Jornalismo glamourizado em visão bem americana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de fevereiro de 1986
Saber detectar o assunto do momento e, tal como um bom repórter, transformá-lo num filme limpo e correto é virtude que deve ser reconhecida em alguns cineastas. Sem pretensões de (maior) perenidade mas a importância de trazer temas do momento em abordagens pessoais - e sempre que possível corajosas - faz com que certos filmes, mesmo não atingindo a categoria de obras de arte, se destaquem da produção comercial.
Exatamente este é o caso de "Perfeição" (Cine Astor, 2ª semana, 5 sessões). Cineasta jovem e ativo, James Bridges foi quase uma espécie de arauto dos riscos que envolvem as usinas nucleares ao denunciar em "A Síndrome da China" (The China Syndrome, 1979) a condenável atitude de um executivo, Jack Godel (Jack Lemmon) ao buscar escamotear a verdade sobre um acidente gravíssimo, investigado por um casal de jornalistas, a repórter Kimberly Wells (Jane Fonda) e o cinegrafista Richard Adams (Michael Douglas). Estreado nos EUA em março de 1979, "A Síndrome da China" viria adquirir extrema atualidade quando, três semanas após, a 28 de março, a realidade quase imitou a ficção com o vazamento ocorrido na Three Miles Island, na Pensilvânia, provocando pânico em mais de 200 mil pessoas em 5 cidades.
Incluído entre os mais importantes filmes do final dos anos 70 - a "Síndrome da China" chegou a valer indicações ao Oscar de melhor ator (Lemmon, perdendo para Dustin Hoffman, por "Kramer x Kramer"); atriz (Jane Fonda, perdendo para Sally Fields, por "Norma Rae"), roteiro (Mike Gray/T.S. Cook/Bridges, perdendo para Steve Tesich: "Breaking Away") e direção de arte (perdendo para "All That Jazz").
Seis anos após, o mesmo James Bridges volta a buscar num personagem-jornalista (no caso o jovem Adam Lawrence, da revista "Rolling Stones") para ser o fio condutor de temas também atuais - mesmo que sem o tom apocalíptico de "The China Syndrome" Em "Perfeição", Bridges - que anteriormente havia se voltado a um exercício mais leve de análise de modismos americanos no frustrado "Cowboy do Asfalto" (The Urban Cowboy, 81), com o mesmo John Travolta - em "Perfeição" retoma a visão crítica do comportamento da sociedade próspera e desenvolvida dos Estados Unidos, mas que a exemplo de tantas outras inovações consumistas, espalhou-se, nesta década, em dezenas de outros países: o culto ao corpo através das academias de ginásticas.
Numa linguagem irônica, buscando ver no boom das academias de ginásticas uma espécie de substituição dos single bars que representavam nos anos 70 a tentativa de romper o afastamento da chamada "multidão solitária" (magnificamente colocada por Richard Brooks em "À Procura de Mr. Goodbar"), a reportagem que Lawrence planeja a partir de uma moderníssima academia envolve, naturalmente, questões éticas do jornalismo. Obviamente, em nenhum momento, "Perfect" chega à densidade de um clássico como "A Montanha dos Sete Abutres" (The Big Carnival, 51, de Billy Wilder) ou à denúncia da guerra e violência como se viu na trilogia "Os Gritos do Silêncio/Sob Fogo Cerrado/O Ocaso de um Povo", recentemente exibidos no Brasil. Ao contrário, a questão investigada por Lawrence - (a prostituição disfarçada nas academias de ginásticas, debilidade mental dos atleticanos jovens e ingênuas moças que buscam o mito do "corpo perfeito"), fica num nível superficial, embalado ao som de muitos rocks contemporâneos (aliás a balançante trilha sonora já foi editada no Brasil pela RCA), com propositais toques de semelhança a "Os Embalos de Sábado à Noite" (Satuday Night Fever, 77, de John Badham), o produto cinematográfico de maior êxito da segunda metade da década passada que catapultou mundialmente a discotheque e o ator Travolta.
Feita esta colocação, reconheça-se, entretanto, os méritos de "Perfeição": da seqüência de abertura - quando Lawrence, redator da coluna de óbitos de um jornal de bairro de New Jersey, explode frente a repetidas reclamações e pede ao editor que lhe dê uma ocupação mais dinâmica - até o ufanista final, do qual é visto como herói da imprensa livre e democrática, por ter se recusado a revelar as fitas gravadas com um empresário acusado de tráfico de drogas (que acaba absolvido), o comportamento do repórter é colocado dentro de um prisma idealístico. Saindo de New Jersey e chegando à categoria de repórter especial de uma das mais sofisticadas revistas americanas, a "Rolling Stones", editada em San Francisco, Adam Lawrence é o jornalista coma imagem de fascinação (mas pouco realismo) que se passa da profissão: jovem, independente afetuosamente (mas com charme para inúmeras conquistas amorosas), bom texto e podendo "escrever hoje 8 ou 10 histórias por ano, quando no passado fazia 6 artigos diários" tem condições de realizar grandes reportagens. Seja uma entrevista com um empresário acusado de associações ilegais - a disposição de permanecer em Los Angeles para se identificar ao espírito de uma academia de ginástica (e envolver-se, inclusive, com a bela instrutora Jessie, numa segura interpretação da bela Jamie Lee Curtis) ou voar para Marrocos e ali levantar o perfil de um escritor famoso (que nem chega a aparecer). Substituindo a antiga máquina de escrever por um minicomputador-impressor (de dar água na boca a qualquer profissional), dispondo de um esquema de trabalho totalmente atípico em termos comparativos, Lawrence é, entretanto, um repórter comum aos padrões americanos - capaz, inclusive, de sofrer a traição do editor (e de dois colegas da redação), que, sem o seu consentimento, adulteram seu texto, mantendo entretando seu nome na matéria - num comportamento criminoso (mostrando, assim, que o mau caratismo parece ser uma instituição mundial em certo tipo de jornalistas).
Muitos aspectos tornam "Perfeição" um filme fascinante ao público: às adolescentes, a presença de Travolta, jovem, charmoso e balançante (como na longa seqüência em que pratica a dança aeróbica), além de uma mística de herói das letras. Os ambientes são sofisticados - restaurantes, apartamentos de hotéis sofisticadíssimos numa empatia que (com)prova um velho axioma do mundo do show business: o público gosta do luxo (afinal, Joãosinho Trinta sempre repete: "... quem gosta de miséria é intelectual").
A direção de James Bridges é ágil e elegante e na fotografia temos um mestre - Gordon Willis, o favorito de Woody Allen. Muita gente bonita no elenco e o clima up to date fazem deste filme perfumado e agradável - embora, em termos de identificação jornalística, pareça para anós, profissionais brasileiros, uma impossível ficção científica. Ao menos em termos de condições de trabalho...
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