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Quando Mercer trocou a gravata de Umberto Eco

Os estudantes e alguns professores dos cursos de letras e desenho industrial que numa noite da primavera de 1980 lotaram o anfiteatro da Pontifícia Universidade Católica, em seu campus no Guabirotuba, para assistir a palestra de um professor italiano, famoso até então por seus livros em torno da semiologia, estão hoje entre os que podem dizer: - "Eu curti a palavra ao vivo de Umberto Eco". Realmente, quando o publicitário Sérgio Mercer, na época com seus 38 anos, na presidência da Fundação Cultural de Curitiba, lendo no "Jornal do Brasil" que Umberto Eco viria passar algumas semanas no Brasil, teve uma iluminada idéia: fez contatos com amigos do Rio e fez chegar ao autor de "Obra Aberta" um convite para fazer uma palestra em Curitiba. Eco aceitou e pediu um cachê bem razoável: duas passagens aéreas até Foz do Iguaçu, já que desejava conhecer aquela atração turística. E assim Eco se fez ouvir em Curitiba. Mercer viabilizou o projeto em colaboração com o professor Oswaldo Arns, então reitor da Católica e tanto Eco como sua esposa fizeram palestras em Curitiba. Ele, naturalmente, sobre sua especialidade, no anfiteatro da PUC-PR. A sua mulher, ligada a questões de educação e infância, falou no Centro de Criatividade. Sérgio Mercer fez mais: como "O Signo" ainda não havia sido publicado em português, aproveitou a tradução que Eco tinha em seu poder, para a edição portuguesa, e providenciou uma tiragem rapidíssima, como opúsculo, do prefácio de 18 páginas, distribuído a todos que foram a sua palestra - e muitos aproveitaram para apanhar autógrafos do mestre. xxx Após a conferência, Mercer, como anfitrião e especialista na cozinha paranaense (na época escrevia uma coluna em "O Estado do Paraná"), levou Eco e sua esposa a conhecerem o "Varsóvia". Entusiasmado com os pratos poloneses, Eco acabou sujando com molho de knidel a sua gravata de lã, vermelha. Num ato de gentileza - mas que hoje, reconhece, acabou também sendo de muita visão em termos de ampliar sua coleção de preciosidades - Sérgio Mercer não teve dúvidas: tirou sua gravata de seda italiana e passou para Eco, que lhe deu, em retribuição, a que estava usando. xxx Em 1980, Umberto Eco (Allesandria, Itália, 1932), já era um nome respeitado nos círculos universitários, especialmente para semiólogos. Mas estava ainda distante de se tornar um megastar literário, como o sucesso de "O Nome da Rosa" viria lhe transformar, quatro anos depois. Formado em Filosofia em Turim e com doutorado em estética, na época era mais conhecido por sua "Obra Aberta", leitura obrigatória para alunos de comunicação, letras e artes. Numa escala mais aberta, o fato de ter se voltado, cientificamente, ao estudo de quadrinhos em "Apocalípticos e Integrados", o aproximou de uma faixa de leitores em busca de embasamento crítico para matérias até então vistas preconceituosamente - como eram os comics. Eco teve o mérito de tratar dos diversos níveis de cultura, que classifica como "de vanguarda", "de massa", "média" e "Kitsch", entrando em contato com as mais variadas formas de produção cultural: romance, cinema, quadrinhos, televisão e artes plásticas. Isso o transformou no chamado decifrador de códigos que o mundo reverencia hoje. E não há quem se interesse por semiótica que não considere as idéias que Eco produziu neste campo. "O Nome da Rosa" foi um dos livros mais vendidos nesta década. O sucesso repetiu-se no cinema. Um livro que, entretanto, não se aproxima, em simplicidade, da leitura dos best-sellers tradicionais. Afinal trata-se de uma história em que o suspense disputa o tempo inteiro o espaço na narrativa com citações latinas e a exibição de fôlego erudito. Com a sinceridade das pessoas autênticas, Sérgio Mercer, hoje aos 46 anos, dono da próspera agência "Parceria" - com gordíssimas contas - admite: - "Apesar da simpatia de Eco, não li o seu "O Nome da Rosa". Preferi esperar o filme do qual gostei muito. E, na fase em que me encontro, não pretendo adquirir "O Pêndulo de Foucault", pois também não iria mergulhar na leitura de suas 624 páginas". LEGENDA FOTO - Umberto Eco: o best-seller com inteligência e lembranças da visita a Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/08/1989

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