Césio 137, um alerta de utilidade pública
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de setembro de 1991
Há dois anos, ainda sob o impacto do "Césio 137", premiado nos festivais de Cinema de Natal e Brasília, em 1970, sugerimos numa conversa informal ao prefeito Jaime Lerner que mais do que todo o blá-blá que se faz para dar a Curitiba uma dimensão de Capital Ecológica do Brasil, a exibição do filme de Roberto Pires seria o gancho ideal para todo um evento ligado ao cinema (e vídeo) ecológico. Infelizmente, como tantas idéias que naufragam no lamaçal que cerca a área cultural do município, a proposta de uma promoção que poderia ter repercussão nacional - e que, acabou sendo aproveitada já em duas edições do RioCine Festival (*), acabou sendo esquecida.
Só agora, graças à iniciativa privada de um grupo de ecologistas, "Césio 137" ganhará um lançamento em Curitiba (Cine Ritz, 20h30 de sexta-feira, 13), infelizmente sem a continuidade que a oportunidade ensejaria. O próprio Roberto Pires - que ali estará presente, em sua generosidade e desprendimento de discutir os riscos nucleares e a contaminação do meio ambiente - poderia trazer outro filme no qual já fazia uma advertência sobre uma catástrofe nuclear - "Abrigo Nuclear", que rodou em Salvador, há 10 anos, com imensas dificuldades. A ele, se poderiam acrescentar outros momentos importantíssimos do cinema ecológico, como "Parada 88 - Limite de Alerta", de José Anchieta e "Vento Sul", 1986, de José Frazão, sem contar os muitos vídeos existentes a respeito - inclusive o praticamente desconhecido (do público) "SOS - O Veneno de Cada Dia", de Frederico Fullgraf (por sinal, na Alemanha, desde o último sábado, acertando detalhes de sua próxima produção, que será um documentário sobre "A Bomba da Paz", baseado no seu livro sobre o acordo nuclear).
Mesmo sem ter a dimensão que a estréia de "Césio 137" merece - inclusive é possível que o prefeito Jaime Lerner nem encontre tempo para comparecer - a exibição de "Césio 137" se constitui num dos eventos cinematográficos do ano.
Mais um exemplo de "cinema de utilidade pública", o documento drama de Roberto Pires, 57 anos, reconstitui com exatidão e profundidade a tragédia ocorrida em Goiânia, em fins de setembro de 1987. Uma cápsula de Césio 137 (**) encontrada nas ruínas do Hospital da Santa Casa recém demolida, foi parar no depósito de ferro velho de Devair Alves Ferreira, localizado em um bairro popular no Setor do Aeroporto. Fascinado pela luz azul que emanava da cápsula. Devair distribuiu pedrinhas de Césio 137 a parentes e amigos, contaminando oficialmente 250 pessoas (outras centenas de vítimas não foram identificadas, como os passageiros de um ônibus que transportou a cápsula aberta e os compradores de sucata e amigos de Devair que freqüentaram seu estabelecimento durante os 15 dias em que o material ali esteve). Mais de dez das pessoas contaminadas já morreram e centenas de outras sofrem os seus efeitos irreversíveis. A ajuda prometida pelas autoridades não veio, o atendimento dado é precário e apesar da repercussão internacional os riscos continuam (ainda recentemente os jornais noticiaram que só agora está sendo providenciado um abrigo confiável para o lixo resultante desta contaminação).
Produzido por um empresário de Goiânia, Luís Antônio de Carvalho (seu filho, Otávio Garcia, fez a trilha sonora), com um excelente elenco (Nelson Xavier, Joana Fomm, Paulo Betti, Paulo Gorgulho, Denise Milfont, Stephan Nercessian, Marcélia Cartaxo, Thelma Reston, Malu Moraes, etc.), "Césio 137" permanece inédito: com exceção de Goiânia e Brasília, não teve exibição em nenhuma outra cidade - o que desanimou o produtor Carvalho - e o próprio Roberto Pires - no projeto de realizar uma segunda parte, no qual contrariam o que aconteceu com as vítimas do acidente. "Césio 137" é um filme emocionante, de indispensável visão para conscientização dos riscos nucleares - e a propósito do qual voltaremos a falar com mais detalhes nos próximos dias.
Notas
(*) O RioCine Festival, já em sétima edição, tem trazido filmes e vídeos ecológicos de todo o mundo, em mostras das mais positivas. Infelizmente não houve interesse de Curitiba em se associar ao projeto.
(**) O Césio 137 é um elemento estranho à natureza produzido artificialmente durante a fissão nuclear do Urânio. Tem meia vida de 135 anos e emite radiação Alfa, Beta e Gama. Um dos isótopos radioativos liberados pelas usinas nucleares, é usado na Medicina Nuclear (bomba de césio) para tratamento radiológico de tumores.
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