Adolfo e a gravação independente
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de novembro de 1980
Dois fatos farão com que o assunto "gravação alternativa" fique na ordem do dia a partir de amanhã. Em primeiro lugar, a presença do pianista e compositor Antônio Adolfo, que divide a "Parceria" desta segunda-feira, no Paiol, com o jornalista Marcos Faermann, ex-editor do "Versus" e autor de "Mãos Sujas de Sangue". Antônio Adolfo (Maurity Saboia), 33 anos, 19 de carreira, é uma espécie de pioneiro da produção fonográfica independente, hoje com mais de cinqüenta exemplos relativamente bem sucedidos. E que teve a Boca Livre (dias 21 e 22 apresentações no Guairão), uma confirmação das possibilidades dos próprios artistas se autoproduzirem: o primeiro elepe do grupo vendeu mais de cem mil cópias e o segundo, "Bicicleta", que está sendo agora lançado, já saiu com 40 mil cópias colocadas.
Antônio Adolfo não chega a ser o primeiro artista a produzir seu próprio disco, pois desde a primeira década do século que o sistema da "gravação particular" existe. Mas o mérito de Adolfo foi o de, com humildade e disposição, sair Brasil afora, divulgando é vendendo seu primeiro lp alternativo ("Feito em Casa", 1977), que conseguiu vender o suficiente para dar "Continuidade" (título de seu último disco) em três outros elepes. As sementes que plantou floresceram, de tal forma que já em maio do ano passado organizado pela Secretaria da Cultura, através do Museu da Imagem e do Som, aqui se realizava o I Encontro da Produção Cultural Alternativa MPB, discutindo os problemas e perspectivas dos compositores, instrumentistas, vocalistas e conjuntos fazerem seus próprios discos. Hoje já há mais de 50 elepes independentes, número que cresce cada vez mais não apenas com novos artistas, ainda em busca de seu espaço no mercado - mas mesmo nomes consagrados, como Paulinho Nogueira e Marisa Gata Mansa que, após anos ligados a gravadoras preferiram fazer seus discos independentemente. Antônio Adolfo, hoje um dos coordenadores nacional do movimento que passa a ter na Cooperativa dos Músicos do Rio de Janeiro uma central para distribuição/divulgação, terá, por certo, muitas coisas interessantes a falar no encontro de amanhã, inclusive transmitindo informações aos artistas da terra que, a exemplo de Paulinho Vitola/Marinho galera (que fizeram "Onze Cantos", 1979, o melhor disco já produzido por paranaenses) também querem partir para este esquema. Reinaldinho, do SIR, vem montando seu elepe, com muito esmero, enquanto as Nymphas, no bem instalado Audisom, com orientação do Roger Camargo, fizeram um compacto de alto nível espécie de "aperitivo" do elepe que planejam para o próximo ano.
Integrado por José Renato (primogênito de Simão de Montalverde, assessor de comunicação do grupo Banestado), David Tygel e Maurício Maestro (ex-Momento "4" quatro) mais Lourenço Baeta (que substituiu a Cláudio Nucci), o Boca Livre é um caso (raro) de grupo vocal que conseguiu atingir uma posição especial em pouco mais de dois anos de existência. Surgindo como "Cantares", o quarteto atingiu uma expressiva faixa de público e hoje ocupa uma liderança entre os novos conjuntos brasileiros. Também instrumentistas buscam as possibilidades da gravação alternativa, como o paulista Guilherme Vergueiro, 27 anos, filho do veterano ator e radialista Carlos Vergueiro (diretor da Rádio Eldorado, SP) e irmão caçula do cantor-compositor Carlinhos. De volta de Nova Iorque, onde residiu por 5 anos, Guilherme completou a gravação de um disco independente ("Naturalmente"), que, na semana passada, promoveu em Curitiba. Compositor dos mais inspirados, ao menos um dos temas deste elepe tem condições de se tornar dos mais programados:
"Samba do Brilho". Já o violonista carioca (Ronaldo Leite de Freitas, 25 anos), acompanhado do grupo Devas, em "Mistérios da Amazônia", também produção independente, apresenta um trabalho de fôlego, ocupando a suite-título, com 17 minutos, todo o lado A . "Carioca" executa violão (6 e 12 cordas), bandolim e citara nordestina, amparando-se em Sérgio Otapezetra (percussão/voz) e Fernando (flauta e piano) e mais participações especiais de vários amigos, para um trabalho entre o experimental e o erudito, que revela um compositor de muita garra.
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