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Aramis

Canta, Brasil!

Ney e Tim, cantando com a força personalíssima O que marca um cantor? Eis uma questão para ser aprofundada por quem se interesse pela música popular em termos de arte & consumo. Pode ser a regularidade num estilo, como, há 40 anos, faz de Nelson Gonçalves, 67 anos - completados no dia 21 de junho, um dos nomes mais populares do Brasil. Ou o preciosismo vocal, a busca da perfeição que, de um outro lado, coloca um cantor como o baiano João Gilberto, 55 anos, em um altar especial a quem (como nós) o considera a mais perfeita das vozes do Brasil. Dos cantores que, nas últimas duas décadas, surgiram no Brasil, dois exemplos dos mais representativos são o matogrossense Ney de Souza Pereira, 45 anos, ou o carioca Tim Maia - cada um em seu estilo, mas ambos donos de uma riqueza vocal que os fazem conservarem currais amplos de admiradores fanáticos. Ex-Secos & Molhados, androgenia assumida no visual e na vida artística, 13 elepês (onze dos quais como solista) em uma carreira marcada pela ousadia, a imprevisibilidade e o sucesso, Ney Matogrosso é um artista-show, cuidadoso ao máximo com a produção e que, a cada ano marca seus trabalhos com um visual requintado, espetáculos superproduzidos e imagens que propõe a partir dos próprios títulos-tema dos álbuns que faz. Deixando praticamente a Polygram/Ariola, financeiramente independente, com planos de lançar um elepê com o registro do show que fez na série "A Luz do Solo", dividido com o piano erudito de Arthur Moreira Lima e o sax de Paulo Moura, Ney lançou, já há alguns meses, um disco extremamente bem produzido e requintado ("Bugue", Barclay/Polygram). A partir de bela capa - por ele mesmo idealizada (o rosto do cantor esculpido em metal dourado, com os olhos iluminados por jatos de raio laser), Ney Matogrosso mostra um ecletismo que lhe permite fazer, sempre com bons resultados, mistura das mais estranhas - e que, em outro intérprete, poderiam resultar em desastre. Diretor do espetáculo dos multiabsorvidos RPM, Ney buscou o jovem grupo na faixa "Vertigem", uma de suas inovações como autor, em parceria com Paulo Ricardo, o sex-symbol do RPM (a outra parceria é "Dívidas de Amor", com Leoni, ex-Kid Abelha). A exemplo de Simone e outros superstars que estão recorrendo aos sambas-de-enredo, também Ney apelou para Jorge Aragão/Nilton Bastos, para uma faixa das mais comunicativas - "História do Brasil", que, na euforia do Plano Cruzado (afinal o disco foi gravado no primeiro semestre), levou o próprio Ney a substituir um dos versos que achou pessimista. Ao invés do refrão "Tristonho/ hoje vejo que o povo/ enganado de novo/ segue só", ele próprio alterou para "Risonho/ hoje vejo meu povo/ merecendo de novo ser feliz". Será que agora, em setembro, faria o mesmo? Também a letra de "Balada do louco" de Rita Lee/Arnaldo Baptista, foi copidescada por Ney, que na frase "se eles rezam muito/ eu já estou no céu" incluiu "no ar". Uma faixa já conhecida, "Las Muchachas de Copacabana", de Chico Buarque, da trilha de "A Ópera do Malandro", é já conhecida a música-título, "Bugre", é da dupla Lali-Lucina, habituais presenças em seus discos. Além de "Las Muchachas de Copacabana", outro tema cinematográfico - o marcante "Mente Mente", bolero do londrinense Robinson Borba, da trilha sonora que Arrigo Barnabé fez para "Cidade Oculta", o filme dark de Chico Botelho. Arrigo, aliás, é uma das presenças marcantes neste álbum, definido por Tarik de Souza como dark, mas que, antes de tudo, é revelador de um múltiplo talento de Ney - por sinal, vindo aí como ator em "Sonho de Valsa", o novo filme de Ana Carolina. xxx Imprevisível Tim - Gordo, negro, irrascível, brigão, imprevisível. Poucos se arriscam a contratá-lo para um show, pois não se sabe o que ele pode aprontar na hora. Em quase 20 anos de carreira já passou por todas as gravadoras - e, naturalmente, brigou em todas. Foi um dos pioneiros do disco independente, ingressou numa religião mística que quase o levou para o brejo e esteve em fases de grande decadência pessoal e artística. Entretanto, sempre levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. No ano passado, em dueto com Gal Costa ("Um Dia de Domingo", Michael Sullivan/Paulo Massadas), esteve nas paradas de sucesso. Agora, volta com um novo LP (Continental, setembro/86), produção de Jairo Pires/Chico Mourão, reunindo bons vocais, ótimos instrumentistas em participações especiais e sua banda Vitória Régia. Tim Maia canta melhor do que nunca, conseguindo valorizar mesmo músicas insignificantes, aquém de sua potencialidade vocal. Ouvindo-se Tim Maia é de se pensar o que ele não seria capaz se encontrasse um produtor da sensibilidade de Hermínio Bello de Carvalho? Mesmo um arranjador repetitivo como Lincoln Olivetti, pilotando também vários teclados em quase todas as faixas, conseguiu valorizar cada uma das faixas deste novo LP de Tim Maia, que tem apenas duas composições próprias - "Do Leme ao Pontal" e "Brother, Father, Sister and Mother". As oito outras músicas são inéditas, com alguns momentos como "Brilho" (Irinéia Mari/Suely Correa), outros nem tanto. Mas, a voz de Tim é tão bonita, tão personalizada, que, por si só, já valoriza e justifica a aquisição deste belo disco. LEGENDA FOTO 1- Tim Maia, a voz possante. LEGENDA FOTO 2 - Ney Matogrosso, uma visão dark num disco eclético.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
28/09/1986

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