Lerner vai à China para construir a nova Xangai
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de abril de 1988
Hoje a noite o arquiteto Jaime Lerner embarca para San Francisco. Amanhã a tarde, iniciará uma série de reuniões com um de seus maiores amigos, Allan Jacobs, professor de urbanismo da Berkeley University, a convite de quem esteve já por duas vezes naquela universidade, dando cursos na área de planejamento urbano.
Na próxima sexta-feira, 29, Jaime e Allan viajarão para Xangai, a convite do governo da República Popular da China passarão 10 dias na maior cidade daquele país-continente, cumprindo extenso programa de trabalho.
Jaime Lerner é um dos 10 consultores internacionais convidados pelo professor T. Y. Lin para iniciar o trabalho da maior importância arquitetônica e urbanística deste final de milênio: o planejamento e a construção de uma nova cidade às margens do rio Huang Po, ao lado de Xangai.
Com toda razão, Jaime Lerner, 50 anos, prefeito por duas vezes de Curitiba, profissionalmente um dos urbanistas mais respeitados em termos internacionais, está satisfeito com este novo convite profissional. Resume a importância da proposta numa frase:
- Depois de Brasília, é o maior projeto urbanístico em termos de cidade do século XX.
O convite para integrar o selecionadíssimo grupo de consultores internacionais, nas diversas áreas, que começa a estudar um projeto naturalmente gigantesco, veio do próprio T. Y. Lin, considerado uma das maiores - senão a maior autoridade mundial em cálculos estruturais. Mestre respeitado em todo mundo, T. Y. Lin acompanha há tempos o que Lerner e sua equipe tem realizado - não só em Curitiba, mas em outras cidades - e fez um convite pessoal, irrecusável é claro: quer a sua participação, ao lado de Allan Jacobs, na área do urbanismo para a futura cidade de Pudong.
Como Jaime Lerner, também Allan Jacobs é um nome respeitadíssimo. Ao lado de suas atividades como professor em Berkeley, teve atuações no desenvolvimento de grandes projetos de urbanismo, inclusive na área metropolitana de San Francisco - uma das maiores cidades americanas e cujos problemas urbanísticos desafiavam sucessivas administrações. Uma profunda identificação entre Lerner e Jacobs possibilitou que nascesse uma dobradinha capaz de apresentar propostas que se ajustam numa primeira etapa do grande projeto que é a construção de uma cidade para mais de um milhão de habitantes na China Continental.
Com 12 milhões de habitantes (sete dos quais em sua área central), Xangai é a maior cidade da República Popular da China (a segunda cidade é Pequim, com dez milhões de habitantes). Há anos que o primeiro ministro Zhao Aiyang decidiu apoiar o plano da construção de uma nova Xangai - vizinha a atual.
Evidentemente que um projeto com as dimensões deste que agora se inicia é demorado. A cidade prevista - chamada Pudong - seria toda desenvolvida em termos de uma nova conceituação, moderna, possibilitando que a Xangai tradicional permaneça em sua arquitetura milenar, mas que ao seu lado desenvolva-se uma outra cidade, esta voltada para novos tempos. A abertura é tão ampla que se pensa, inclusive, na presença de mais de 50%, em investimentos de empresas privadas, de todo o mundo, dentro das múltiplas opções que a China, hoje aberta como o maior mercado do planeta, oferece aos investidores - não só em termos turísticos, mas de várias outras áreas.
A consultoria internacional que o coordenador-geral do projeto T. Y. Lin, encarregado pelo governo da China para desenvolver as várias etapas, tem, à sua frente, trabalhos dos maiores - pois inúmeros desafios apresentam-se para serem solucionados. Por isto mesmo, foram convocados os melhores profissionais possíveis, dentro de conceitos puramente técnicos. E o fato do curitibano Jaime Lerner estar entre eles já diz tudo. Nem é preciso gastar espaço para falar da importância desta distinção profissional.
Em junho de 1986, quando retornavam de uma viagem ao Japão, Jaime e Fany Lerner passaram quatro dias em Xangai. A milenar cidade o fascinou, evidentemente - uma emoção de conhecer uma área do mundo na qual durante anos os ocidentais não tinham acesso. Mesmo em cinema, só no ano passado foi que Steven Spielberg conseguiu, após meses de diplomáticas negociações, autorização para ali filmar algumas seqüências de "O Império do Sol" (cines Astor/Cinema I), o grande injustiçado na premiação dos Oscars neste ano.
Uma metrópole com superpopulação, Xangai não pode crescer mais. Por isto, o governo da China entendeu a importância de, ao seu lado, numa área imensa e ainda não comprometida urbanisticamente, construir uma nova cidade - a qual vai chamar de Pudong. Para este projeto, escolheu para coordenar o maior nome da engenharia, há anos trabalhando nos Estados Unidos, T. Y. Lin, que ainda recentemente foi capa de "Progressive Architecture", uma das mais respeitadas revistas técnicas do mundo. Só para dar uma idéia da capacidade de T. Y. Lin, basta dizer que desenvolveu um projeto que viabiliza a construção de uma ponte unindo o Alaska à Sibéria, no Polo Norte. Uma obra ainda não executada mas que, em termos técnicos, está resolvida.
Pois, para colaborar com um senior técnico desta dimensão é que Jaime Lerner passou os últimos meses, com sua equipe, fazendo já alguns estudos preliminares, desenvolvidos em seu escritório na Rua Padre Anchieta (muda-se agora para nova sede, no Shopping Center Itália) e que estará levando hoje a noite.
LEGENDA FOTO - O croquis de Jaime para a obra maior deste final de século: à esquerda do rio Huang, nascerá Pudong, uma cidade de mais de um milhão de habitantes ao lado de Xangai. Lerner viaja hoje para San Francisco, de onde segue para a China, integrando a consultoria de 10 especialistas que começam a trabalhar no projeto.
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