As andanças e estórias de um gaúcho bonachão e amigo
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de novembro de 1991
Gaúcho da Lagoa Vermelha - "Chamo-me Ivens Lagoano Pacheco, porque minha mãe achou que eu nascendo em Lagoa Vermelha, precisava usar o nome da terra que me viu dar o primeiro berro e meu umbigo se desligar da placenta" - escreveria no primeiro parágrafo de suas memórias - foi, como milhares de outros filhos dos pampas, um dos homens que mais se integrou na colonização do Norte do Paraná. Com a coragem, desprendimento e generosidade da boa gente do Sul, Ivens deixou estórias, lembranças e amigos - conquistados ao longo de quase meio século em que viveu no Paraná, aqui nascendo seus filhos, Ivens - jornalista, hoje diretor de Operações da Companhia de Desenvolvimento de Curitiba (marido da jornalista Sandra C. Pacheco, da editoria política de "O Estado"), Sandra Maria, economista, e Marcos, professor.
Para quem conheceu e conviveu com Ivens Lagoano, ficou a imagem do grande contador de estórias, de preferência ao longo de um churrasco que ele tão bem sabia preparar - e que levou a "Quero-Quero", inicialmente no bairro do Cabral e, mais tarde, transferindo-se para os fundos da Sociedade Garibaldi.
Ali, ao longo de grandes noitadas, Ivens recordava seus tempos de infância em que passou por várias cidades - São Luiz Gonzaga, Passo Fundo - conheceu os tempos de revolução e grandes "peleias" políticas.
Em 1927, quando servia o Exército, começou a sua carreira de jornalista com o pseudônimo de "Ipê", e escrevendo no "Diário da Manhã", que tinha como editor Múcio de Castro - pai do jornalista Tarso de Castro, recentemente falecido. Como o jornalista já era - como continua sendo - uma profissão que remunera mal - Ivens fez concurso e entrou na polícia em 1937, servindo como delegado em Iraí, depois em Palmeira das Missões, Santo Ângelo, Bagé, Passo Fundo e Porto Alegre.
Envolvendo-se em problemas sérios - quando foi obrigado a atirar num marginal, em legítima defesa, sentiu-se decepcionado com o trabalho policial. Somava-se a isto, perseguições políticas, que o abalaram profundamente, seguindo então o que muitos outros gaúchos já vinham fazendo no final dos anos 30: procurar o Eldorado de Londrina.
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Em Londrina, encontrando na pensão em que se hospedou o gaúcho Alvano David, "um velho simpático, contador de muitas estórias", Ivens acabaria acompanhando o episódio da colonização da gleba de Areia Branca de Tucum, que hoje abriga mais de 20 municípios e que tinha suas divisas com o Rio Paraná.
Ivens, entretanto, procurava um reencontro consigo mesmo e a oportunidade surgiu quando revendo um amigo de juventude no Rio Grande, Vitório do Amaral Cattani (1913-1961), dele recebeu Cr$ 20 mil (antigos), com o qual comprou a posse da Ilha do Mutum, onde "com uma bailarina que havia conhecido num bordel de Londrina, 80 anzóis e um revólver, uma Vinchester, machado e facão, mudei-me" como recorda num dos capítulos mais deliciosos de suas "Memórias de um Bom Sujeito".
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A vida na distante Ilha do Mutum - vivendo como pescador, pegando sucuris à unha e praticamente exilado da civilização - só foi interrompida quando, por influência ainda de Vitório Cattani, decidiu conhecer Maringá, então um distrito de Mandaguari. E, assim, Ivens "voltava a civilização".
- "Cheguei em Maringá encarapitado num caminhão de carga e fui morar na pensão "São Benedito", do Joaquim Mineiro. Não trazia nada. Quem sabe só um pouco de nostalgia do imenso sertão que havia deixado".
Maringá era uma cidade que nascia. "Era luta, peleia mesmo". Chegando em Maringá, Ivens lembrou-se de seus tempos de repórter e procurou o "Maringá Jornal" que Olimpo Prompt publicava com a maior irregularidade - pois era alcoólatra. Ivens recorda o encontro:
- "Disse-lhe de meu desejo de ser redator. Perguntou-me se eu sabia fazer jornal e, diante da resposta afirmativa, deu-me a chave da redação, mandou que preparasse a edição da próxima semana e foi beber. Fui à sub-prefeitura, visitei o delegado, estive no Bar "Central" - espécie de Boca Maldita da época, no cartório, à noite ouvi o repórter Esso da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. No dia seguinte, com todas estas anotações, mais um editorial reclamando contra o prefeito de Mandaguari, preparei o jornal. A circulação aumentou e eu ganhei o emprego".
Na época, Samuel Silveira - pioneiro da radiodifusão no Norte - explorava um serviço de alto-falante local, que depois seria a Rádio Cultura. Ali, Ivens também se revelou como comentarista e cronista, fazendo ainda grandes coberturas. Samuel - cujo império radiofônico cresceria nos anos 60 por todo o Estado - seria um dos sócios (os outros foram Mário Clapier Urbinatti, Helenton Borba Cortes e João Menezes) de Ivens no "Jornal de Maringá", cujo primeiro número circulou em 5 de abril de 1953. O jornal era impresso na Literotécnica, de Orlando Ceccom, em Curitiba, para onde Ivens vinha todas as sextas-feiras, voltando às segundas. Mas logo (1954), comprava um linotipo e passava a imprimir o jornal, cuja sociedade assumiria totalmente em 1958.
Cícero do Amaral Cattani, 51 anos, editor do "Correio de Notícias", filho de Vitório Cattani, recorda o Ivens jornalista:
- "Foi em 1959, no "Jornal de Maringá", que tive meu primeiro emprego como repórter. Ivens não era o dono do jornal: era o repórter, o diagramador, o corretor - o factótum que dava um calor, uma vida especial ao jornal. Com grande visão sabia promover eventos e também lançou a revista "Cartaz", a primeira impressa em off-set no Paraná".
Como jornalista e empresário, Ivens acompanhou toda a evolução de Maringá - desde os seus tempos de distrito de Mandaguari, até a sua elevação a município, em 14 de novembro de 1951. No ano seguinte, havia a primeira eleição - e o folclore político daquela época de grandes e acirradas batalhas entre petebistas, udenistas e pessebistas, ganhou nas páginas do seu jornal um grande tratamento jornalístico.
Nas "Memórias de um Bom Sujeito", Ivens recheia de dados sobre os pioneiros de Maringá - dos primeiros profissionais, o primeiro menino que ali nasceu - Juraci Cordeiro da Silva, hoje engenheiro florestal, em 11 de fevereiro de 1943, e da primeira menina, Ivone, filha do casal João Tenório Cavalcanti, que nasceu a 13 de junho de 1945.
Episódios polêmicos relacionados aos telefonemas automáticos - Maringá foi a primeira cidade do Paraná a ter esta novidade, a "Marcha da Produção" - que uniu os produtores de café contra o Governo Federal, e pequenas estórias estão nos originais de suas "Memórias" - por ele escritas em 1968 e que ficaram inéditas - com exceção do resumo publicado na revista "Panorama" (agosto/1969).
Jornalista que, como ele mesmo dizia, "não tenho o hábito de usar peças mecânicas na espinhas dorsal", Ivens Lagoano Pacheco foi um homem que marcou sua vida e seu trabalho em nosso Estado - e, ao publicar o livro com suas "Memórias", o prefeito Ricardo Bueno estará fazendo um ato de justiça a um grande maringaense e paranaense de coração que, ao concluir o seu livro, na primavera de 1968, dizia: "Estou escrevendo nesta primavera quando o ipê amarelo lá da chácara já deu flores bonitas e transmitiu sua mensagem de euforia".
LEGENDA FOTO - O homem e o seu ambiente: como bom gaúcho, Ivens Lagoano Pacheco adorava preparar um bom churrasco - tanto quanto fazer jornal e amigos que esperam por suas memórias.
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