Filme de Solanas revive os anos de terror na Argentina
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de setembro de 1991
Salvador - O cancelamento na última hora de um documentário sobre a questão agrária - "O Canto da Terra", 1991, 100 minutos, de Paulo Rufino (atualmente nos Estados Unidos) acabou permitindo uma oportuna homenagem a um dos mais importantes cineastas latinos e a inclusão na programação da XVIII Jornada de Cinema da Bahia de um clássico documentário para melhor se entender a situação política argentina. Como o filme de Rufino - que acompanha a saga da luta pela terra desde a chegada dos colonizadores portugueses, com uma análise atual dos sem-terras (o que lhe dá a maior atualidade), infelizmente teve uma única cópia retida na coordenação do RioCine Festival, foi substituído pela projeção de "La Hora de Los Hornos", que Fernando Ezequiel Solanas realizou entre 1966/68, premiado em junho/68 em Pesaro, Itália e que foi uma das razões do exílio prolongado do cineasta argentino.
Vítima de um atentado há 120 dias - o que retardou a finalização de seu novo longa, "La Viaje" (com seqüências rodadas no Brasil), Solanas mereceu a solidariedade da Jornada, através da leitura de um manifesto enviado pelo coordenador Guido Araújo - e lido, no castiço espanhol com sotaque cubano pelo conservador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, Cosme Alves Neto. Revisto hoje, 23 anos após sua realização, "La Hora de Los Hornos" (que teve, há alguns meses, uma única projeção num vídeo de péssima qualidade, no Museu da Imagem e do Som, quando Valêncio o dirigia), este documentário é visceral na denúncia que faz do imperialismo americano no continente, o militarismo na Argentina, a violência política-social-cultural, com imagens contundentes - cenas de arquivo, reportagens e citações de filmes de Leon Hirszman ("Maioria Absoluta"), Fernando Barri e Jorris Ivens. Apesar de radical e parecendo hoje meio maniqueísta, utilizando frases de impacto e parecer "datado" de uma época, é preciso fazer um flash-back e entender o clima de repressão política, torturas, terrorismo, durante as ditaduras militares em países como o Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e outros nos anos 60/70 para entender este documentário que é aquilo que classificamos de "cinema de utilidade pública". Por óbvias razões, este documentário (originalmente com 4 horas de duração, reduzido hoje a metade) nunca teve exibição normal nos países latino-americanos, mas foi aplaudido na Europa e Estados Unidos.
Solanas, refugiou-se na França, onde viria a realizar em 1984, o premiado "Tangos - O Exílio de Gardel" - premiado em Veneza - e, depois o também nostalgicamente político "El Sur". Continuando em intensa atividade política, este ano denunciou a corrupção na Argentina e sofreu um atentado violento que o imobilizou por meses, retardando a finalização de "El Viaje", que iria concorrer em Veneza.
Coincidentemente, a noite de domingo, 22, ampliou as informações visuais sobre a realidade latino-americana. O curta "Breviário de uma Visita", do cubano Santiago Alvarez (o diretor do documentário "Brás Cubas", em parceria com Orlando Senna), documenta a visita de Fidel Castro ao Brasil em março de 1990, para a posse do presidente Collor, mostrando o comandante da revolução socialista em seus encontros oficiais, na visita ao Memorial da América Latina em São Paulo e, no final, até um encontro com líderes do PT.
Lançado no circuito argentino em agosto último, "La Noche Eterna", de Marcelo Céspedes e Carmen Guarani, documenta em longos 80 minutos a situação dos mineiros do Rio Turibio (300 km do Rio Gallegos e 3.158 km de Buenos Aires), onde 15 mil pessoas trabalhavam em minas de carvão que deveriam produzir 2 milhões de toneladas por ano mas que, no último semestre, ficaram em apenas 300 mil - hoje sendo inclusive desativado. A partir da implantação deste complexo carbonífero, implantado em 1943, no governo Peron, o filme de Marcelo e Carmen procura oferecer um retrato corajoso da corrupção, da má administração e das lutas sindicais dos mineiros. Infelizmente, além das dificuldades de entendimento do espanhol regional falado pelos depoentes (o filme não tem legendas), o ritmo lento, com seqüências demoradas, torna-o dificílimo de comunicação. Tanto é que na sessão de domingo, no final, no Cine Tamoio, só restavam 6 espectadores - quatro membros do júri, este jornalista e um solitário espectador, por sinal argentino.
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