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Aramis

Gralha Azul e os seus cantos

O engenheiro florestal Luciano Pizzato, diretor do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, já repetiu várias vezes que deseja produzir um filme sobre a Gralha Azul - a ave-símbolo do Paraná. Com toda razão, Luciano não entende porque é tão falha a documentação existente em torno da Gralha Azul - do qual há, inclusive, carência de fotografias. Um dos nomes lembrados a Luciano com sensibilidade para se dedicar ao difícil trabalho de filmar a Cacaeruleos Corvidae em seu habitat , no plantio do pinhão, e na formação de seu ninho - é o cineasta curitibano Mauro Alice, que, durante o período em que trabalhou junto a Produtora Guaíra, realizou excelentes curtas-metragens. xxx Se o sonhado filme sobre a Gralha Azul for realizado, será indispensável a consultoria do professor Luiz dos Anjos, 27 anos, que defendeu sua tese de mestrado em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná, em agosto, escolheu como tema o sistema de comunicação sonora da Gralha Azul. Objeto de pesquisas por mais de três anos, o professor Anjos identificou que a ave símbolo do Paraná emite 14 gritos diferentes, sendo os mais importantes o social - que representa o canto da espécie e que só é emitido na comunicação entre vários bandos, denunciando reunião de indivíduos ou aproximação de uma ave de rapina. O grito de contato serve para que o bando não se perca e permite a localização das aves. Já o "canto da corte" acontece quando o macho está cortejando a fêmea. "É o mais longo, pois dura quase dois minutos e tem vários tipos de notas", explica. Luiz dos Anjos, formado em Biologia pela UFP há 4 anos e que agora concluiu sua tese de doutorado, fez suas pesquisas em vários municípios. Gravou várias horas de cantos da Gralha Azul, estudou demoradamente as espécies e fez uma dissertação de 125 páginas, inéditas no mundo. Um dos primeiros zoólogos a estudar a Gralha Azul (Cacaeruleos Corvidas) foi Rudolf Von Ilhering, notando, inclusive, a sua contribuição a disseminação dos pinheirais (Araucaria Angustifolia). Como a gralha aprecia o pinhão, usa o seu bico como martelo sobre o fruto, mas algumas vezes o fruto escapa do bico e cai entre a vegetação. Ali acaba germinando e surge um novo pinheiro. A gralha também armazena o pinhão debaixo da terra, para o inverno, mas acaba não voltando a este local - o que também proporciona o surgimento de árvores - o que contribui para fazer da Gralha Azul a "plantadora de pinheirais". xxx Em termos musicais, há 23 anos o compositor e produtor Inami Custódio Pinto produziu o elepê "Gralha Azul", com Eli Camargo, acompanhada pelos titulares do ritmo. Editado pela Chantecler - numa primeira tiragem, em forma de álbum e depois, em edição mais simples - este disco há muitos anos está esgotado. Agora, a Secretaria da Cultura promoveu uma reedição, com nova capa - e um bom trabalho técnico de remixagem sonora, orientado pelo produtor João Carlos Botezelli (Pelão). O álbum "Gralha Azul", nesta reedição, será lançado nas próximas semanas - com distribuição dirigida a bibliotecas, escolas e interessados. xxx Idealizado por Inami Custódio Pinto, na época divulgador e produtor autônomo da então vigorosa Chantecler, o álbum com músicas do folclore paranaense foi projeto desenvolvido graças à soma de energia de muitas pessoas - a começar pelo professor Fernando Correa de Azevedo (Rio de Janeiro, 23/3/1913 - 13/9/1975), diretor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná desde sua fundação até a sua aposentadoria. Pioneiro pesquisador dos ritmos de nosso litoral, o professor Azevedo havia reunido preciosa documentação da música feita pelos nossos caiçaras, em gravações realizadas num primitivo gravador de fio que, mais tarde, graças à boa vontade de Aluízio Finzeto (1917-1977), então diretor da Rádio Guairacá, foram transpostas para o acetato. Este material serviu para que o maestro George Kaszás (Budapeste, 17/5/1915), desde 1939 no Brasil - e que entre 1951/1953 havia residido em Curitiba - trabalhasse em arranjos para canções folclóricas. Ely Camargo, 58 anos, goiana, que vinha realizando uma série de álbuns folclóricos ("Canção da Minha Terra") gostou do projeto e foi a escolhida para as gravações. Os Titulares do Ritmo, conjunto musical formado há 38 anos, em Belo Horizonte, fez o backing vocal na maioria das faixas e um afinado regional arregimentado por Teddy Vieira (1922-1965), dirigido por Miranda, fez a cozinha para as gravações em São Paulo. Braz Baccarim, então diretor artístico da Chantecler (gravadora brasileira, fundada em 1958, hoje apenas um selo do grupo Continental) apoiou entusiasticamente o projeto. Com exceção de duas composições de Inami Custódio Pinto ("Gralha Azul" e "Barreado"), as 12 outras faixas tiveram por base temas de folclore paranaense, pesquisados pelo professor Fernando Correa de Azevedo - e precioso auxílio de Roselys Velloso Roderjan, uma das principais colaboradoras de Inami para a concretização do projeto. Quatro temas de fandango ("Lajeana", "Tiraninha", "Sabiá" e "Cana Verde") haviam sido recolhidas pelo professor Azevedo entre 1948/55 na colônia de pescadores da Costeirinha, na foz do Rio Guaraniaçu, na Baía de Paranaguá - e também nas colônias de Praia de Leste e Rio Medeiros. A produção de "Gralha Azul" - cuja primeira edição saiu em forma de álbum, com 8 páginas de textos e ilustrações - Ney Roderjan - representou um verdadeiro mutirão. Roselys empenhou-se junto ao então secretário da Educação e Cultura, Lauro Rêgo Barros, na concessão de uma ajuda para garantir a aquisição dos álbuns - mas se não fosse a disposição pessoal de dois apaixonados pela nossa música popular, Carlos Francisco Solheide (hoje, aos 52 anos, assessor da presidência do TRE) e José Luiz de Souza Neto (já falecido), então executivos do jornal "Correio do Paraná", o disco não seria lançado. Uma história longa que, em detalhes, contaremos em próxima coluna. Após uma primeira edição - praticamente de circulação dirigida, "Gralha Azul" foi reeditada comercialmente. Mas há quase duas décadas estava esgotada e, assim, a Secretaria da Cultura promove agora uma nova reedição, com o reprocessamento técnico a cargo de Pelão (João Carlos Botezelli), que eliminou os chiados originais e conseguiu ótima qualidade sonora. Novos textos - mas respeitando a essência dos originais, do álbum original - e mais uma crônica saborosa de Sérgio Mercer sobre o barreado (tema da música de Inami), capa de Jair Mendes - e uma cuidadosa programação visual de Tereza Cristina Montecelli, fazem com que Gralha Azul se torne um dos lançamentos importantes da Secretaria da Cultura. Uma parte será destinada a bibliotecas públicas, num trabalho coordenado e com controle para aproveitamento do material oferecido. Pesquisadores de música popular também estão entre os que receberão esta edição. O show de lançamento ainda não está definido totalmente. A cantora Ely Camargo, naturalmente, é convidada de honra - embora não tenha sido acertada sua participação musical. Artistas locais como Alecir de Antonina, que há anos se dedica a pesquisar e divulgar o fandango, estarão no palco do Guaíra. Só vai faltar servir barreado com aguardente morretense no coquetel - pois Joel de Oliveira, o diretor administrativo da Fundação Teatro Guaíra, por certo não concordará com a instalação de um fogão no hall do pequeno auditório.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
11/12/1988

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