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Aramis

Brasília, a capital da esperança para o cinema brasileiro renascer

Na noite de 9 de julho, quando o cineasta Rogério Sganzerla, 45 anos, subiu ao palco do Cine Brasília, para receber um retrato emoldurado com a imagem de José Mojica Marinz ("Zé do Caixão") defronte o túmulo de Carmen Miranda - oferta de seu amigo Ivan Cardoso, em nome da Associação Brasileira de Cineastas, como prêmio pelo seu média-metragem "Assim é Noel", houve a única manifestação político-cinematográfica da noite - excluída às vaias dadas a Neville de Almeida (e a atriz Claudia Raia) por sua premiação como melhor diretor ("Matou a família e foi ao cinema"). É que o diretor de "O Bandido da Luz Vermelha" aproveitou para fazer uma contundente crítica ao júri, que ignorou o seu documentário sobre Noel Rosa (1910-1937), que ficou com apenas a solitária premiação honorífica da ABC. Num discurso improvisado, bastante grosseiro, Sganzerla atirou farpas especialmente contra o presidente do júri, Nelson Pereira dos Santos, 63 anos, o mais respeitado nome da cinematografia brasileira. Embora, aparentemente, o protesto do cineasta catarinense (radicado no Rio) fosse pela não premiação de seu discutível documentário em que mistura imagens de ficção a standartizadas fotografias, ilustrações e capas de discos ligados a Noel Rosa - na verdade a finalidade do discurso era outra: tentar melar, ao menos publicamente, as negociações que haviam sido cristalizadas na manhã daquele dia com a criação do Polo de cinema e Vídeo do Distrito Federal. Anunciado pelo governador Joaquim Roriz algumas semanas antes do XXIV Festival de Brasília do cinema Brasileiro, a implantação no Centro-Oeste já começou, antes mesmo de sua sanção oficial, a provocar divisões internas entre os cineastas. Afinal, na miséria em que vive o cinema brasileiro - e a quase total estagnação nos últimos 18 meses - qualquer sinal de recursos oficiais que permitam o desenvolvimento de projetos que cada cineasta tem em sua cabeça provoca uma corrida ao pote. Como Nelson Pereira dos Santos, com sua dignidade e competência de cineasta desde 1954 (quando realizou "Rio, 40 Graus"), hoje uma figura internacional, foi convocado como um dos consultores para a elaboração do Polo do Cinema e Vídeo do Distrito Federal - num trabalho desenvolvido em equipe, com a participação de outros colegas (entre os quais Neville de Almeida, cuja discutível premiação como melhor diretor no festival provocou protestos), fez com que, nos bastidores do evento cinematográfico a velha briga por recursos voltasse a tingir o horizonte de idealísticas perspectivas que o governo do Distrito Federal busca abrir para o nosso cinema. No sábado, 7, quando do painel "Polos Regionais", encerrando o simpósio "Cinema Brasileiro, Urgente", uma ingênua intervenção da secretária Gilda Poli, da cultura (pela primeira vez um executivo cultural do primeiro escalão de nosso Estado participou de um festival de cinema), já havia provocado uma elevação na temperatura dos debates. Ao questionar se o Polo de Brasília - com seus milhões de dólares poderia beneficiar cineastas de outras regiões - ou ficaria numa forma "corporativista"(a palavra mais empregada no vocabulário do governo Requião, e contra o que, aliás, Gilda Poli se posiciona) deu ensejo para que Neville de [Almeida], 50 anos, esbravejasse contra os [cineastas] paulistas - que tradicionalmente se queixam de ter sido discriminados nas verbas da extinta Embrafilme. O diretor de "Matou a família", aos gritos, dizia que mais de 100 filmes "paulistas" foram realizados a partir dos anos 70 com financiamento da Embrafilme - dado que Chico Botelho, ex-presidente da Associação Paulista de Cineastas, contestou bravamente. A discussão ameaçava tomar rumos perigosos, quando o sempre diplomático João Batista de Andrade, 52 anos - que está par o cinema paulista como Pereira dos Santos para o carioca - foi uma voz ponderada, que acalmou os ânimos. Afinal, num momento em que uma tênue luz acende-se no final do túnel enegrecido desde o dia 16 de março de 1990, quando o presidente Collor cortou as ligações oficiais que, bem ou mal, movimentavam o nosso cinema, não há sentido de se brigar, antecipadamente, por recursos que ainda nem sequer foram definidos. Um fio de esperança - Apesar do otimismo de alguns participantes do seminário "Cinema Brasileiro, Urgente", a situação para uma retomada da produção - que, nos anos 70 chegou a mais de cem títulos por ano - ainda está distante de uma solução. Atualmente, um dos poucos cineastas que roda um filme é o astuto Paulo Thiago, que conseguiu recursos oficiais do governo do Espírito Santo para fazer em Vitória as filmagens de "Moças de fino trato". Em São Paulo, existem muitos projetos - e dois filmes rodados mas que dependem de recursos para finalização ("A Causa Secreta" do paranaense Sérgio Bianchi e "Perfume de Gardênia", de Guilherme de Almeida Prado) e mesmo no Rio de Janeiro, tradicionalmente, o centro mais ativo das produções mais ambiciosas aguardam definições - e se trabalha mesmo em torno de filmes comerciais, na linha das que têm o cacife dos próprios artistas-ídolos da televisão - Xuxa, Os Trapalhões e mesmo Sérgio Malandro & Faustão, que também entraram nesta faixa de consumo. O Polo de Cinema e Vídeo do Distrito Federal, cuja lei foi sancionada em 9 de julho, estabelecendo a cidade-satélite de Gama para sediar o projeto, terá agora o seu primeiro passo - e que, evidentemente, provoca delicadas negociações: a criação de um conselho executivo que será integrado por 12 membros, sendo meio a meio as indicações: do governo e da classe cinematográfica. Olhos colocados no plano político, pensando naturalmente na sucessão de seu amigo Fernando Collor de Mello, o governador Roriz, inteligentemente, entendeu que uma abertura na área artística - já prestigiada com a feliz escolha da professora Maria Luíza Dornas para a direção-executiva da Fundação Cultural do Distrito Federal - poderia lhe dar (como está dando) uma boa mídia nacional. Só em Brasília há dez projetos de filmes, iniciados ou em fase de pré-produção - que necessitam recursos para ser viabilizados. Desde curtas iniciados há 5 anos, até a transposição para 35 mm de "Conterrâneos Velhos de Guerra" de Wlademir Carvalho - o melhor documentário realizado nos últimos anos, grande premiado no Festival-1990, mas que seu realizador recusa-se a exibir - mesmo nos festivais internacionais aos quais foi convidado - enquanto não fizer a cópia em 35 mm, capaz de permitir melhor dimensão das imagens. Resultado de 20 anos de pesquisas, nas quais filmou e recolheu (de dezenas de cinegrafistas de várias origens) mais de 300 horas de filmagens, "Conterrâneos..." é um documentário na linha de Eiseinstein pela dimensão política e social das imagens que mostram a Capital da Esperança - em seu lado trágico, desumano e que até hoje nunca mostrado. Em cada cabeça, um projeto - Durante os festivais de cinema - seja em Brasília, ou, a partir do dia 5 de agosto, em Gramado, posteriormente - de 20 a 25 de setembro em Salvador - o encontro de pessoas criativas da comunidade cinematográfica (e agora também em vídeo) mostram que talento não falta. Cada um tem seu projeto - menos ou mais ambicioso, de um roteiro original ou uma adaptação de um texto sonhado, ficção ou documentário, curta, média ou longa metragem. Mas com custos que oscilam hoje ao redor de um milhão de dólares para longas em termos profissionais capazes de ter resposta no mercado - valores que caem no mínimo para US$ 50 a US$ 100 mil, para um média ou mesmo um curta - dependendo das pretensões do trabalho - 'e difícil pensar no cinema como uma indústria autofinanciável. Entretanto, há gente entusiasmada, seja o megaprodutor Luís Carlo Barreto (seu filho, Bruno, hoje faz carreira nos EUA), sejam realizadores mais modestos, buscando recursos onde seja possível encontrá-los. No painel "Novos caminhos", ao lado da palavra de exibidores-distribuidores poderosos como Hugo Sorrentino (Arts Films), produtores com a experiência de Marisa Leão e Aníbal Massaini, o coordenador do simpósio, produtor mineiro Tarcísio Vidigal, (que vem tentando há três anos levar à tela "O menino maluquinho", de Ziraldo), convidou até um executivo americano, Steve Solot, vice-presidente da América Latina da Motion Picture Association of América - entidade tida, por anos, como causa de todos os flagelos do cinema brasileiro - a começar pelo seu presidente no Brasil, Harry Stone. Hoje a situação exige aproximações e negociações na busca de possíveis fontes de financiamento (o que justificou a participação também no simpósio de executivos da Andima - Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto). Vidigal, com sua astúcia mineira, justifica: - "Há anos que não temos dados reais da situação do mercado cinematográfico no Brasil: quantos cinemas existem, as rendas, o crescimento do mercado de vídeo, etc. Por isto, vamos ouvir o que os homens da Motion Pictures podem dizer - para não ficarmos na política da avestruz". Luís Carlos Barreto, figura polêmica do cinema brasileiro, também levou dados impressionantes: - "Hoje a demanda de filmes inéditos, de longa metragem, para suprir o mercado - circuitos, redes de televisão (comerciais, a cabo, VHF, etc.) é de 65 mil títulos por ano. Até agora, dos 50 mil filmes realizados no mundo, apenas 17 mil são, atualmente, comercializados. A produção mundial não passa de 5 mil títulos por ano. Portanto, mercado existe e mais do que arte, a produção audiovisual - cinema, vídeo e qualquer outra técnica que permita a reprodução de imagens em movimento - é antes de tudo um big business. Como o Brasil pode participar neste caldeirão de interesse é a questão..." LEGENDA FOTO 1: Cinema brasileiro em busca de soluções: em Brasília, um seminário reuniu executivos, realizadores, distribuidores. Pela primeira vez uma executiva cultural do Paraná, a professora Gilda Poli, participou de um encontro cinematográfico com discussões objetivas. LEGENDA FOTO 2: Neville de Almeida, o mais vaiado dos premiados em Brasília (melhor direção por "Matou a família e foi ao cinema") foi também polêmico em sua participação no seminário "Cinema Brasileiro Urgente".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/07/1991

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