Sambas-de-Enredo, o som que as escolas adotaram
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de março de 1987
Exatamente há 20 anos passados, o inesquecível Sérgio Porto (Rio de Janeiro, 1923-1968), que com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta ficaria na história da crônica e do humor em nosso País, ironizava a tendência das Escolas de Samba do Rio de Janeiro em complicarem cada vez mais os seus sambas-de-enredo. "Samba Do Criolo Doido", lançado pelo Quarteto em Cy, ficou com imagem crítica de um modismo e passou a significar, inclusive, coisa complicada, absurda, maluca.
Afinal, como dizia Sérgio Porto em sua música, na proporção em que os temas das grandes escolas cariocas foram se sofisticando e adquirindo uma pretensão histórica, os modestos e humildes criolos, quase sempre de pouca alfabetização, se confundiam para encaixar na linguagem do samba, história e vultos - resultando assim aquela confusão de imagens. E as letras dos sambas-de-enredo eram quilométricas, impossíveis de serem decoradas por 2, 3 ou 4 mil membros de uma Escola - e até o puxador oficial acaba, na maioria das vezes, tendo problemas de aprende-la.
Entretanto, a partir do final dos anos 60, os sambas-de-enredo começaram a ultrapassar a hora do desfile e o âmbito das Escolas para, gravadas em elepês da Top Tape, numa mostra da visão de dom Manolo, virem a substituir o branco deixado pela ausência na produção de marchinhas e sambas carnavalescos.
Hoje, um samba-de-enredo de uma escola do primeiro grupo no Rio de Janeiro, rende milhões aos seus autores e mesmo a própria Escola, através das ótimas vendagens que os discos tem conseguido. Tanto é que no início, a Top Tape não tinha problemas em produzir os discos, com o dinheiro entrando a coisa complicou-se: divergências entre sambistas, briga nas escolas e o fracionamento da própria Associação das Escolas.
Assim, a RCA passou a editar um elepê com os sambas-de-enredo de nove escolas, enquanto outras preferiram uma produção alternativa. Afinal, hoje o Carnaval, não só no Rio mas caminhando também em outras cidades, industrializa-se cada vez mais e as grandes escolas funcionam como organizadas empresas, com várias fontes de renda - e nas quais a parte Musical, com direitos a fonogramas em seus sambas-de-enredo, conta muito.
Também os sambas-de-enredo não constituem hoje mais uma característica das escolas cariocas e espalham-se por todo o País. Em muitos Estados, onde já há um Carnaval mais bem estruturado, os sambas-de-enredo das principais escolas ganham gravações em elepês, compactos ou ao menos fitas para divulgação nas emissoras de rádio no período pré-carnavalesco (em Curitiba, infelizmente isto não acontece, pois a escolha dos sambas-de-enredo das escolas é feita poucas semanas antes da festa e mesmo os integrantes da mesma vão para a avenida hoje a noite, muitas vezes sem sequer saber a letra inteira).
Em São Paulo, já há anos que a Continental edita dois elepês com os sambas-de-enredo das escolas do grupo um e dois, em produções bem cuidadas. Em Porto Alegre, provando que o gaúcho é bom de samba, também desde 1979, os sambas-de-enredo vem sendo gravados, inicialmente em produções independentes, agora em edição nacional, da Continental, produzida por Airton dos Anjos - o mais ativo record-men do Sul.
Cada disco com os sambas-de-enredo das centenas de escolas de samba que desde ontem estão fazendo a festa máxima dos brasileiros exigiria também um amplo espaço para apreciações. O importante é que ao menos fonograficamente o som deste Carnaval hoje mais industrializado - mas em compensação também melhor organizado - permanece para ser devidamente lembrado no futuro.
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