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Festival de Gramado (II) - Lei Sarney surpreende a artistas e cineastas

GRAMADO, Março - A surpresa foi total: ninguém, absolutamente, conhecia o texto do projeto de lei apresentado há dois anos pelo deputado José Sarney Filho, proibindo a participação de grupos estrangeiros, mesmo minoritariamente, em empresas dedicadas à produção, distribuição e exibição cinematográfica no Brasil. A aprovação do projeto de lei pelo Congresso e sua imediata sanção na quarta-feira, 28, pelo vice-presidente em exercício José Sarney - notícia divulgada pela televisão às 19:00 h - caiu como uma bomba entre dezenas de artistas, cineastas e jornalistas, reunidos em Gramado, nesta 13ª edição do Festival do Cinema Brasileiro. A surpresa foi imensa e, assim, no Cine Embaixador, antes da sessão em que foram exibidos mais curtas-metragens e o longo "Estrela Nua", todos comentavam, perplexos, a tão rápida sanção do presidente Sarney à lei proposta pelo seu filho deputado federal (PDS-Maranhão). Na manhã de quinta-feira última, enquanto que no salão de debates do Hotel Serra Azul, acontecia o segundo painel sobre "O futuro do cinema brasileiro e a televisão", no hall, a já chamada "Lei Sarney" merecia inúmeras interpretações. Num ponto, todos concordavam: o total desconhecimento de sua íntegra e o fato de absolutamente nenhuma entidade de classe - dos produtores, artistas, técnicos, realizadores, documentaristas e, especialmente, exibidores - ter sido consultada. Três exibidores gaúchos, que haviam chegado pela manhã, para assistir aos três últimos dias do festival (Mário Luís dos Santos, filho do conhecido "Mário Pintado", que, com 100 salas, é o maior exibidor do Sul, incluindo vários cinemas no Paraná; Roberto Levi, com cinemas em 3 Passos e Santa Rosa; e Flávio Fantinelli, exibidor em Ijuí, São Luís e São Luís Gonzaga), foram convidados a se reunir com artistas, cineastas, técnicos e dirigentes de entidades de classe para uma troca de idéias a respeito. Assim, durante um almoço no restaurante do próprio hotel, transformado quase numa miniassembléia, discutiam-se os vários aspectos dessa lei, sancionada tão inesperadamente e que, à primeira vista, é de um rigor total: equipara as empresas cinematográficas às empresas jornalísticas, no aspecto de controle acionário, ou seja: assim como nenhum grupo voltado para atividades de edição de revistas, periódicos, radiodifusão, televisão ou agenciamento de notícias pode acolher capital externo, em sua composição acionária, mesmo que indiretamente, também no cinema as empresas estrangeiras ficarão impedidas em distribuir e exibir filmes no Brasil. Duas multinacionais, de princípio, serão atingidas, no que se refere à exibição: Cinema Internacional Corporation, que possui salas no Rio, São Paulo e Curitiba (os Cines Condor e Lido I, Lido II), e a Gaumont, de capital francês, que possui uma dezena de salas no Rio e São Paulo, e que, em outras Capitais, opera de forma direta na exibição, somente lançando filmes em cinemas dos quais possui um rígido controle. No campo da distribuição, a lei atingirá outras empresas, Warner, Columbia e Fox, representada pela SDF, Paramount/Universal/MGM/Walt Disney Productions, Unidas na UIP/Cidsem Tomar. Sem tomar uma posição definida, em relação a essa polêmica lei, que a princípio pelo desconhecimento de seu texto, e, em segundo lugar, pelo fato de que sua finalidade é regulamentar a presença das multinacionais no campo da distribuição e exibição, os líderes das várias categorias profissionais ligados ao cinema decidiram convidar, imediatamente, o deputado José Sarney Filho para, ainda durante o festival, vir a Gramado trocar idéias a respeito, esclarecendo aspectos de seu projeto de lei, que embora de tamanha repercussão, interessando de perto a milhares de pessoas, passou praticamente despercebido em toda sua tramitação. Assim, é possível que, neste sábado, último dia do festival, o deputado Sarney - ou algum integrante de sua assessoria - aqui esteja para discutir esse assunto, que, pela importância, fez com que todos os demais aspectos em discussão - e mesmo os filmes em competição - ficassem em segundo plano. INTERPRETAÇÕES Com a autoridade de grande exibidor e uma centena de salas no Sul, Mário Luís dos Santos forneceu esclarecedoras informações, a propósito das relações dos exibidores com as empresas norte-americanas. Particularmente sincero em relação à UIP (United International Pictures), Mário Luís denunciou o rigor com que essa empresa age, em relação aos exibidores, fora dos grandes centros, impondo "pacotes" de filmes para permitir que seus grandes sucessos ("Laços de Ternura", "ET", "Indiana Jones" etc) sejam lançados. Segundo Mário Santos, a UPI chega a faturar sobre filmes não exibidos, estimulando valores irreais. Contou, como exemplo, que um exibidor de Bagé, Interior do Rio Grande do Sul, havia programado "Laços de Ternura" e depois decidiu, numa sessão das 22:00 horas, substituir o filme de Shirley MacLaine por uma pornoprodução nacional. Resultado: a UIP taxou em Cr$ 10 milhões a receita que teria, teoricamente, naquela única sessão - e o exibidor foi obrigado a recolher 50% dessa importância, em favor dela. Para Mário Santos, como outros exibidores, "Há necessidade de regulamentar a participação das multinacionais, mas não da forma como pretende a lei Sarney, pois isso significará o final do Cinema, já que, forçosamente, as distribuidoras se afastarão do mercado brasileiro, como aconteceu, há alguns anos, na Argentina". Justamente a preocupação pelas conseqüências da Lei Sarney sobre o mercado cinematográfico, já em crise de público há muitos anos, com o fechamento, em escalada, de várias salas, é que faz com que essa dura legislação, aprovada tão inesperadamente, preocupe a todos. Aníbal Massaini Netto, experiente produtor paulista e forte candidato à presidência do Concine, diz que a Lei Sarney deve ser vista em suas implicações para com o próprio cinema nacional, na medida em que significando um possível afastamento das empresas estrangeiras do mercado, provocará falta de filme para que os circuitos de exibição sobrevivam. Ou seja: poderá desestabilizar um dos tripés da indústria, que é a exibição, já enfrentando crônicos problemas. A atriz e deputada federal Bete Mendes, que integra o júri do Festival (longas-metragens), também se mostrava surpresa com a notícia da aprovação da lei e, imediatamente, solicitou, via telex, que lhe fosse fornecida sua íntegra. Bete Mendes afirmou que desconhecia totalmente a lei, que, de princípio, lhe parece perigosa, pelas múltiplas conseqüências que pode provocar. Durante a tarde de quinta-feira, Bete tentou, telefonicamente, um contato com o deputado Sarney Filho, para obter informações a respeito. Hélio Nascimento, crítico do Jornal do Comércio (um dos jornais diários de Porto Alegre), comentava a propósito: "Isto não parece lei da Nova República. Parece de uma republiqueta, tal a forma com que foi aprovada e sancionada". Rubens Ewald Filho, crítico do "Jornal da Tarde" e que ontem pela manhã aqui lançou seu "Vídeo Filmes", guia de mais de 500 filmes disponíveis, em tape, a exemplo de dezenas de outros jornalistas, cineastas e atores, também vê com temor uma lei tão drástica: isso é condenar à morte o cinema. Já que praticamente ficaremos sem chances de assistir ao que é produzido fora do Brasil". Realmente, se confirmado o rigor que a lei propõe (proibição da atuação das distribuidoras estrangeiras no Brasil), isso significará que só distribuidoras formadas com capital brasileiro poderão importar filmes para serem exibidos aqui. Embora teoricamente sejam uma fórmula de fortalecimento da indústria cinematográfica brasileira, eliminando, assim, a entrada de "lixo fílmico" internacional, isso impossibilitará a vinda da maioria das grandes produções. Basta dizer que uma obra como "Amadeus", de Milos Forman, já vinha tendo dificuldades para ser adquirida para o território nacional, devido ao "advanced" exigido pelos produtores - US$ 100 mil - que, agora terá triplicado, após os oito Oscars obtidos na noite de segunda-feira passada. João Batista de Andrade, premiado cineasta paulista, indicado por entidades de classe para substituir a Roberto Parreiras na presidência da Embrafilme, mostrava-se cauteloso, analisando a questão: "De um lado, a aprovação dessa lei - e sua sanção pelo presidente da República - prova que é possível tomar medidas protecionistas à indústria cinematográfica brasileira. Mas há de se ver os reflexos sobre todo o mercado, neste momento difícil". A própria Embrafilme, que tem mais de 60% de seu orçamento advindo de taxas cobradas sobre os filmes estrangeiros que entram no Brasil, será também prejudicada, "o que representa a decretação de sua falência". A medida também atingirá os laboratórios, que, embora, hoje, no monopólio da Líder, tem na copiagem dos filmes estrangeiros a maior parte de sua operacionalidade no Brasil. Com a chegada do presidente da Embrafilme, Roberto Faria, e também do diretor-geral da Gaumont, Jean Gabriel Albicoco, e a possibilidade de o deputado José Sarney Filho aceitar o convite para aqui debater a lei, neste sábado de encerramento do festival, importantes questões serão levantadas dando uma nova dimensão política e administrativa a este encontro nacional de cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
30/03/1985

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