O Carnaval da Abertura (IV)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de janeiro de 1984
O Carnaval de 1984 será mesmo o da Abertura - ao menos em termos musicais. Embora já há dois anos a Censura venha se mostrando mais liberal na análise das músicas populares, foi para este ano que os compositores decidiram em boa hora retomar a linha crítica e satírica, que sempre foi uma das marcas registradas das marchinhas e sambas carnavalescos.
Assim, há pelo menos 20 compositores que focam temas políticos e personagens da vida pública, repetindo-se assim o que acontecei durante décadas, nos chamados anos de ouro da música carnavalesca.
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Ao lado do "Liberou Geral", a Polygram está distribuindo outro elepê que reúne várias composições satíricas - e que pela atualidade dos personagens citados - deveria, insistimos, ser programados intensamente nas emissoras - tanto as AMs como as FMs, de forma que pudesse ser aprendidas pelos foliões e tornarem-se sucessos no Carnaval. Entretanto, à pouco mais de um mês da maior festa popular, os programadores insistem em divulgar o mais supérfluo som internacional, preterindo a música carnavalesca. Em "84 Carnaval", produção de Marcus Pitter para a Lança, selo de Jairo e José Victor Rosas (ex-CBS, ex-Ariola), a abertura já é com uma deliciosa sátira de dois nomes famosos dos desfiles de fantasias no Rio - e "cantores" carnavalescos - "Clovis Bornay" e Mauro Rosas. Em "Os Presidenciáveis", parceria de Marcus Pitter e Altamiro Baptista, o tema político mais em evidência neste início de ano, é satirizado numa letra de extrema simplicidade mas por isto mesmo capaz de ser facilmente aprendida: "Alô, Aureliano/ Alô, Andreazza/ Cuidado Com o Malluf/ Que este homem é uma brasa/ Eu quero ver/ Quem é que o Figueiredo/ Será o Aureliano?/ Será o Andreazza?/ Será que o Meluf vai ganhar esta parada?".
A inflação - preocupação maior de milhões de brasileiros mas que nem por isto faz com que o Carnaval seja esquecido - esteve sempre presente nas sátiras. Mas este ano, com muito mais razão de ser lembrada, como fazem Oswaldo Nunes e Celso Castro na "Marcha da Inflação", com letras que sonoramente traduzem um duplo sentido, aliás, no que é mestre Oswaldo Nunes:
Quero que a inflação se imploda
E o pacotão também/
Ta tudo caro nesta zorra
Subiu o leite e o talco do nenem
Já não temos esperança
O arroz e o feijão subiu
É o fim / Isto não está certo
Pegue o pacote e vá para longe do Brasil
Em "Cara de Lobisomen" (Norival Di Paula/ Marcus Wagner), também interpretado por Mauro Rosas, a inflação volta a ser tema:
É o fim/ É o fim!
O brasileiro vai ter que comer capim
É pacotinho/ é pacotão
Está difícil de segurar a inflação
Este salário não mata a minha fome
Tá todo mundo parecendo lobisomem.
Partindo de um personagem que Chico Anísio consagrou na televisão, a dupla Rouxinol e Jorge Oxassé, mandam um rcado direto ao presidente:
Ei, Salomé/ Ei, Salomé!
Faz a cabeça do Batista que dá pé
Diga pra ele que este mar não tá pra peixe
Que não nos deixe na Arca de Noé
Que aqui no Rio só mama quem chora
E tem que ser na hora em que eles estão
de boa maré.
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