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Dona Luciana, os caminhos da vida, coração e conhecimento

Se o publicitário Sérgio Mercer, dono da Parceria e ex-presidente da Fundação Cultural de Curitiba, possui um troféu literário de Umberto Eco - a sua gravata de lã, vermelha, por ele permutada durante um etílico jantar no Warsovia, quando o autor de "O Nome da Rosa", aqui esteve há alguns anos (conforme contamos recentemente), a professora e bibliotecária aposentada Luciana Sammut Rosenthal, ganhou um presente ainda mais especial do escritor: uma edição em italiano de "O Pêndulo de Foucault", com uma carinhosa dedicatória. Nascida no Cairo, há 39 anos em Curitiba, dona Luciana é uma das pessoas mais estimadas junto a um círculo muito especial da vida cultural da cidade. O pintor Paul Garfunkel a tinha entre suas melhores amigas e, normalmente sisudo e reservado, mostrava ao longo de deliciosas conversas o seu lado bem humorado. O professor e crítico Wilson Martins, junto com a esposa Annie, cada vez que vem a Curitiba dedica pelo menos dois dias para rever a grande amiga. E entre os curitibanos que tiveram aulas de francês e italiano com dona Luciana, preparando-se em pouco tempo para morar no exterior, estão o hoje prefeito Jaime Lerner, Maurício e Martha Schulman, Fernando Veloso, Philomena Gebram, Josino Rocha Loures, Mercedes Fontana, Domício e Leila Pedroso, entre tantos. Daquelas pessoas que irradiam bons, fluídos, na placidez, carinho e amizade, dona Luciana é uma personalidade forte, com uma história que daria um ótimo roteiro para um filme - entre a poesia e a aventura de ter vivido em vários países. Quando tinha 10 anos e vivia na Itália, ela desejava ter uma boneca e fez uma carta à rainha Helena de Montenegro, casada com Emmanuell III, último rei da Itália, contando de seu sonho. A pureza e o estilo na mensagem da menina Luciana fez com que a rainha enviasse uma imensa boneca, num momento de tanta emoção que ela transformaria, anos depois, no conto "A Boneca da Rainha", publicado originalmente na revista "Images", em francês, no Cairo, em 22/12/51 ("Un message a ma reine") e, dois anos depois (12/1/1952) no jornal "Fanfula", em São Paulo ("Un messagio a la mia Regina"). O pintor Paul Garfunkel, aquarelista de grande sensibilidade criou toda uma série de desenhos inspirado na beleza da história de dona Luciana, transformando assim o conto original em material para um lírico livro de arte, que apesar de já proposto a diferentes instituições ainda não encontrou o mecenas para sua edição. E quando tantas empresas investem milhões em obras ditas de luxo, mas às vezes de discutíveis méritos, "A Boneca da Rainha" com o texto de Luciana e as ilustrações inéditas de Garfunkel poderiam resultar num belíssimo livro. Contando numa carta a sua sobrinha, Maria Pia Pascucci, que vive em Monte Cerignono, Pesaro, Itália, o seu desejo de ler no original "O Pêndulo de Foucault" (mas cuja edição no Brasil, lançada pela Record, custa muito além do que ela, vivendo de magra aposentadoria, pode dispender), dona Luciana lembrou o pedido que, quando menina fez a rainha Helena de Montenegro. Como Umberto Eco possui um castelo em Monte Cerignone, no qual passa alguns meses por ano, e é amigo do casal Pascucci (ele, Berto, é importador do Café Paraná), a carta de dona Luciana chegou ao seu conhecimento e no mesmo dia o autor de "Apocalípticos e Integrados" mandou o livro para dona Luciana. "Foi uma emoção tão bela como a que tive há 70 anos, quando recebi a minha boneca enviada pela rainha Helena". Leitora voraz do que de melhor existe na literatura, conhecedora de vários idiomas - francês, italiano, inglês, espanhol, além do português - dona Luciana tem recebido apelos de seus muitos amigos para que escreva suas memórias. Afinal, sabendo sempre ver com otimismo as muitas dificuldades que enfrentou, teve uma vida de intensos momentos. Filha de mãe italiana e pai francês, nasceu no Cairo (no próximo dia 5 de dezembro estará completando 81 anos), mas em 1910 já se transferia para Itália onde morou até os 15 anos. Em 1923, seu pai, o jornalista Henry Boutuny, fundador da "La Bourse Egipcienne", e que formou um império jornalístico em língua francesa no Egito, semelhante ao que Chateaubriand faria no Brasil, a levou novamente ao Cairo, onde ela estudou em colégio francês por alguns anos. Casou com Raul Sammut Parme, professor de línguas e poeta e deste casamento nasceu Sabine Chritiane, 55 anos, ex-jornalista e hoje astróloga. Em 1936 voltou a Itália, mas logo depois (38) voltaria ao Egito, onde, em 1940, divorciada do primeiro marido, casou com Edouard Rosenthal, engenheiro que trabalhava na fábrica Ducati, de Bologna, de equipamentos eletrônicos. A II Guerra Mundial e as dificuldades que a Itália enfrentava levou a família a deixar o país. Só que antes de conseguir chegar a Lisboa, em janeiro de 1941, de onde vieram para o Brasil, viveram uma longa via crucis, transferida para San Remo, Veneza, lago de Garda, Breschia e finalmente Altavilla Irpina e Porreta Terme. Sua dupla nacionalidade - Italiana, dos seus pais e inglesa, devido ao seu primeiro casamento - é que provocou dificuldades para que pudesse deixar o país e chegar a Portugal - numa longa jornada por terra, na Europa em guerra, com fome e misérias. Conseguindo a quota de imigração para o Brasil, que o Vaticano coordenava, finalmente a família Rosenthal veio para o Brasil. - Quando embarcamos no navio Almirante Alexandrino senti que um novo dia iniciava. Memória privilegiada, com detalhes mínimos, dona Luciana lembra-se de sua chegada no Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1941. Ali residiu por seis anos. Depois São Paulo, por 2 anos, em Rio Bonito e finalmente a decisão de vir para Curitiba, quando seu marido, Edouard Rosenthal, foi contratado para trabalhar no Departamento de Águas e Energia Elétrica (hoje COPEL). Edouard Rosenthal desligou-se do Estado e fundou a empresa COSPHI, que implantou os postes de transmissão de energia entre Morretes e Paranaguá. Em 2 de julho de 1952, num acidente rodoviário viria a falecer. Viúva, dois filhos, dona Luciana começou a trabalhar. Fez o curso de biblioteconomia (1954) e passou a trabalhar na Biblioteca Pública até 1979, quando se aposentou. De seus netos, Maurice, filho de Sabine, vive em Paris onde freqüenta cursos universitários e faz mímica (há alguns meses veio a Curitiba e orientou cursos no Centro de Criatividade do Parque São Lourenço). Seu filho, Henrique Rosenthal, funcionário do Banco do Brasil, reside há anos em Brasília e tem três filhos. Em sua simplicidade e modéstia - e a sabedoria que a intensa formação cultural lhe deu, dona Luciana Rosenthal é daquelas pessoas marcantes de uma cidade. Hoje considerando-se curitibana de coração e espírito - mas sem esquecer sua vivência pelo mundo, jovial e otimista aos 81 anos, é o exemplo para tantos. Possivelmente, Umberto Eco deve ter enviado seu "O Pêndulo de Foucault" para muitos intelectuais importantes, mas poucos souberam valorizá-lo e mergulhar em suas palavras, com tanto entusiasmo e amor como dona Luciana. LEGENDA FOTO - Dona Luciana: o livro de Umberto Eco, com carinho.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
19/11/1989

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