz
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