Canta, Brasil!
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 28 de setembro de 1986
Bosco, de Minas a África com o canto para o mundo
Para quem se acostumou a ouvir o João Bosco irônico, romântico e facilmente cantável de sucessos como "Kid cavaquinho" e "Dois pra lá, dois pra cá", realmente não é fácil, a primeira audição, entender/absorver o João Bosco da atual fase.
Mergulhando nas raízes afro, levando as composições cada vez mais ao scat, utilizando sua privilegiada voz em improvisos que o aproximam de Al Jarreau e Bob McFerrim (com quem, aliás, já dividiu shows em Paris), João Bosco Mucci, mineiro de Ponte Nova, chegando aos 40 anos - no último dia 13 de julho, é hoje mais um cantor/autor brasileiro em escalada internacional.
Dispensando a banda, retirando do violão o complemento perfeito aos seus estudos de voz & improvisação, Bosco traz em "Cabeça de Nego" (Barclay/Polygram, setembro/86), um novo exercício de vocalização perfeito, com músicas absolutamente inusitadas, na qual coloca todo um universo negro - ele que, como Vinícius de Moraes (por sinal, seu primeiro parceiro) pode dizer que é "o branco mais preto do Brasil". Embora ainda dividindo algumas faixas com Aldir Blanc, outro exemplo de criador em constante mutação/evolução - como "Quilombo", "Droba a Língua (Boto Cor-de-Rosa em Ramos)", "João do Pulo", "Samba em Berlim/Com Saliva de Cobra" e "Da África a Sapucaí" - João pode também dispensar a presença do parceiro, em viagens sonoras como "João Balaio", "Cabeça de Nego" e "Bote Babalú para Pular no Pagode", esta aliás censurada para execução pública. As aproximações, cada vez maiores com a África, o fizeram, naturalmente, estender uma parceria com outros africanista de nossa MPB - Martinho da Vila, seu letrista em "Odilê, Odilá".
João Bosco é um criador inquieto, múltiplo e que extrapolou qualquer limitação, a adjetivação ou gênero definido. Seu "Cabeça de Nego" é uma prova de talento, vigor e genialidade. Só que, aos tradicionalistas, pode surpreender. Mas não tem nada, não! O pessoal vai entender no futuro.
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