De Punk, Líbia e anti-semitismo entre os jovens
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de maio de 1986
Até ontem os editores do jornal "Opção Cultural", José Gil de Almeida e Walter Werner Schmidt, não haviam recebido qualquer comunicação da furibunda manifestação de protesto que o vereador Raphael Grecca de Macedo apresentou na Câmara de Curitiba, dia 15 de abril, contra a publicação no número 4 deste jornal alternativo da letra um rock ("O calote do judeu"), que classifica de "altamente ofensiva aos princípios do respeito e da dignidade humana, universalmente aceitos".
José Gil de Almeida, 29 anos, paranaense de Goioerê, coordenador estadual da Federação Paranaense de Cineclubes e o mais forte candidato a presidente do conselho nacional de cineclubistas - em eleições a acontecerem em julho próximo, em Brasília - vem desde outubro de 1985 editando, com recursos próprios (ele é assessor da deputada Amélia Almeida e antes foi funcionário do Banestado, em Maringá) uma publicação independente, e corajosa, especialmente denunciando o descalabro na área cultural do Estado.
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Por sua própria formação liberal, aberto politicamente a todas as tendências, José Gil de Almeida vem acolhendo na "Opção Cultural" as mais diversas colaborações, evitando censurar os trabalhos que lhe são encaminhados. Sua visão sem preconceitos o levou, como presidente do Cine Clube de Maringá - cargo que ainda hoje ocupa - a divulgar nestes últimos anos, dezenas de documentos realizados em países árabes, mostrando o outro lado do conflito no Oriente Médio. Em março último, ao lado do empresário Ali Weizani, do ramo de calçados, em Maringá, Gil foi um dos 22 brasileiros convidados para participar do Encontro Internacional da Luta contra o Imperialismo, Fascismo, Racismo e Sionismo, realizado em Trípoli (14 a 23 de março). Embora tendo que retornar da Líbia rapidamente - devido aos ataques americanos - Gil teve tempo de recolher material informativo, dados estatísticos e observações pessoais - inclusive da personalidade do presidente Kadhafi - que chegou a conhecer pessoalmente, durante um almoço servido em tendas árabes, no meio do deserto. Desta experiência, Gil escreveu "Viagem à Líbia", livro de 100 páginas, capa de Bond, apresentação de Rachid Nagib, jovem intelectual de Maringá, que estará sendo lançado de três semanas, em edição do autor, 2 mil exemplares, distribuição nacional - e que se constitui num dos primeiros, senão o primeiro livro a focalizar a Líbia, após o ataque americano, escrito por um brasileiro.
Sem integrar-se especificamente a qualquer dos movimentos políticos ou contestadores, Gil Almeida abriu as páginas de "Opção Cultural" a manifestações das mais diversas. Dentro deste espírito "amplamente democrático" é que ali tem divulgação desde textos de comunistas e anarquistas, até manifestações culturais de jovens punks - como é o caso da colaboração de Gustavo e Gallo, autores de "Calote do Judeu", música interpretada pelo grupo Maus Elementos, que vem sendo divulgada em bares na cidade.
Gil reconhece que não há de parte destes jovens qualquer sedimentação ideológica, "ao contrário, no máximo um nihilismo absoluto que caracteriza também outras manifestações punk" - e que vão desde a Banda Ruído, de Goioerê, até o recém-criado Cine Clube Vídeo sindicato do Delírio, fundado justamente pelo punk Gallo (Edson Vuleans), assim chamado devido o corte e cor de seus cabelos - e que se dedica, exclusivamente à exibição de vídeos de Rock da pesada, especialmente de grupos punk da Inglaterra e Estados Unidos.
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Até o momento em que o vereador Raphael Grecca de Macedo irritou-se com a agressividade racista de "O Calote do Judeu", o rock dos meninos estava totalmente despercebido. Agora, após a manifestação da Câmara, por certo, surge a curiosidade para saber, afinal, o que diz a letra provocativa. Para satisfazer esta natural curiosidade aqui a transcrevemos.
Garotinho esquentado/um anormal debilitado
e até muito educado/quando aconteceu
por um velho bem barbado/foi um dia contratado
para que pintasse um lado/de um tempo judeu
e o trabalho terminado/ele então todo animado
foi cobrar o resultado/de um serviço que era seu
mas o tal velho barbado/quis então pagar fiado
e o garoto esquentado/não se convenceu
levou calote de um judeu/
mas para um dia a vingança ele prometeu
Adolfinho furioso/com raiva cresceu
e ficou mais poderoso/e com ódio de judeu
refrão: ódio de judeu/ódio de judeu.
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Segundo Gil Almeida, Gustavo e Gallo já estão com outra música pronta para criar polêmica: desta vez, o alvo são os nordestinos. Independente da apreciação sobre o que representa tal tipo de "inspiração" - perigosa em termos de formação cultural e política - a questão deve mesmo ser discutida. E, para tanto, Raphael Macedo, ligadíssimo à Igreja Católica, com razão decidiu colocar fogo no rastilho de pólvora que ainda não chegou a explodir.
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