Fausto, o perfomático revisor de Copacabana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de setembro de 1987
Quem esteve com J. Ramos Tinhorão, o mais radical defensor da MPB tradicional - que aqui veio na semana passada, para abrir um ciclo sobre Choro, no SESC-Portão - surpreendeu-se com sua visão bem mais aberta para as novas tecnologias de gravação, a importância do compact-disc (laser) para a restauração de gravações históricas, e mesmo para a validade da duplicação de cópias. Homem inteligente, Tinhorão entendeu a importância de se aceitar novas tecnologias, incluindo mesmo as potencialidades do computador na produção musical.
Assim, entre um radicalismo que pode levar a uma estreiteza de compreensão musical a busca de entendimento, se não do lado artístico-estético, ao menos do ponto de vista sociológico, devem ser entendidos certos "produtos" que são colocados na praça. Afinal, mais do que "criações" artísticas, representam mesmo, "armações" industriais, que com toda a força da publicidade dos grandes veículos (redes de televisão, jornais e revistas nacionais), mais as frias e competentes regras do marketing, podem levar ao mais distante sertão do Nordeste ou a menor cidade do Sul, um modismo, um comportamento, uma curtição, que tem seu núcleo-origem-universo num determinado ponto da Zona Sul do Rio de Janeiro. Eis um tema para divagar em termos de comportamento e indústria cultural, com um exemplo bem sintomático: a ascensão promocional dada a "Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros".
De performances em alguns bares de Copacabana, com uma linguagem poética-musical-crítica em torno da mais cantada praia (hoje poluída) do Brasil, Fausto Cardoso, 30 anos - com o sobrenome artístico adotado por parte da loura Farrah Fawcett, do seriado "As Panteras", conquistou espaço nobre na televisão (faixa "Lady Godiva", na trilha de "O Outro"), chega num elepê muito bem promovido pela WEA, e influi já junto a grupos de jovens - não só em Curitiba (onde já há quem pense em trazê-lo para um show-performance), mas mesmo com reflexos no Interior. Não será, portanto, surpresa, se dentro de algumas semanas, num destes festivais municipais, aparecerem canhestros pastiches do que Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros apresentam.
Um salto a frente do que o Blitz fazia há 4 anos, com suas batatas fritas e abobrinhas, Fausto propõe aquilo que Tarik de Souza, sempre arguto e inteligente, observou como "reportagens-colagens pop, potencializando o cotidiano, dando um toque de pós-modernidade urbana à decadente Princesinha do Mar".
Produtos como Fausto Fawcett são interessantes para observação em termos mercadológicos e de consumo. Anos atrás, sem os processos massificantes de promoção propostos, como a deste performer, não ultrapassariam as quadras de seu bairro, quando muito restritas a veículos locais. Hoje, falando de locais e personagens que nada tem com o real de milhões de brasileiros, Fawcett passa a ser "curtido" como o "novo", o "quente", provocando imitações mal digeridas - como, aliás, já se vê em alguns bares e locais da moda. Claro que Fawcett é o resultado de um consumo via televisão. Desde os tempos de suas performances no "Mistura Fina", ou no auditório da "Cândido Mendes", "abastecimento de informação pelo excesso e redundância", como disse ao jornalista Luís Carlos Mansur, um dos primeiros a se voltar, com olhar profissional, a este recentíssimo caso de comunicação (ou empulhação?) cultural. Diz o próprio Fawcett:
- "A televisão é o lugar onde os humanos e os não-humanos se encontram. A partir do momento em que um fato é superdivulgado, tanto faz ser um míssil Exocet ou a Xuxa, o "mass media" transforma qualquer coisa em espetáculo, e sua redundância, misturando infinitas coisas que vão da maionese aos gritos de estudantes da Coréia, forja uma estética própria. O sentido crítico clássico não se aplica aqui".
Aquilo que o paranaense Arrigo Barnabé, de Londrina para a vanguarda brasileira via São Paulo, fez há 5 ou 6 anos com sua "Clara Crocodilo" (só que mostrando uma base musical notável, hoje ainda mais forte e que falta em Fausto), é tentada, em sua retomada irônica bem humorada, por este performancer carioca, especialmente em suas duas fontes temas centrais: as "pin ups" e "Copacabana". Como as estrelas de Hollywood transformavam-se no início dos anos 50 em símbolos eróticos para as fantasias sexuais dos soldados americanos na guerra da Coréia - daí nascendo o termo "pin up girl" (incluindo Marilyn Monroe, em sua famosa foto nua), Fawcett cria as personagens-síntese de uma Copacabana desglamorizada, violenta, suja, mas tão amada quanto era há 40 anos, no poema-canção que Alberto Ribeiro (1902-1971) lhe dedicaria, em parceria com João de Barro, e que seria o cartão musical de toda a carreira de Dick Farney (1912-1987). É esta Copacabana, com suas personagens como Anne Stark, balconista; Kátia Flávia, a chinesa videomaker; Tânia Miriam ou a Gueixa Vadia; entre outras personagens de Fawcett (e seu parceiro, Carlos Laufer) que surgem neste mais recente produto up-to-date de consumo. A tal ponto que o cineasta Cacá Diegues, sempre atento ao mundo que o cerca, incluiu Fausto Fawcett como uma das presenças especiais de "Um Trem para as Estrelas", um filme extremamente carioca, na "trip" de um jovem saxofonista em busca de sua desaparecida namorada no caos urbano. O disco de Fausto Fawcett nas lojas, a mídia impressa promovendo-o e a próxima estréia do filme - além de sua "Kátia Flávia" (Calcinha!) ganhando vídeo-clip em horário nobre na Globo, fazem com que o consumo supere as restrições musicais - e mesmo com todas as questões estéticas não se possa deixar de observar este novo "mass-consumo", programado como um computador.
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