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Aramis

As várias formas de entender melhor este "Gringo Velho"

Das várias leituras visuais que cabem a "Gringo Velho" (Cine Astor), uma grande parte da crítica preferiu a da cobrança ideológica - e com isto o tratamento que esta produção lançada nacionalmente no Brasil antes mesmo de entrar no circuito americano (o que acontecerá no próximo dia 6 de outubro) tem sido dos mais cruéis. Mesmo admitindo que a associação de uma superstar-produtora como Jane Fonda a um argentino politicamente consciente (Luiz Puenzo, Oscar-86 pelo filme estrangeiro, "A História Oficial") para uma (re)visão de um aspecto da Revolução Mexicana, com base num romance de Carlos Fuentes, possa não ter resultado na obra completa, profunda e definitiva que se esperaria, "Old Gringo" está longe de ser um mau filme. Ao contrário, dentro da (fraquíssima) safra cinematográfica de 1989 é obra de sensibilidade, vigor e méritos - inclusive para merecer indicações ao Oscar-90. É só saber ver, sem preconceitos, sem maniqueísmos - e, especialmente, sem comparações a obra anterior de Jane ou Puenzo. Isto porque embora sendo apenas atriz-produtora, Jane Fonda, 51 anos, é, há muito, uma atriz-griffe de filmes que, corajosamente, tem tocado em questões delicadas e sensíveis, como a guerra do Vietnã ("Amargo Retorno"), e os riscos das usinas atômicas ("A Síndrome da China"). Puenzo, 43 anos, com a formação estética de cinema publicitário e com apenas um longa chegado ao mercado internacional ("La Historia Oficial", 1984/86), ganhou uma notoriedade de cineasta político, que, como ele próprio nos afirmou, o desagrada: "Fazer filmes de envolvimento político é um comprometimento que não pode tolher a criatividade de um cineasta". Assim, esta visão preconceituosa (ou de demasiada expectativa) em relação a "Gringo Velho" - que ganhou uma das mais generosas coberturas da imprensa pela vinda, há um mês, de Jane e Puenzo a São Paulo-Rio, provocou que, pretensiosamente, a faixa mais intelectualizada (ou politizada) esteja deixando de ter subleituras bem mais interessantes em torno do filme. Embora não despreze em nenhum momento o sentido político da revolução mexicana - uma temática fascinante e que de Eiseinstein ("Que Viva México", 1931 - mas só finalizado e lançado há dez anos) a "Viva Zapata" (1952, de Elia Kazan) - para ficar apenas em dois exemplos maiores - tem merecido os mais diferentes tratamentos. Assim como a própria cultura de uma sociedade tão forte como a mexicana, ironicamente subdesenvolvida ao lado de seu vizinho (e explorador) Estados Unidos, oferece elementos para profundos mergulhos, também (e especialmente) a sua (r)evolução sócio-política - na relação povo-militares-poder-corrupção - tem aspectos que a mantém atual numa história ambientada no início do século. Justamente por encontrar no romance de Carlos Fuentes, em que fundiu personagens reais (o jornalista Ambrose Bierce, o general Pancho Villa) a ficção (a solteirona Harriet Winslow, o general Tomas Arroyo), elementos fascinantes, fez com que Jane Fonda se empenhasse nesta cara (US$ 25 milhões) produção, escolhida para encerrar o último festival de Cannes, mas cuja carreira comercial nos Estados Unidos é uma incógnita. "Gringo Velho" é, antes do filme político-revolucionário, de posições críticas-ideológicas, uma obra sobre seres humanos e nesta perspectiva, é que ganha maior dimensão. O triângulo formado por um velho e desiludido jornalista, Bierce, que, aos 73 anos, cansado de "contribuir para que Hearst fique rico e poderoso com seus textos", decide se unir às tropas de Villa no México - em relação a uma solteirona, Harriet Winslow - que cansada da farsa de ocultar um pai-herói que na verdade apenas não voltou da guerra por não desejar mais enfrentar a megera doméstica (Anne Pitoniak) e um revolucionário mexicano, Arroyo, que mergulha numa profunda crise de identidade, ao voltar com o poder das armas, a fazenda pertencente ao seu pai natural - (que assassinou aos 17 anos) - oferecem um painel para reflexões. Se nos primeiros 20 minutos há uma ação intensa (após a chegada de Harriet a Chihuahua e a posterior luta pela tomada da fazenda dos Mirandas, na sangrenta luta contra os "federales"), o roteiro desenvolve-se, posteriormente, na introspecção dos personagens - paralelamente a (re)descoberta que Harriet, vinda de uma alienação burguesa-urbana, faz de outros valores - as prostitutas acompanham os revolucionários mexicanos, a dimensão humana de Bierce - que por ela sente renascer um amor que julgava desaparecido em sua capacidade de relacionamento (e que ela transforma numa relação edipiana) e, principalmente, a sua paixão pelo "macho" latino, o general Arroyo - que de brutal revolucionário conquista como fêmea - numa analogia que lembra uma relação semelhante estabelecida num dos mais belos filmes de Emílio Fernandez (1904-1986) - cineasta mexicano que realizou uma extensa obra em torno da revolução mexicana - em "Do Ódio Nasce o Amor" (1950, com a americana Paulette Goddard). A loucura e o poder que faz Arroyo transforma-se de um revolucionário do povo em sua "porção Miranda" (como lhe diz Harriet num dos diálogos chaves do filme) é um dos pontos culminantes na forma que Luiz Puenzo e Aida Bortnik adaptaram o romance de Fuentes. E justamente, neste ângulo é que se deve procurar ver o lado humano dos personagens, que em sua rudeza e contato com o lado amargo da vida não perdem a ternura. Numa das mais belas seqüências, Bierce diz a Harriet que passou 50 anos, todos os dias, escrevendo para jornais - e o que desejava mesmo era poder ter feito "um grande poema de amor". Só este momento dá uma dimensão da forma afetuosa com que Fuentes colocou o (real) Bierce em seu livro - e a simpatia com que o personagem chegou ao filme - numa interpretação maravilhosa de Gregory Peck. Jane Fonda, assumidamente sem maquiagem, mostrando a idade, tem atuação admirável, com sensibilidade em todos os poros, enquanto Jimmy Smith, embora já tenha aparecido em filmes como "Corrida Silenciosa" e "Adoradores do Diabo", tem aqui a sua chance maior como o general Arroyo. No elenco de suporte, breves mas importantíssimas aparições de Jenny Gago como a prostituta La Garduna e a bela Gabriela Roel como La Luna - sem falar na entrada final de Pancho Vila, interpretado por Pedro Armendariz Júnior. Fotografia de Félix Monti, colaborador habitual de Puenzo e que fez as magníficas imagens de "Tangos - O Exílio de Gardel" e "El Sur", de Fernando Solanas, inspirado nas pinturas de Frederic Remington (1861-1909) compõe imagens belíssimas. Lee Holdridge, na trilha sonora, faz um trabalho de maioridade - ele que vem já há tempos criando scores para filmes de menor quilate ("Oliver's Story", "Do Outro Lado da Montanha") e séries para a televisão. Um filme para ser visto e saboreado em sua dimensão - e não daquilo que se queria em termos políticos - "Gringo Velho" merece ser visto nestes dois últimos dias em que permanece em exibição.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
12/09/1989

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