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Aramis

Uma suave viagem ao mundo interior

"De Veneza Com Amor" (cine Groff, 5 sessões, 2ª semana) é o exemplo daqueles filmes-surpresa. Realizado por um diretor desconhecido, sem nomes famosos no elenco, num lançamento obscuro e com uma única cópia (já bastante danificada) em distribuição no Brasil, se constitui, entretanto, numa obra-prima que, seguramente, estará entre os dez melhores lançamentos do ano. Em São Paulo, o lançamento de "Dimenticare Venezia" aconteceu de forma obscura: com o título de "Encontro Marcado em Veneza" foi programado num cine-poeira de onde saiu uma semana depois. Alguns críticos, entretanto, reclamaram e o filme foi relançado com maior destaque, já então com o título "De Veneza Com Amor". Em Curitiba, estava programado para substituir "De Pai Para Filho" (a sensível autobiografia de Vitorio Gassmann, realizada pelo próprio) no recém-inaugurado Cine Luz. Entretanto, como a cabina de projeção foi instalada de forma errada, aquele novo cinema sofreu interdição que continua há mais de dois meses - num desrespeito, aliás, para com o público curitibano. Assim, "Dimenticare Veneza" chegou no cine Groff e se não fosse o entusiasmo do programador Francisco Alves dos Santos pelo cinema-de-arte, esta obra excelente não passaria de uma semana. Felizmente, continuará em projeção e é uma oportunidade do público interessado no melhor cinema em conhecer um dos filmes mais belos dos últimos anos. xxx "De Veneza Com Amor" é um filme de sentimentos. Uma viagem ao interior dos personagens, na busca do tempo (e espaços) perdidos no território lindo e nostálgico da infância e juventude. Nisto ele se aproxima de outra obra-prima italiana - "Quarteto Basileus" (Itália, 1980, de Fábio Carpi), que também chegou modestamente no mesmo cine Groff, no ano passado e ficou, com toda razão, entre os melhores de 1984. Em "Quarteto Basileus" era a chegada de um jovem violinista, para substituir ao músico falecido, que provocava reflexões em três velhos músicos - unidos há décadas por um trabalho artístico que os tinha cristalizado em suas emoções. Em "Dimenticare Venezia", é a visita de Nicky (Erland Josephson) e seu amigo Picchio/Sandro (David Pontremoli) a sua irmã, Marta (Hella petri), numa velha casa nas proximidades de Veneza, que possibilita que se envolvam sentimentos e memórias. Da melhor maneira de Alain Resnais, as imagens do passado e presente se completam num exercício memoralístico em que os personagens se integram num certo amargor da velhice com os sonhos e encontros da infância e adolescência. As relações entre os cinco personagens - os irmãos Nicky e Marta - ela uma ex-cantora de ópera, famosa em sua época - o jovem Picchio: Cláudia (Eleonora Giorgi), frágil e tímida e Anna (Mariangela Melato), dominadora e amarga, compõe um painel familiar, sem maniqueísmos morais/ sexuais, mas extremamente sincero e de uma empatia imediata. Franco Brusati, o diretor, conseguiu captar todo um clima suavemente pastoral, colocando seus personagens num ambiente aperto, compondo cenas que chegam a lembrar Fellini - como o jantar no restaurante ao ar livre, na qual a noiva grávida (Anne Caudry) e sua família se aproximam dos personagens centrais. Mas há também toque de outros clássicos [italianos] - como "Aquele Que Sabe Viver" (Il Sorpasso, 62, de Dino Risi) - na relação jovem (Sandro) e homem maduro (Nicky), ou, na reflexão sobre a velhice, lembrando "Os Dias São Numerados" (I Giorni Contati, 62, de Elio Petri). Mas, em que pese as aproximações que possam ocorrer, "Dimenticare Venezia" é extremamente suave e poético, ao tratar da passagem do tempo, dos conflitos entre a maturidade e a juventude - e Veneza (que não chega a ser cenário do filme, apenas uma viagem prevista) é, em seu "esquecimento", o próprio significado dos sonhos que passaram. "De Veneza Com Amor" é o exemplar filme-de-arte realizado com extrema simplicidade, poucos intérpretes, cenários naturais (belíssimamente captados na fotografia em cores de Romano Albani) que transmitem a universalidade do cinema-emoção. Não foi sem razão que este filme concorreu em 19979 ao Oscar de melhor produção estrangeira (perdeu para "O Tambor", de Volker Schlondorff) e, lançado em Paris, a 24 de dezembro de 1980, teve boa recepção da crítica. Muito se pode dizer sobre "Dimenticare Venezia". Entretanto, basta uma indicação: é uma obra-prima de sensibilidade, de visão indispensável a quem sabe buscar o cinema de emoções humanas e eternas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
10/10/1985

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