O Carnaval da Abertura (I)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de janeiro de 1984
O fato do publicitário Sérgio Mercer, o homem forte da criação na Exclam, ter tido a feliz idéia de convidar seu colega publicitário Paulo Leminski (atualmente na PAZ) para que acionasse sua parceria com o ex-novo baiano Moraes Moreira e compusessem um frevo com a temática "Eu quero votar pra presidente", destinada a se tornar o "hino das diretas", representa uma saudável prática dentro da hist´roia da MPB: a utilização da música carnavalesca como reflexo de fatos políticos do momento. Na decadência que caracterizou a música carnavalesca nos últimos 25 anos - especialmente como resultado do período de arbítrio da fase mais dura da Revolução (1968/1977), que vetava manifestações críticas, é normal que agora, movido pelos bons ventos da abertura, os compositores retomem os tema políticos para sambas e marchinhas carnavalescos. Enquanto não é decidida se a gravação do "Frevo das Diretas" sairá pela Ariola (gravadora da qual Moraes era contratado e a qual deveria ainda um elepê) ou pela CBS (para a qual foi contratado por muitos milhões), ou se o compacto será independente, para ser catituado com força total nas próximas semanas, a Polygram já colocou nas lojas no final do ano passado um elepê com várias marchas e sambas eminentemente críticas e bem humoradas em suas letras. Se há anos as gravadoras se desinteressaram de produzir elepês ou mesmo compactos com músicas carnavalescas, cabendo aos bravos compositores e interpretes que ainda acreditam no gênero bancarem as gravações de suas músicas, neste "Carnavel 84 - Liberou Geral", o produtor Roberto Sant'Ana teve condições de produzir um disco dos mais bem realizados, com intérpretes do grande elenco da gravadora, bons instrumentistas e arranjadores. Os longos sambas-de-enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro -, mais recentemente, algumas tentativas feitas também em São Paulo e mesmo Porto Alegre - passaram a ocupar um espaço que, durante mais de 50 anos, era privativo dos compositores que se dedicavam a refletir nos sambas e marchas, eventualmente algumas marchas-ranchos, os fatos marcantes de cada ano. Em "O Carnaval Carioca Através da Música" (já em terceira edição, pela Livraria Francisco Alves Editora, 638 páginas), o pesquisador Edigar de Alencar estudou este gênero musical desde o início do século até 1977, ano em que o letrista curitibano Heitor Valente, em parceria com Cesar Costa, filho, compareceu com duas constribuições, a marcha-rancho "Tristes Papéis" e a marchinha "Guenta, Sim", no qual se valeram de uma pilhéria de televisão criada pelo autor Paulo Silvino, que foi, aliás, seu intérprete ("Será que é pimenta/ é pimenta sim/ Será que ele güenta/ ele güenta sim/ Será que é malagueta/ é malaqueta sim/ Será que ele güenta/ ele güenta sim").
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A sátira política é a tônica das músicas selecionadas para "Liberou Geral", que pla oportunidade dos temas, qualidade dos intérpretes e, sobretudo, época pré-carnavalesca deveriam estar sendo mais programadas nas emissoras da cidade. Um tema que já ofereceu dezenas de motes aos autores carnavalescs - a aculturação (sic) dos índios, foi retomada por Vevé Calasans e Dito em "Depuíndio", na interpretação de Emílio Santiago - visto com simpatia:
Índio foi eleito deputado/ Lá no
plenário tão botando pra quebrar
Não cai na conversa do apito/
Gosta de loura em biquini, sem colar
Ao contrário do otimismo do polono-curitibano Leminski e do ex-novo baiano Moraes Moreira no "Frevo das Diretas", os mesmos Vevé Calasans e Dito, numa homenagem a Sérgio Porto (1923-1968), reverenciando seu "Samba do Criolo Doido" (1968) em "Samba da Previsão", na voz deliciosa de Lucinha Lins, embaralhavam as siglas no meio do campo partidário.
Ainda não é desta vez que eu vou volar
Tem gente que foi escalado pra votar por mim
Sou eleitor preparado pra argumentar
Se digo que não, tô querendo afinal dizer sim
A eleição desta vez vai ficar tudo em casa
Pois o Mário Maluf é parente do Paulo Andreazza
Que por sua vez é casado com Ivete Chaves
Que é tia de um afilhado de Aureliano
Aureliano Montoro é compadre dos home
Já foi diretor de harmonia da nossa escola
E o Leonel Figueiredo fez um samba-enredo
Em homenagem a seu filho Magalhães Brizola
Porém eles todos não sabem que o fim dessa estória
Va ser surpresa geral nesse céu varonil
Quem vencerá a eleição é o Ronald Reagan
O deputado mais votado do Brasil Ronald Reagan na surdina já ganhou
Ele é mineiro de Uberlândia, sim senhor!
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