A década de ouro de nosso Carnaval
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de dezembro de 1986
No Rio de Janeiro, o pesquisador Jairo Severiano, um dos autores da Discografia da Música Brasileira (4 volumes) e que no ano passado coordenou o belíssimo projeto homenagem a Caymmy, está ultimando um livro sobre a vida e a obra de Braguinha, acompanhado de um elepê com seus maiores sucessos, na interpretação dos jovens da "orquestra de vozes" Garganta Profunda. Estas duas produções, mais shows, sessões solenes, exposições e outros eventos marcarão a 29 de março de 87 os 80 anos bem vividos e amados de Braguinha.
Entretanto, o grande Pelão, 43 anos, a quem a nossa música popular deve a produção de álbuns com momentos absolutamente históricos, com a valorização de compositores do nível de Cartola, Nelson Sargento, Adoniram Barbosa e outros - por ele levados a gravarem seus elepês, vem desenvolvendo, já há três anos, o projeto Memória, coordenado pela Paulo Propaganda, a agência de Paulo Roberto Whitaker Penteado (filho de um dos pioneiros da publicidade no Brasil), que atende a Elebra. Muito antes da Lei Sarney, o empresário Isu Feng já havia se voltado para a produção de brindes culturais e graças a isto, a Labre (hoje com cinco grandes empresas, mais de 4 mil empregados, faturamento de US$ 140 milhões em 1986) vem dando uma contribuição notável para a música brasileira.
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Com um criterioso trabalho de seleção de matrizes originais, submetidas a um processamento eletrônico que permitiu a máxima qualidade sonora, Pelão dedicou o volume três desta coleção a década de ouro da música carnavalesca. Assim, com fonogramas originais cedidos pela EMI-Odeon e RCA, se tem nesta produção uma coleção de 12 momentos maravilhosos.
Com depoimento de Homero Dornelles (Candoca da Anunciação), 85 anos, músico e compositor, parceiro de Almirante (Henrique Foreis Domingues, 1908-1980), o disco abre justamente com a gravação original de "Na Pavuna", de 1929, primeiro disco a reproduzir uma batucada em estúdio, com instrumental de percussão semelhante ao usado nas ruas durante o Carnaval. Gravado pelo Bando dos Tangarás - do qual faziam parte também Noel Rosa (1910-1937) e Braguinha - "Na Pavuna", lançado em disco pela Parlophon, viria a ser o grande sucesso no Carnaval de 1930.
O mesmo Homero Dornelles, músico, compositor - personalidade da maior importância dentro da história de nossa MPB - também faz um depoimento introdutório a "Com Que Roupa?", de Noel Rosa, o grande sucesso de Noel Rosa no Carnaval de 1931.
Em ordem cronológica, nas faixas seguintes, no lado A, sucedem-se outros clássicos do Carnaval - aqueles sambas e marchas que ainda hoje, meio século depois, são os mais cantados: "O Teu Cabelo Não Nega", 1932, de João e Raul Valença e Lamartine Babo, com Castro Barbosa (1909-1975); "fita amarela", 1933, de Noel Rosa, com Francisco Alves (1898-1952) e Mário Reis (1907-1981); "Até amanhã", 1933, de Noel Rosa, com João Petra de Barros (1914-1947); "Agora é Cinzas", 1934, de Bide (Alcebíades Maia Barcelos, 1902-1975) e Marçal (Armando Vieira Marçal, 1902-1947), com Mário Reis e o grupo Diabos do Céu.
O lado dois de "Memórias 3" abre com a marcha de André Filho (Antonio André de Sá Filho, 1906-1974), que gravada pelo autor de Aurora Miranda, em 1934, seria o grande sucesso do Carnaval de 1935 e, em 1960, oficialmente decretada como hino da cidade do Rio de Janeiro: "Cidade Maravilhosa".
Há 50 anos passados, o grande sucesso do Carnaval foi uma parceria de Heitor dos Prazeres (1898-1966), com Noel Rosa, que nas vozes de Joel e Gaúcho, o Brasil todo conheceu: "Pierrô Apaixonado", Joel de Almeida (Rio de Janeiro, 1913), que formou a dupla com Gaúcho (Francisco de Paula Brandão Rangel, Cruz Alta, RS, 1911 - RJ, 1971), embora morando em São Paulo, ainda vigoroso, considera-se totalmente aposentado da música e, mesmo convidado para a festa no Inverno e Verão, não quis comparecer.
"Mamãe eu Quero" de Vicente Paiva (1908-1962) e Jararaca (José Luís Rodrigues Calazans, 1896-1977), que desde 1937 é marcha absolutamente indispensável em qualquer festa carnavalesca, está no disco em seu registro original, na voz de Jararaca.
João de Barro, no álbum está com dois de seus maiores êxitos: "Touradas em Madrid", parceria com Alberto Ribeiro (1902-1971) e "Pastorinhas" parceria com Noel Rosa, e que tem uma história curiosa. No carnaval de 1938, "Touradas em Madrid" venceu um concurso carnavalesco mas foi desclassificada sob a alegação de tratar-se de ritmo estrangeiro, o paso doble. Anulado o concurso, João de Barro inscreveu-se novamente, com a marcha-rancho "Pastorinhas", versão modificada de "Linda Pequena", composta em 1935 com Noel Rosa. Foi o vencedor e assim, num mesmo ano, Braguinha teve dois sucessos. Doze anos depois, no emocionante jogo do Brasil contra a Espanha, na Copa do Mundo que inaugurou o Estádio do Maracanã, com a vitória de 6 x 1 de nosso selecionado, mais de 40 mil pessoas cantavam "Touradas em Madrid".
Braguinha, recorda:
- Eram 40 mil pessoas cantando e eu chorando. De dupla emoção!
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Para encerrar o disco, há o "Hino do Carnaval Brasileiro", que Lamartine Babo compôs em 1939 - em gravação original de Almirante - realmente o fecho de ouro para este documento marcante, um projeto maravilhoso que graças ao encontro do talento e capricho do produtor Pelão, da coordenação da Partner Propaganda e, especialmente o apoio da Elebra, representa uma contribuição maior ao fosfato que a memória musical brasileira tanto necessita.
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