Cruzados do jazz e o novo sax-soprano
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de julho de 1987
"Vamos ficar quietos por algum tempo e juntar tudo o que aprendemos nos últimos 30 anos - e vamos misturar as idéias que deram certo numa forma de música".
(Jimmi Hendrix, 1945-1970)
Aquilo que Jimmi propunha há mais de 20 anos continua sendo tentado por vários grupos. Nenhum, até agora, havia chegado mais perto de uma síntese do que "The Crusaders" consegue. Mas Hendrix era um rebelde. Joe Sample & amigos são românticos. Prova disso é o novo álbum, "The Good And Bad Times" (MCA/WEA, junho/87). Que com ironia, Sample explica numa frase:
"Vocês vão reparar que não compus uma canção sequer sobre os maus tempos. O que eu busco é o arco-íris...".
Os Crusaders nasceram com um grupo de adolescentes de bairro em Huston, Texas, e atravessaram quatro décadas de mudanças musicais, do meio dos anos 50 até esta década de 80. Dos membros originais, o flautista Hubert Laws desenvolveu o seu próprio grupo. O mesmo fez o guitarrista Larry Carlton, que ingressou na banda no início dos anos 70 e volta agora como convidado, solando como nunca na faixa "Sweet Dreams". Outra participação muito especial é a de Nancy Wilson - ex-protegida do saxofonista Julian Cannonball Adderley (1928-1975), que canta em "The Way It Goes". Mas os vocais ficam só nesta faixa, pois "Good Times" é um disco basicamente instrumental. A tecnologia é usada só para dar mais projeção ao som marcante deste grupo. Assim, mesmo apelando para o eletrônico, a música do Crusaders nada tem do funk robotizado / pasteurizado que tanto cansa em milhares de gravações. Mesmo chamados algumas vezes de "comerciais", o tecladista Sample e o saxofonista Wilson Felder (fundadores e colíderes do grupo), tem técnicas e idéias à altura dos melhores jazzistas contemporâneos. E assim, dentro da geleia geral dos The Crusaders, Sample incursiona até pelo piano-bossa dos anos 60, tipo Sérgio Mendes, sem se afastar das raízes dos blues e do bop. Reforçado pelo baixista Brad Bobo e pelo novo baterista, Edward "Sonny" Emory (descoberto por Sample no Atlanta Jazz Festival), os Crusaders contam ainda com a flauta de Joel Peskin (em "The Way It Goes"), o trompete de Sal Marquez (em "Three Wishes" e "Mischievous Ways") e a percussão do brasileiro Paulinho da Costa (em "Sweet Dreams"). Os The Crusaders já gravaram aproximadamente 40 álbuns misturando blues, rhithm & blues, jazz e rock. Mas este "The Good And Bad Times" tem um encanto especial, e assim Joe Sample define o espírito do grupo - explicando especialmente os seis temas que traz agora:
- "Não é um retorno consciente, mas a locomotiva está definitivamente de volta aos trilhos".
UM NOVO SAXOFONISTA - Quando o belga Adolphe Sax (Dinant, 1814 - Paris, 1894) desenvolveu um instrumento de sopro (1845) que receberia o nome de "saxofone", não estava imaginando as infinitas possibilidades deste instrumento que, ao longo dos anos, foi tendo diferentes variações em estilo, tamanho e sonoridade.
Tanto na música erudita como na popular - e especialmente no jazz - o saxofone é um instrumento que pode justificar múltiplas apreciações. Entretanto, o sax-soprano, da família dos irmãos Sax, tem sido a menos valorizada como solo, talvez por ser uma das modalidades mais difíceis de serem domadas, principalmente quanto ao timbre e à afinação. Há mesmo quem diga que desde os tempos de Sidney Bechet (1891-1959), o sax-soprano era considerado uma espécie de primo pobre da clarineta - e só nos anos 60, com músicos como John Coltrane e, mais recentemente, Wayne Shorter, conquistou o espaço merecido. Hoje, é reconhecida sua mobilidade, sua capacidade de se fundir com os sons eletrônicos de guitarras, teclados e sintetizadores - aparato que tornou, no entendimento de muitos, superado (?) o trompete e o trombone - e fizeram do soprano "o som vital do novo som".
Mas dentro de um crescimento do soprano, num campo de batalha extremamente competitivo, só sobrevivem os melhores. É o caso de um novo sax-soprano, George Howard, que deu algumas voltas antes de se fixar no saxofone. Americano de Filadélfia, começou a estudar clássico na clarineta aos seis anos; aos oito, mudou para o fagote. Aprendeu a técnica básica dos sopros com Shirley Curtis, da Philadelphia Orchestra. O rock (e o jazz) ouvido na época não deixaria de influenciá-lo e, assim, aos 15 anos, começou a tocar soprano (que era o sax próximo do som do fagote) e começou a trabalhar com grupos baseados em Filadélfia. Foi quando um dos grandes saxofonistas dos anos 60, Grover Washington Júnior, foi atraído para o seu som e o convidou, em 1979, a incorporar-se em sua banda. Tocando em festivais famosos como o de Montreaux, na Suíça, George entendeu que tinha que formar o seu próprio conjunto. Formou seu grupo, com o qual fez quatro álbuns com uma respeitável etiqueta de jazz, a Palo Alto, até assinar contrato com a MCA.
Agora, pela MCA/WEA, chega ao Brasil "A Nice Place To Be", mostrando um George Howard amadurecido: além do soprano, com muita suavidade, rico em modulações, destaca-se o compositor, arranjador, produtor e organizador musical, reunindo talentos como o tecladista/produtor George Duke, o baixista Victor Bailey, o percussionista brasileiro Paulinho da Costa. Howard também enriquece sua massa sonora com intervenções em programações eletrônicas de todo tipo, na percussão, no piano acústico e até nos vocais. Diz Howard:
- "As pessoas que rotulem como quiserem. Eu apenas toco música".
LEGENDA FOTO - Joe Sample e Wilson Felder, fundadores e líderes dos Crusaders.
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