Carnaval da Abertura (III)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de janeiro de 1984
Uma declaração do veterano Mario Lago, ator, escritor e letrista de inúmeros sucessos carnavalescos, falando de que continuava a compor, mas que não se preocupava em gravar suas músicas carnavalescas, "por não entrar em balaio de produtores e porque as rádios não abrem mais espaço para o carnaval", preocupou, no ano passado, o produtor Roberto Sant'Ana. E partindo de uma válida idéia - fazer um disco reunindo compositores novos e antigos, mas na linha da música carnavalesca crítica a atual - resultou "Liberou Geral", que por sua importância documental transcende ao registro das colunas específicas. O velho Mário Lago, em parceria com outro veterano carnavalesco, Chocolate, é o autor de "Tira a Boca do Caminho", gravado por Cesar Sampaio, com um refrão de fácil assimilação:
Tira a boca do caminho menino/ Que eu tô começando a endoidar
Eu quando beijo grudo mais que ostra/ E não quero desgrudar
Ao lado de veteranos como Mario Lago e Chocolate, há novíssimos como o roqueiro Eduardo Dusek ou Bubuska Valença, este com "Cadê Nós", na voz da badalada Tania Alves. O baiano Tom Zé para a jovem Elza Maria uma "Marcha Partido", também na linha do "criolo doido" que há 16 anos o irreverente Sérgio Porto consagrava.
Com um beijo na vanguarda
E uma palmada na retaguarda
Do bebê bum-bum de anjo
Da política/ PMDB padece/ No volo do PDS
O PTB percebeu/ O PDT quer deter
Se apetece ao PT/ Ter poder pod ser
Pode não ser/ Segure o pé, nenem
Pois na política do amor/ Só tem sufrágio direto
Aqui também quem decide a eleição
É o voto direto do analfabeto.
Pedro Caetano (Bananal, SP), forte e rijo aos 74 anos - que completará no próximo dia 1o de fevereiro, há quase 4 anos, no encerramento do festival "Paraná" - Todos os Cantos", mostrava a seus amigos algumas marchinhas carnavalescas. Só agora, elas ganharam gravações e constituem, em nosso entender, os momentos mais bem humorados e satíricos de "Liberou Geral". Em parceria com outro veterano e talentoso compositor, Alcyr Pires Vermelho (Muriae, MG), 78 anos completados no último dia 8 de janeiro e um certo Manuel Baña (quem será? Será parceiro mesmo ou entrou apenas de "bicão") Pedro Caetano compôs os deliciosos "Cineancoronariografia" e "É Dose Pra Leão". Como um dos títulos mais estenhos - e dificéis de serem apreendidos popularmente - na MPB, "Cineangiocoonareografia", valorizada pela interpretação criativa de Nara Leão e crítico e cáustico em seu recado direto:
Cineangiocoronareografia / O moderno exame de cardiologia
Quem é rico vai fazer lá nos states
Quem é pobre faz aqui de qualquer "jeitis"
Executivos, soçaites / Vão a Cleveland all right
Mas o pobre Zé Bedeu que nem eu
Como padece/ Vai mesmo de INPS
Mas em termos de crítica do momento, nenhuma música carnavalesca diz tanto quanto "É dose pra leão", que Pedro Caetano já havia nos mostrado há 4 anos. Prova de que a realidade brasileira não mudou muito nestes últimos anos.
Sejamos otimistas, mas assim também não
Otimismo assim já e dose pra leão
Bochechudo tá com tudo/ pe peludo toda vida
Dizendo e prometendo/ Coisas que até Deus Dúvida
Quem sabe vamos ter/ A notícia sensação
Que o doutor planejamento/ Já du fim à inflação
É dose pra leão/ É dose pra leão
O doutor planejamento/ Já deu fim à inflação.
xxx
Até ontem, Paulo Leminski não tinha notícias sobre a liberação na Censura Federal da letra de "Quero Votar Pra Presidente" ou o "Frevo das Diretas", parceria que desenvolveu ao longo de vários telefonemas com Moraes Moreira. Com o ex-novo baiano Moreira está trocando a Ariola pela CBS, a gravação desta música com condições de se tornar um rápido sucesso - já que antes mesmo de ser ouvida, foi aprovada pela cupula do PMDB como o hino oficial da campanha pelas diretas - ainda não foi definida. Na briga de foice da divulgação musical, esta demora na gravação é prejudicial, pois a previsão era que no comício do dia 12, em Curitiba, o próprio Moraes Moreira fizesse o lançamento do frevo. Já que não se ouviu ainda a gravação, vamos ao menos divulgar a letra - bem simpls, bolada para ser facilmente aprendida, "quase um jingle" explica Leminski, 37 anos, nunca votou para escolher o presidente.
Em matéria de diretas
Todo mundo diz presente
Agora sim este povo/ vi pra frente
Eu quero votar pra presidente
Eu quero sim
Eu quero gente
O povo na rua
O voto na urna
Tuo vai ser diferente
Em matéria de diretas
Todo mundo diz presente.
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