Ana Carolina vai até ao fundo do poço para exorcizar seus diabos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de novembro de 1987
Rio de Janeiro - Após assistir os sete primeiros filmes em competição (de um total de 22, que vão sendo apresentados, três por dia, até a próxima sexta-feira), Pola Vartuck, de "O Estado de São Paulo", uma das mais respeitadas críticas de cinema do Brasil, dizia:
- Até agora o único filme com uma forte dose de criatividade foi o de Ana Carolina.
Polêmico, hermético, poético, fantasioso, neurótico - muitas adjetivações se aplicam a "Sonho de Valsa", que teve aqui, sábado, suas primeiras mostras públicas. Conforme contamos (coluna "Tablóide", O ESTADO DO PARANÁ, dia 18/11/87), embora pronto há cinco meses, "Sonho de "Valsa" não teve nenhuma exibição anterior. Previsto para ir aos festivais de Gramado e Brasília foi cancelado na última hora. Agora, finalmente, o filme foi visto e está sendo discutido - o que bem ou mal ajudará sua carreira comercial, já com lançamento comercial marcado para as próximas semanas. Completando a trilogia iniciada há 10 anos, com "Mar de Rosas" e que prosseguiu em 1982 com "Das Tripas Coração", "Sonho de Valsa" é mais um mergulho no inconsciente, nos céus e infernos da mulher - a própria e assumidamente Ana Carolina (Teixeira Soares), 41 anos, uma linda e sensual morena, mas, dizem os que a conhecem bem, tão complexa e sensível como os personagens que coloca nos seus filmes. Ao menos a marca pessoal, a personalidade, uma linha de buscar fazer de cada um de seus filmes reflexões sobre a mulher, a sociedade, a religião e o sexo caracterizam seu trabalho. Não são filmes fáceis - (tanto é que os anteriores não conseguiram sucesso de público) - mas são obras para longas análises, para serem curtidas em discussões e que podem fazer as delícias dos psicólogos e psiquiatras de botequins, buscando entender os signos e propostas de cada imagem.
No curto espaço de um despacho jornalístico, feito entre tantos filmes que atordoam a capacidade de análise mesmo dos mais experientes críticos e jornalistas especializados na área cinematográfica, é prematuro e arriscado tentar qualquer interpretação mais definitiva sobre um filme como "Sonho de Valsa". Pode-se discutir as interpretações de Xuxa Lopes - no papel central, uma personagem fascinante, para dar condição a uma boa atriz vencer em qualquer festival de cinema; da estréia como ator de Ney Matogrosso (que, pessoalmente, achamos fraca) ou do veterano Arduino Colassanti - sem falar nos outros e ainda pouco conhecidos atores (Daniel Dantas, Paulo Reis) que Ana Carolina foi buscar para este filme de elenco reduzido, uma linguagem fragmentada e totalmente onírica e fantasiosa - mas residindo justamente nesta abertura a possibilidade do filme ter múltiplas leituras. Não é sem razão que a eficiente assessora de imprensa de Ana Carolina, a atuante Rose de Carvalho preparou um robusto release com uma profunda entrevista da cineasta, explicando seu cinema tão pessoal, que ela mesmo considera - em sua trilogia agora completada - como "minha chave para a psicanálise brasileira".
- Vale dizer que eu já vivi o meu processo analítico. Agora, na minha vida profissional a coisa é assim: o cinema é a minha psicanálise, no sentido do exercício do ser, de compreender. Não dava para seguir outro caminho".
Ana Carolina diz mais - o que pode sempre ajudar a entender seu cinema tão pessoal:
- Até para ser um bom cineasta, que era o que eu mais desejava na vida, é preciso um auto-conhecimento muito elaborado. Um auto-conhecimento que pode vir do seu trabalho, das suas leituras, das suas conversas, das suas experiências humanas. Mas, qualquer que seja a origem desse conhecimento, você precisa estar muito consciente dele, do contrário nunca será um bom contador de história, não conseguirá materializar suas imagens com facilidade. E, o dever do criador; é devastar sempre, a floresta de imagens que o habitam.
LEGENDA FOTO: Imagens dignas de filmes de Buñuel: Teresa (Xuxa Lopes) carrega sua cruz no simbólico filme "Sonho de Valsa", um mergulho na alma feminina.
Enviar novo comentário