Adriana, retrato da artista ainda jovem
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de novembro de 1991
Quase três anos de uma carreira nacional ainda não foram suficientes para acabar com a timidez de seus tempos de colegial. Uma timidez tão grande que, à primeira vista, pode passar a imagem de (mais) uma estrela afetada pelo sucesso rápido e que se esconde atrás de longos silêncios, respostas quase monossilábicas e um pavor de enfrentar o público que não seja aquele que está na platéia, na hora de sua apresentação.
Vencida, entretanto, esta resistência, revela-se uma mulher extremamente suave, tranqüila, raciocínio claro e que gosta de expor sinceramente suas idéias. Mas não se espere esta personalidade rapidamente, digamos, numa rápida coletiva - que só aceita como necessidade profissional. O que prefere, mesmo, é o isolamento, dedilhar ao violão ou mergulhar na leitura de muitos livros que sempre carrega em suas viagens - hoje cada vez mais intensa e que a deixam com mínimo tempo para curtir seu confortável apartamento na Rua Nascimento Silva, em Ipanema - "aquela mesma que Vinícius já falava na cartinha ao Tom", lembra.
Mais do que uma superstar produzida nos laboratórios da mídia artística-jornalística para disputar um mercado voraz com uma dúzia de outras cantoras, a gaúcha Adriana Calcanhoto ainda conserva aquele ar um tanto entre o assustado e o perplexo quando, há 6 anos, quase uma adolescente, era aplaudida na "Tigela de Barro", um dos primeiros restaurantes de Porto Alegre, com música ao vivo, onde fez apresentações semi-profissionais. Foi ali - e em algumas outras casas, cujos nomes nem chega a lembrar - que começou a entusiasmar quem tinha ouvidos para perceber seu tom de voz, sua extrema versatilidade e sobretudo uma personalidade que a fazia fugir da síndrome de Elis Regina - fantasma musical que, direta ou indiretamente, marca toda nova cantora. Ainda mais sendo jovem, bonita e gaúcha.
Foi a atriz Bethy Erthal, numa temporada em Porto Alegre, jantando na "Tigela de Barro", que a ouviu e também se entusiasmou com sua voz, insistindo em levar uma fita, gravada domesticamente, em que desfilava um repertório diversificado, suficiente entretanto para merecer outras atenções importantes. Entre elas Maria Lúcia Dahl, atriz, escritora e que viria a ser o Pigmaleão da história. A loira e sensual atriz de "O Bravo Guerreiro" (entre outros 30 filmes), também cronista inspirada, três livros publicados (o mais recente, "Além da Arrebentação", recém lançado pela Rio Fundo Editora), não teve dúvidas: decidiu conferir ao vivo a voz da gauchinha que tanto a havia impressionado e na primeira oportunidade que teve em voar a Porto Alegre foi aplaudir Adriana. Empatia total. Uma amizade que faria com que a gauchinha fizesse as malas, dissesse bye bye para os pais - Carlos, baterista e Morgada, bailarina em sua juventude - viajando para a cidade grande.
- "Cheguei ao Rio de Janeiro em 13 de fevereiro de 1989, sem maiores conhecimentos ou planos. Havia estado na cidade maravilhosa apenas como turista, mas agora a situação era outra", recorda.
Mulher das mais relacionadas entre o "beautiful people", com grandes ligações na imprensa - afinal, desde 1983 escreve crônicas no "Jornal do Brasil", o aval de Maria Lúcia Dahl criou expectativa em torno da cantora que vinha do Sul. Nelsinho Motta, há algum tempo, já vinha produzindo outra cantora de notáveis esperanças - a carioca Marisa Monte, e Adriana, com seu corpo franzino, cabelos loiros ao qual deu um corte à "Blade Runner"- surgia como uma opção ideal para entrar na arena musical. Assim, aquilo que deveria ser apenas uma apresentação informal no "Mistura Fina", transformou-se numa temporada de 5 semanas, com casas lotadas.
O resto da história é conhecido: a imprensa a elegeu a nova musa musical, convites para gravar começaram a pintar, mas, inteligentemente, Adriana não se apressou. Afinal, além de conselhos da fada madrinha Maria Lúcia, a estas alturas já estava ao seu lado uma amiga desde os tempos de escola primária no bairro de Petrópolis, em Porto Alegre - Celina Cunha, dois anos mais velha, que se revelaria uma tigresa na administração de sua carreira. Celina é quem cuida de tudo que se relaciona a Adriana. Dos gastos pessoais aos contratos mais difíceis, sua palavra é definitiva - sobrando assim mais tempo para que a artista possa ficar com o violão, suas poesias, suas canções.
Aos 26 anos - nasceu a 3 de outubro - "o dia das eleições, embora política não faça muito minha cabeça" - Adriana reconhece que tem muito para ouvir, aprender e escutar. Por isto o seu tempo é bem administrado.
Entre as paixões confessáveis, está a pelas artes plásticas. Uma admiração intensa por quem consegue passar para a tela ou o papel branco cores de emoção - e que a levariam a procurar Lígia Papp, uma das artistas plásticas mais importantes da geração dos anos 60, "que não conhecia pessoalmente mas admirava há muito tempo".
- "Telefonei, marcamos um encontro e, como resultado, ela acabou minha amiga e topando fazer o cenário para o meu show".
Outra admiração é pelo pintor Iberê Camargo, gaúcho como ela, homenageado com uma canção - "Tons" - uma das inéditas que fazem parte do espetáculo que sábado, em estréia nacional, apresenta no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Aliás, a escolha de Curitiba para começar o roteiro de um novo espetáculo, prende-se ao bom astral da empresária Verinha Walflor: há 7 meses, em 3 de maio, Adriana apresentou-se no mesmo auditório, em promoção tão bem administrada por Verinha, que na mesma noite nasceu a sua disposição de retornar ao Guaíra, com um novo espetáculo - igualmente no esquema de violão e voz.
Adriana é daquelas pessoas que se mantém fiéis aos amigos dos tempos anônimos. Assim é que, ao assumir qualquer compromisso, impõe como condição básica a participação da iluminadora Marga Ferreira e do operador de som Renato Auscher, que continuam com residência em Porto Alegre mas acompanhando-a Brasil afora.
- "Sem a Marga fazendo a luz e o Renato no comando do som, a Adriana se sente nua no palco", diz Celina, justificando que mesmo com o custo da produção aumentado, ela não dispensa sua equipe.
Apesar de uma agenda carregada de shows e o bom contrato com a Sony - Adriana está longe de ser uma artista rica. Uma despesa fixa mensal acima dos Cr$ 2,5 milhões e a consciência de que "faturar na base de qualquer proposta é suicídio", Celina recusa propostas que "não contenham o mínimo de dignidade artística ou seja espaços que não estejam de acordo com o estilo de Adriana".
- "Por exemplo, fazer shows em feiras e exposições de gado, como já nos propuseram, nem pensar. Nem mesmo se a proposta for suficiente para comprar um apartamento na Vieira Souto".
Adriana - que mora em apartamento alugado - sorri e acrescenta:
- "... bem, se fosse para tanto, até que daria para pensar!".
Um primeiro disco que entrou na lista dos melhores do ano passado e vendeu muito bem, um vídeo dirigido por Zelito Viana - lançado também pela Sony e com boa procura, estão na praça. Quem for sábado ao Guaíra (ingressos a Cr$ 6 mil e Cr$ 7 mil até amanhã, aumentando em mais Cr$ 1 mil no dia do show), conhecerá pelo menos seis das novas composições de Adriana, que entrarão em seu segundo álbum, a ser gravado somente no segundo trimestre de 1992.
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