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Aramis

Sambas-de-enredo ou a fórmula do faturamento

Há pelo menos duas décadas os sambas-de enredo se tornaram um dos melhores negócios carnavalescos. Não é sem razão que há brigas de foice e até assassinatos entre sambistas das escolas de samba do Rio de Janeiro para ver de quem será o samba-de-enredo no Carnaval - pois isto não é sinônimo de glória: é muita grana no bolso. Por baixo, baixo, cada compositor de um samba-de-enredo vencedor nos concursos internos das grandes escolas (e são cinco, seis, às vezes até dez os que assinam os sambas) acaba faturando mais de três milhões de cruzados novos - em direitos autorais e conexos. Ou seja: carvão suficiente para passar um ano de papo pro ar! Quem canta os sambas-de-enredo? Este ano, com os vídeo-clips produzidos pela Globo - que os reuniu num vídeo especial, com legendas em inglês, para vender aos milhares de turistas que estão no Rio - o Brasil todo conheceu melhor os sambas-de-enredo do chamado Grupo 1-A. Mas apesar desta maciça divulgação, é de se perguntar quantos foliões serão capazes de cantar os versos de "Templo Negro em Tempo de Consciência Negra", do G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro - que tem nada menos que seis autores e no desfile de hoje à noite, na Avenida Marquês de Sapucaí, estará sendo puxado por Rixxa (nenhuma relação ao ex-governador do Paraná). Mesmo compositores experientes com João Nogueira/ Paulo César Pinheiro, autores de "Rio, Samba, Amor e Tradição", samba-de-enredo do G.R.E.S. Tradição, dificilmente ouvirão este samba de 40 linhas cantado nos salões. Já foi pior! Antes os sambas-de-enredo eram tão longos que nem os integrantes das escolas conseguiam aprendê-lo. E não foi por nada não que em sua irreverência carioca, o inesquecível Sérgio Porto - ou Stanislaw Ponte Preta (1923-1968) há 21 anos passados criava uma sátira clássica - que virou sinônimo de coisa enrolada - "Samba do Crioulo Doido", lançado pelas meninas do Quarteto em Cy (grupo vocal que, aliás, está reaparecendo agora). Há sambas-de-enredo bonitos e emocionantes - como a homenagem a Milton Nascimento ("Sou do mundo, sou de Minas Gerais", da Unidos do Cabuçu), Elis Regina ("Um Trem Chamado Emoção", Mocidade Independente de Padre Miguel) ou Jorge Amado ("Axé, Brasil", Império Serrano") - sem falar que Braguinha, mesmo esquecido pelas gravadoras, continua a inspirar carnavalescos: a São Clemente sai este ano com "Made in Brazil - Yes, Nós temos banana", que atualizando a sátira aos dias do cruzado novo, não deixa de ter o referencial na marchinha que Braguinha e seu parceiro, Alberto Ribeiro (1902-1971), fizeram em 1938 - nascida, conforme nos contou Braguinha, como resposta ao Fox norte-americano surgido no Brasil, "Yes We have no bananas" (Frank Silver/ Irving Cohan). Uma questão de comportamento... A substituição das marchinhas de Carnaval pelos sambas-de-enredo é assunto hoje para teses acadêmicas e estudos sociológicos - aliás, com alguns pesquisadores já trabalhando a respeito. Na verdade cabem muitas explicações a mudança na música carnavalesca neste nosso Brasil de final de século, com novos padrões culturais e, naturalmente, impactos diversos na comunicação. Imagine-se como seria fácil divulgar nacionalmente marchinhas e sambas via televisão se houvesse interesse dos produtores culturais e dos donos da comunicação em promover aquele estilo leve, gracioso e satírico das chamadas músicas de Carnaval - que começavam a aparecer já a partir de setembro/outubro, em suplementos de discos 78rpm lançados pelas gravadoras RCA, Continental, Columbia e Odeon, as poderosas da época. Hoje, as regras do jogo mudaram: a Bahia tem seu Carnaval com uma música própria - cada vez mais ligada aos ritmos jamaico-caribenhos, com trios elétricos, conjuntos vocais-instrumentais e cantores de sucesso como Luís Caldas (surgido há 4 anos, com o "Fricote") e Gerônimo, assumindo-se como "Eu sou Negão". Mas acima, ninguém tira o frevo do Carnaval pernambucano - que mesmo com a falência da gravadora Mocambo, da família Rozemblit - que durante tantos anos produzia centenas de gravações regionais, valorizando compositores da dimensão de Capibal, Nelson Ferreira e os Irmãos Valença, entre outros - ainda resiste em suas raízes. Mas tirando-se estes núcleos regionais - embora hoje, a exemplo do Rio de Janeiro, exauridos em aspectos comerciais, o que resta em termos de musicais: pouco, muito pouco. Os sambas-de-enredo das escolas ficam na televisão - e mesmo experiências feitas em anos recentes, tentando divulgar em discos os sambas-de-enredo de escolas de outros Estados (especialmente São Paulo e Rio Grande do Sul) acabaram sendo esquecidas. O que se ouve, mesmo, são as marchinhas e sambas dos carnavais do passado. Tão leves, brejeiras e comunicativas como se tivessem sido compostas hoje.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
18
05/02/1989

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