Latinidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de maio de 1979
Os ventos liberalizantes após o já tardio [sepultamento] do AI-5 estão estimulando, finalmente, as gravadoras a se encorajarem a lançar elepes da música latino-americana com seus intérpretes-compositores mais conscientes. Assim é que "Viva Chile!" (Copacabana, COLP 12378), com o grupo Inti-Illimani, [formado] por Max Berru [Crio], José Seves Sepulveda, Horácio Salinas Alvarez, José Miguel Vargas, Jorge Larrana Ga, e Horácio Vidal, traz um punhado de canguês que, em absoluto, devem estar sendo executadas naquele país. Basta ouvir as letras de músicas como "Cancionn Del Pol Poder Popular" (Luís Advis-Júlio Rojas), "La Segunda Independência" (Kuben Lenna/Ku), "Cueca de La C.U.T." (Central Única Del Lavatore) (Hector Pave), "Simon Bolivar" o "Venceremos" (Sérgio Ortega - Cláudio Iturra), para perceber que por certo este sexteto gravou este elepe antes de setembro de 1973. E não é preciso ser especialista em história latino-americana para entender a razão. Já "Nueva Cancion de Chile", produção de Abilio Manoel para a Bandeirante Discos, distribuído pela WEA, com fonogramas da Intermusique, possibilita que se conheça outros grupos daquele país, com um repertório caçado principalmente nas obras dos falecidos Violeta Parra e Victor Jarra (fuzilado no Estádio Nacional do Chile, em setembro/73). Com Los Curacas temos "Caliche" (Calatambo Albarracin), Patrício Manns interpreta sua composição "América Novia Mia", Los Quatro Cuartos cantam "Si Vas Para Chile" (Chito Fato), o grupo Illapu mostra "Acuarela Andina" (Fernando Sepulveda), o Quilapayun interpreta "Mia Patria" e o mesmo Inti-Illimani, dos [elepes] anteriormente citado, canta "Alturas". As estrelas maiores deste disco são, entretanto, o próprio Victor Jarra interpretando "Canto Libre"), Violetá Parra (Casamiento de Negros"), e seus filhos Tita ("A Dos Cantores Del Mundo"), Angel ("El Cigarrito", do Victor Jarra) e Isabel (mais Patrício Castilho) ("los Pueblos Americanos").
Uma outra mostra da música latino-americana é a que Martin Coplas, argentino de origem indígena, 5 anos de Brasil, nos dá em "Hermano Americano" (CID, 8029, 1979), produzido por Mário Alberto Machado, com direção artística do próprio Coplas, definido no texto de jornalista Ney Gstal, do "Correio do Povo", como um artista argentino que "chegou com o violão debaixo do braço e uma grande [vontade] de mostrar seu trabalho". Fixando-se no Rio Grande do Sul, procurou conhecer tudo sobre o folclore gaúcho, a transição da cultura musical de seus pais para o nosso, o ponto onde se mesclam as colonizações espanhola e portuguesa. Viajou muito pelo interior, realizando espetáculos, trabalhando com alguns dos nomes mais importantes do folclore gaúcho. "E de todos estes contatos, ficou-lhe a certeza que somos povos irmãos, aos quais falta maior conhecimento mútuo", diz Ney Gastal, avaliando as composições de Martin Coplas reunidas neste elepe dos mais interessantes, onde "Coplas canta um canto de união, um canto para que todos nos demos as mãos". Somando a composições próprias, canções de outros autores argentinos, Martin Coplas dá uma importante contribuição, num lp que merece ser ouvido com atenção.
Português de nascimento, surgindo há quase 10 anos com canções românticas ao estilo de "Adriana" e "Pena Verde", Abílio Manoel assumiu o latinismo nos últimos 3 anos: viajou por todo o continente, gravando, filmando em super 8 e pesquisando - e como resultado reuniu um material da maior importância. Ao lado da produção de discos, como "Nueva Cancion de Chile", esta influência latina está patente nas 11 faixas de "Becos & Saídas" (Som Livre, 403.6175), seu novo elepe, que pode ser melhor explicado pelo texto de contra capa que ele próprio preparou: "Há pouco mais de dez anos, o início. Dessa época, uma música que diz muito de nós: "Catavento". Fala da volta às [coisas] simples, à mulher amada, o abraço, os abraços, os amigos, o canto profundo do homem da Terra. Terra, país, continente. Milho Verde. Peão & Viola. Los Pueblos, a mesma coisa. Todos somos um pouco de onde nascemos e muito do que vivemos. Acima de tudo uma idéia: a música como uma bandeira comum do homem latino-americano. Aquele que faz da canção sua luta e sua vida como Di Pablo Milanês, compositor de "Nueva Trova Cubana", em "Pobre del cantor". Abílio Manoel dedica seu disco há vários amigos - de Jarra e Geraldo Vandré - e canta com emoção e razão, canções que vão da "Moças da Minha Rua" a "Reis & Folias" - uma adaptação livre do folclore de Abilio Manoel. Enfim, um compositor-pesquisador preocupado em sentir melhor a terra, o homem e passar uma mensagem.
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