Boorman faz com poesia sua denúncia ecológica
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de janeiro de 1986
Ao final de "A Floresta das Esmeraldas" (Cine Bristol, 4 sessões), sobre a imagem da verdejante Amazônia, aparece um letreiro que informa ao espectador de que mais de 500 mil hectares da região já foram devastados pelo homem e que dos 4 milhões de índios que ali existiam há menos 60 anos, hoje não restam mais do que 120 mil - embora alguns em tribos ainda não alcançadas pelo homem.
Com este texto, John Boorman, 53 anos, de certa forma coloca de uma maneira didática e objetivamente clara - especialmente para as platéias internacionais - o significado que o motivou a, partindo de um fato real, fazer um filme passado naquela região: a destruição de uma das reservas naturais do mundo.
Aparentemente, este filme rodado no Brasil, há dois anos passados - com seqüências feitas no Interior do Estado do Rio e na Amazônia, próximo a Belém do Pará - poderia parecer mais uma "visão tropical pelos olhos de um estrangeiro". Entretanto, o inglês Boorman é um cineasta que, em todos os seus filmes sempre buscou a raiz do real, uma proposta de maior profundidade. E a história da família do engenheiro estrangeiro que vindo construir uma grande barragem hidrelétrica sofre por 10 anos a separação do filho, raptado por uma tribo de índios, proporciona que se tenha uma visão humana, profunda e sobretudo honesta de um assunto já tantas vezes denunciado, mas nem por isto evitado: a presença predatória do homem num meio ambiente natural.
Sem demagogia, respeitando os valores autoctones, conseguindo reproduzir com extrema dignidade os costumes, cenografia e tradições de uma tribo (e nas cenas de dança, o trabalho do assistente José Possi foi admirável), Boorman fez de "A Floresta das Esmeraldas" uma obra da maior dignidade. Um cineasta que surgindo nos anos 60, com uma renovação do gênero de filmes de gangsters (À Queima Roupa/"Point Blank", 1967), já em seu segundo longa-metragem a chegar ao Brasil, mostrava uma visão humanista e mesmo ecológica, ao colocar o confronto solitário de dois inimigos - um soldado americano (Lee Marvin) e um japonês (Toshiro Mifune) em "Inferno no Pacífico" (Hell in the Pacific, 1968). Mas seria em "Amargo Pesadelo" (Deliverance, 1972), que Boorman mostraria toda sua profunda consciência ecológica, num thriller em que a violência e o estudo do comportamento de pessoas aparentemente normais colocadas frente a situações inesperadas, resultaria numa obra de tamanha dimensão. Portanto quem conhece a sua digna obra - na qual se inclui também uma satírica visão da decadência da aristocracia ("Príncipe sem Palácio"), um irônico ficção científica ("Zardoz", espécie de revisitação de "O Mágico de Oz") e, por último, a fantasia onírica de "Excalibur" (reprisada na semana passada, na sessão de meia-noite no Groff) sabe que jamais iria fazer apenas um filme de sabor tropical "for tourist". Ao contrário, "A Floresta das Esmeraldas" é denso, humano e profundamente poético quando, por exemplo, os índios observam as motoniveladoras derrubando árvores, movimentando toneladas de terra. Um deles diz:
- "Mas estão tirando a pele da terra! Como ela vai respirar?"
Com um elenco de intérpretes jovens - e no qual até um ator curitibano, Ariel Coelho, tem uma curta mas marcante aparição (como o padre Leduc), "A Floresta das Esmeraldas" é um filme importante, que merece ser visto. Uma declaração feita por Boorman, na época das filmagens, ajuda a entender a preocupação que teve ao vir à Amazônia e realizar este belo documento ecológico:
- "Os índios da floresta estão irremediavelmente condenados. Mais uma geração e esses vestígios da vida tribal terão desaparecido.
Antes que desapareçam, quero tocar com o dedo esse mundo, saber algo a respeito de sua verdade, porque o meu trabalho consiste em restabelecer a ligação entre o nosso caos atual e o nosso passado tribal. Todos nós vivemos em tribos há um milênio ou dois. Temos de conhecer o que resta em nós de tribal".
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