A blitz do Blindagem com a pureza da rosa
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de janeiro de 1986
Quanto custa para um grupo musical deixar as fronteiras do Estado e tentar um lugar no sol do rock nacional?
Custa muito. Muito mais do que apenas dinheiro. Custa afastar-se da família, do conforto de suas casas, dos amigos e aceitar dividir um kitinete, economizar cada centavo e brigar por qualquer show que apareça. Quem confessa, com comovente sinceridade, a luta que é tentar encontrar um espaço nacional num mercado poluído de grupos buscando aquilo que se classifica, muito vagamente, de "sucesso na área jovem", é Ivo Rodrigues Jr., 36 anos - a serem completados no próximo dia 28 de fevereiro, "músico desde os 5 anos" - como diz, lembrando que, ainda criança, tendo chegado há pouco em Curitiba (nasceu em Porto Alegre, mas seus pais vieram para cá em 1952), era levado no histórico "Clube Mirim M-5", que Aluizio Finzetto comandava na rádio Guairacá, a voz nativa da Terra dos Pinheirais.
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Ivo, 118 quilos, longa cabeleira, é o mais antigo dos integrantes do Blindagem, veterano grupo de rock que novamente está na estrada, tentando uma abertura nacional. Há seis meses, o quinteto se fixou no Rio, alugou (por Cr$ 800 mil) um apartamento no bairro do Botafogo e está tentando, de todas as maneiras, uma sonhada projeção que o faça deixar o limbo de tantos conjuntos de rock e ganhar uma condição especial. O grupo já tem em sua carreira um elepê (Continental, 1981) e três compactos simples - o último, recém-lançado pela Polygram, com produção de Piska, autor de "Operário-Padrão", irônico rock falando de dólar & inflação, que está sendo bem executado em algumas emissoras de Curitiba e agora também começa a aparecer nas FMs cariocas - onde a briga-de-foice pela divulgação fonográfica é de assustar qualquer um que não seja acostumado aos esquemas da Mafia e Cosa Nostra.
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Os integrantes do Blindagem se revezam em suas visitas (rapidíssimas) a Curitiba, para rever os familiares. Ivo Rodrigues Jr., casado, dois filhos, veio passar o Natal e aproveita para fazer algumas apresentações no Pizzaiolo. Somente ao violão (acústico), mostrando sua voz afinada, Ivo revela uma outra face de seu talento geralmente eclipsada pelo aspecto de gordo roqueiro, de gritos e urros no repertório que apresenta. Com uma formação musical e espiritual evangélica - por 5 anos foi interno do Instituto Adventista Paranaense (onde hoje existe a fábrica da Philip Morris, na Cidade Industrial), Ivo cresceu aprendendo a cantar gospels e spirituals em inglês. Isto lhe deu uma grande afinidade ao idioma e o levou, lá pelos meados dos anos 60, a ganhar concursos como intérprete e integrar A Chave, grupo de rock com jovens de muita formação teórica, mas que ao longo de mais de dez anos de tentativas profissionais não passou de um modesto compacto independente. Enquanto Orlando Azevedo, teórico d'A Chave, desistia da música pela lucratividade da fotografia (hoje, um dos profissionais mais caros do setor) e Carlos Guerber de músico passava a crítico pop (além de lugar-tenente do vereador Neivo Beraldim), Ivo e o guitarrista Paulo Teixeira, 36 anos, continuaram na música. Juntos a Paulo Juk, 27 anos, baixista, casado, um filho e Alberto Rodriguez, paraguaio, 27 anos, formaram o Blindagem, que oficialmente já tem 7 anos de estrada: o ponto de partida foi o show "Adeus 70", no final de 1979. Rubens Romero, baterista argentino, que substituiu a Mário Jr., é o mais novo integrante do quinteto.
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Ivo Rodrigues, em suas solitárias - mas aplaudidas apresentações no Pizzaiolo, tem a satisfação de, compensando o magríssimo cachê que o pão-duro Ivan Gattone lhe paga, ter o carinho de fãs muito especiais. Por exemplo, Gê (Roseli Pattine Kowsky), uma mignon loira, catarinense de Blumenau, 24 anos, ali já foi várias noites para aplaudi-lo e ganhando um poster do grupo, mandou emoldurá-lo para decorar seu quarto.
- "O Ivo tem uma voz especial" - comenta a jovem.
Como Gê, existe um público fiel do Blindagem em Curitiba. Tão fiel que a 19 de dezembro, mais de 8 mil jovens superlotaram o ginásio de esportes Almir de Almeida, no Tarumã, para o show de lançamento do compacto do grupo. No Rio, o público ainda não é grande. Mas quem os assistiu em suas apresentações no Robin Hood, Queen's Legs ou Barba's gostou da garra dos rapazes paranaenses. O irreverente Billy Bond, produtor de rock e video-clips, ao ouvir a fita do grupo, ficou tão entusiasmado que os convocou para abrir um super-show comemorativo aos dois anos de seu programa de rádio, que reuniu dezenas de grupos de rock no Estádio de Remo da Lagoa. Comenta Ivo:
- "Para nós, que mal estávamos chegando ao Rio, foi o máximo!".
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No lamacento território da mais barulhenta música dita jovem, há enganadores e talentos. Produtos de marketing, lançados como se fossem simples objetos descartáveis e também os que possuem algo mais. Os meninos do Blindagem - já não tão garotos assim - com um certo idealismo provinciano, têm garra e vontade de não ficarem apenas na produção superficial e sazonal. Para tanto, mais uma vez, estão na estrada, enfrentando uma barra difícil, injusta muitas vezes - mas na qual vão com o corpo e alma, traduzindo já no logotipo que adotaram, a própria imagem de ternura: um microfone dentro de uma rosa.
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