Mulligan, 60 anos, e seu jovial jazz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de junho de 1987
Entre as datas redondas deste 1987, algumas se destacam mais: do brasileiro (e universal) Heitor Villa-Lobos, cujo centenário de nascimento foi a 5 de março e os 60 anos de Antonio Carlos Jobim, em 25 de janeiro - mas cujas comemorações a exemplo de Villa se estenderão por todo o ano - há efemérides também póstumas (os 50 anos da morte de Noel Rosa, imerecidamente esquecido no último dia 4 de maio). Internacionalmente, o calendário é grande e, especialmente no jazz, no dia 4 de abril último , uma data redondinha também não pode (nem deve) ser esquecida: os 60 anos do saxofonista, compositor, pianista e líder Gerry Mulligam - um dos maiores nomes do jazz contemporâneos.
Por uma coincidência, há dois anos, num encontro na Itália, com a brasileira Joyce, Mulligam fez uma homenagem sonora a seu amigo Tom, que Joyce viria letrar e gravar em seu penúltimo elepê ("Saudades do Futuro", produção da extinta Pointer, já editado até em laser no Japão). Em Curitiba, quando de sua única vinda há alguns meses, no histórico concerto no auditório da Reitoria, Mulligan também mostrou a bela homenagem feita ao nosso Tom.
Aos 60 anos, Mulligan continua em plena forma, como se pode observar em seu mais recente álbum "Little Big Horn" - do pacote inaugural da nova etiqueta GRP, que a CBS colocou nas lojas em maio último. Depois de uma recente apresentação com a Filarmônica de New York, com seu solo de sax soprano no "Bolero de Ravel", empolgando o público - e sendo mais um jazzista a se aproximar do erudito, Gerry pode ser ouvido numa presença jovem, apoiando-se numa incrível formação all-stars com Dave Grusin (piano), baixista Anthony Jackson, o baterista Buddy Willians e o pianista Richard Tee. A partir do tema-título - uma referência a um dos acontecimentos mais sangrentos da história do oeste-americano, quando a Cavalaria Americana, sob comando do general George Armstrong Custer (1839-1876) foi dizimada em Little Bighorn River, no sudoeste do Estado de Montana, a 24 de junho de 1876, pelos Cheyenne e Sioux, comandados pelos lendários Touro Sentado e Crazy Horse. Este episódio, tantas vezes já levado ao cinema (com diferentes interpretações) é o título para este reaparecimento fonográfico de Gerry Mulligam, com seu som sempre suave e surpreendentemente moderno. As seis composições incluídas neste álbum incluem peças para big bands, pequenos combos e até uma intervenção vocal, todas ligadas ao seu personalíssimo feeling, melódico e improvisativo. "Little Big Horn", é dedicado, declaradamente, a dois heróis míticos de Mulligan - Siting Bull e Crazy Horse, sobre quem diz:
- "A história não os reconhece porque lutaram contra os Estados Unidos. E venceram."
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Gerald Joseph Mulligan, novaiorquino, nascido a 6 de abril de 1927, cresceu na Filadélfia, onde começou a tocar numa banda de rádio da WCAU. Mais tarde, em Nova Iorque, começou trabalhando com o histórico baterista Gene Krupa, com quem gravaria, em janeiro de 1947, "Jockey Jump". Em quatro initerruptas décadas, Mulligan trabalhou com os mais importantes nomes do jazz, formou diferentes conjuntos e sua discografia eleva-se há quase 500 títulos, entre álbuns nos quais aparece como solista principal ou músico integrado a outros jazzistas. Durante muitos anos esteve associado ao chamado "West Coast Jazz", com sonoras imagens, trabalhando basicamente em formato de quarteto, pelo qual passaram inúmeros virtuoses, entre os quais Chet Baker, pianista e cantor (um dos que influenciaram o estilo de canto de João Gilberto), sendo também marcante a sua associação com o pianista Dave Brubeck. Aparecendo em mais de 20 filmes - entre curtas e médias metragens documentais do jazz, e também em longas como "Quero Viver" ("I Want To Live", 58, de Robert Wiss), "A Taberna das Ilusões Perdidas" ("The Rat Race", 60, de Roberto Mulligam) ou "Os Subterrâneos da Noite" ("The Subterreans", 60, de Ronald MacDougall), Mulligam se tornaria um dos jazzistas mais conhecidos a partir dos anos 50 - claramente identificado ao seu estilo. No Brasil, há uma discografia avulsa de seu trabalho individual e também em algumas formações maiores, mas, no momento, o único álbum disponível é este encantador "Little Big Horn", que em tão boa hora a GRP/CBS aqui editam.
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