O Carnaval no cinema ao longo de 8 décadas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de março de 1987
Historicamente, talvez o primeiro cinegrafista a registrar o carnaval carioca num filme montado e exibido comercialmente foi Antônio Serra, que em 1909 apresentava "Pela Vitória dos Clubes Carnavalescos". Sete anos depois, Eduardo Neves já realizava "Pierrô & Colombina", mesmo título que Louis Delao daria a um filme em 1919.
Evidentemente que foram inúmeros os registros carnavalescos feitos por pioneiros de nosso cinema. Por certo os paranaenses João Baptista Groff e Aníbal Requião, devem ter registrado cenas do Carnaval curitibano. Nos anos 50, seria Eugênio Félix que se tornaria famoso e temido, com sua câmara indiscreta flagrando os foliões no Operário, então um reduto-tabu a muitos. Consta, inclusive, que vivendo do trabalho de cinegrafista, houve um cliente que se recusou a pagar a Félix o combinado. O experiente Eugênio bolou uma vingança visual: sabendo que o trampolineiro era dado a brincar no Carnaval com mulatas assanhadas, ele foi ao baile e filmou o cidadão no auge da folia. Lançado o cine-jornal no então familiar Cine Ópera, o cidadão quase teve um enfarte: implorou a Félix que retirasse o filme de exibição, prometendo saldar o débito. O cine-jornal foi retirado, mas como o cidadão não se explicou em sua dívida, Félix fez mais: relançou-o, com setas indicando do cidadão. A história faz parte hoje do folclore cinematográfico paranaense.
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Ademar Gonzaga, uma das maiores personalidades do cinema brasileiro, criador da Cinédia, realizaria clássicos filmes com o Carnaval como tema, a partir de "A Voz do Carnaval", co-dirigido com o mineiro Humberto Mauro, com Carmem Miranda. Com Wallace Dowey, cineasta americano que viveu durante anos no Brasil, faria "Alô, Alô Carnaval", em 1935 - que restaurado por sua filha, Alice Gonzaga Assaf, é sempre programado em circuitos alternativos - além de ter seqüências históricas com Carmem Miranda, Francisco Alves, Joel & Gaúcho, Aurora Miranda, Mário Reis, Almirante, Heloísa Helena, Lamartine Babo, Luiz Barbosa, além de Benedito Lacerda e seu regional Hervê Cordovil e Os Quatro Diabos, cantando os grandes sucessos da época.
Alice Gonzaga é cuidadosa deste patrimônio, exigindo altas somas para permitir o aproveitamento de seqüências em programas de televisão. Até hoje ela busca cópias de outro filme de Ademar e Dowey, "Alô, Alô Brasil", produzido em 1935 - e que também teve roteiro da dupla João de Barro/Alberto Ribeiro - e trazia inúmeros musicais com Carmem, Chico Viola, Mário Reis, Elisa Coelho, Almirante, O Bando da Lua e tantos outros. Em 1933, Leo Marten - de quem não se tem maiores referências - já havia realizado um filme intitulado "Carnaval de 1933". Em 1939, "Joujoux e Balangandãs", espetáculo de variedades que ficou na história da MPB porque foi para sua estréia, que João de Barros musicou "Carinhoso" (de Pixinguinha), a pedido da cantriz Heloísa Helena, trazia também muitos números musicais - e o espetáculo foi documentado por Amadeu Castelanetto.
Luís de Barros, um dos mais atuantes cineastas brasileiros até os anos 50, em vários filmes de voltou ao cinema. Assim, em 1944, com "Berlim na Batucada", registrou visualmente Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Flora Mattos, Chocolate, entre outros, interpretando sucessos de Carnaval daquele ano.
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Seria, entretanto, os anos 50 que ganhariam muitos filmes produzidos em torno do Carnaval, quase sempre carioca e aproveitando as músicas de sucesso. Assim, após o êxito de "Carnaval no Fogo", que Watson Macedo realizou para a Atlântida em 1949 - reunindo atrações musicais como Jorge Goulart, Marion, Elvira Pagã e Ruy Rey - seguiram-se "Carnaval Atlântida", em 1952, direção de José Carlos Burle, no qual as ingênuas trapalhadas de Oscarito e Grande Otelo, os beijos entre Cyl Farney e Eliana Macedo e as maldades do vilão José Lewgoy eram intercaladas com números musicais de, entre outros, Dick Farney, Carlos Alberto, Francisco Carlos e Nora Ney.
Watson Macedo, voltaria a explorar o mesmo esquema em "Carnaval em Marte" (1955), com Anselmo Duarte amando Ilka Soares (que viria a se tornar sua esposa), enquanto desfilavam números musicais com Angela Maria, Linda Batista, Carmen Costa, Emilinha Borba, Jorge Goulart, Cauby Peixoto, Jorge Veiga, César de Alencar, Ruy Rey entre outros.
Em 1954, Tenório Cavalcanti estava no auge de suas intervenções políticas e Paulo Wanderley aproveitou o tema para unindo a música fazer o delicioso "Carnaval em Caxias", no qual o político da Baixada Fluminense era satirizado na interpretação de José Lewgoy. Musicalmente, apareciam Linda e Dircinha Batista, Nora Ney, Jorge Goulart, Camélia Alves, Nelson Gonçalves e até o pianista Benê Nunes.
Os paulistas também atacaram de Carnaval e foi para a Maristela que Ademar Gonzaga dirigiu "Carnaval em Lá Maior", em cujo elenco musical estavam Ataúlfo Alves, Aracy de Almeida, Carlos Galhardo, Elizete Cardoso, Elza Laranjeiras, Isaurinha Garcia, Nelson Gonçalves e até a dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho.
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Esgotado o ciclo das chanchadas carnavalescas, nem por isto a festa não deixou de motivar comediotas como "Carnaval Barra Limpa", que J. B. Tanko realizaria em 1967, tão ingênua quanto "De Pernas Pro Ar", que, dez anos antes, outro chancheiro-mor, Vítor Lima, já havia apontado. O mesmo Tanko, em 1962, já havia feito o "Bom Mesmo É Carnaval".
Eventualmente, houve quem visse motivações para filmes mais sérios como Wilson Silva faria em "Depois Do Carnaval", 1958, famoso por apresentar cenas de nudismo ou, com algum lirismo, Paulo César Sarraceni - que agora vai realizar "Natal da Portela" - tentou em 1972 com "Amor, Carnaval E Sonho".
Dentro da filmografia carnavalesca que, repetimos, espera um levantamento específico, há pelo menos dois momentos especiais. A sensível adaptação que Carlos Hugo Christensen fez do conto de Aníbal Machado, "A Morte Da Porta Estandarte", como um dos episódios de "Esse Rio Que Eu Amo" (1962) a alegórica visão política que Cacá Diegues deu em 1974 em "Quando O Carnaval Chegar", que além de homenagear a época das chanchadas, trouxe ainda Chico Buarque como ator, ao lado de Maria Bethania e Nara Leão interpretando "Cantoras de Rádio" (Lamartine Babo/Alberto Ribeiro/João de Barro), num dos mais belos momentos da música brasileira no cinema.
Nestes últimos anos, o Carnaval tem sido Back-ground de filmes pretensiosos - desde "Águia Na Cabeça", de Paulo Thiago até o recente "Rei Do Rio", de Fábio Barreto.
Espremendo-se os tamborins do celulóide, um fato é evidente: o Carnaval ainda não teve o seu grande filme.
LEGENDA FOTO - Carmem Miranda: lembranças nos velhos musicais de Ademar Gonzaga.
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