Lucca, o compositor que ficou sozinho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de janeiro de 1990
Lucca aproveitou metade de suas férias como caixa do Banco do Brasil, agência Portão, para fazer um roteiro sentimental-musical na direção de Chapecó, SC, sua terra natal.
Quem é Lucca?
Ex-Seminarista, João Deolindo Lucca, 37 anos, é um apaixonado pela música que começou a fazer canções quando ainda, nos tempos de vida religiosa, entoava cantos gregorianos. Entre o clero e a música profana fez a segunda opção e há 22 anos aqui na Embap, turma de 1971, com 3 amigos formou uma audaciosa Galátas Orquestra que durante anos garantiu a sobrevivência da moçada. Mas, pouco a pouco, houve desistências: Onias Orsi, 39, é hoje cirurgião-dentista em São João Batista, SC; Orlando Irineu Born, 38, abriu uma escola de música no bairro do Portão; Raimundo Faustino, que tocava pistom e trumpete, é sargento da PM em Manaus.
Lucca, que nunca parou de compor, também teve que trocar o incerto amanhã musical pelo pão nosso de cada dia: fez concurso para o Banco do Brasil e desde 1977 é caixa executivo, garantindo assim a manutenção da família - esposa Maria e os filhos Leandro Maurício, 12, Alexandre Marcelo, 8, e Evandro Márcio, 6.
Mas os sonhos não morrem ao fim do expediente bancário. Assim, em seu moderno conjunto de Keyboards - fruto de economias de muitos anos, Lucca continuou a compor e reunir material para um sonhado disco, que, só há um ano, conseguiu produzir nos Estúdios Alamo-Sul - agora desativado.
Tentativas de gravar em São Paulo foram frustradas e para poder ver suas músicas em um disco investiu o que tinha reunido na caderneta de poupança - mais de NCz$ 5 mil - uma razoável soma há um ano. O resultado foi "Quando Estou Só", elepê com dez composições próprias, em parte gravado nos estúdios Alamo, com a participação do baterista Charmak, baixista Aluísio e pianista César (apenas 3 faixas), mas o básico feito em sua própria casa - com as possibilidades oferecidas pelos teclados eletrônicos.
Disco pronto em fins de agosto do ano passado, começou outra batalha: sua divulgação e comercialização. Poucas emissoras - entre elas a Antena 1, dirigida por Palito (Lourival Pedrosa) divulgaram seu trabalho. Em algumas os "diretores artísticos" (sic) simplesmente se recusaram a ouvir a gravação, enquanto em outras só a custa de um jabaculê colocado na mão do programador pôde ter ao menos algumas audições de suas músicas. No geral, a maior má vontade e indiferença, sob as mais diferentes alegações.
Que diferença de comportamento em relação ao que acontece no Rio Grande do Sul e na Bahia - só para citar dois exemplos, onde as gravações dos artistas da terra têm preferência nas programações! Independente de apreciações estéticas, é inadmissível que as rádios particulares (e mesmo a Estadual, que nunca divulgou um única faixa do disco de Lucca), sendo concessionárias de um serviço público, se recusem a divulgar a música de um idealista compositor, que, às próprias custas, banca seu trabalho.
Apreciações estéticas à parte, a alegação de baixa qualidade artística não se justifica. Afinal, diariamente, os milhões de ouvintes são bombardeados com o lixo do lixo internacional (e nacional), não havendo, neste caso (das músicas importadas pelas multinacionais) a mesma desculpa.
Também na comercialização do disco, Lucca encontrou dificuldades. Se um distribuidor como João Maria Motta, da C.B. Discos, aceitou ajudá-lo na colocação de seu elenco em várias cidades, em muitas lojas da cidade, nem como consignação conseguiu expor o seu disco. Nas (poucas) lojas que o estão vendendo, "Quando Estou Só" tem sido bem aceito e de mais de 200 exemplares colocados no circuito a metade foi vendida.
Com sua humildade e timidez, características de um ex-seminarista, Lucca não fala com amargo de tanta incompreensão que vem encontrando, apenas lamenta que a falta de oportunidades dos detentores do poder na divulgação e venda acabem por desestimular que se tente sequer fazer gravações no Paraná. Não foi sem razão que Romário Borelli após investir US$ 200 mil na implantação do estúdio Alamo-Sul, em Curitiba - e tentar formar um núcleo de produção musical tivesse desistido, conforme registramos há uma semana.
Lucca vai continuar a fazer suas músicas, mostrando-as para quem queira ouvir. Levou seu disco a várias rádios catarinenses - na viagem que fez a Chapecó, na semana passada, encontrando mais atenção e boa vontade dos programadores de emissoras do interior catarinense do que em Curitiba.
Há muito que a questão da música paranaense - suas dificuldades de produção e divulgação, o que faz com que nossos (poucos) valores acabam desiludindo-se - tem motivado discussões. Mas, insuficientes para dar toda a dimensão de uma das maiores ausências em nosso panorama cultural - e na qual exemplos como a de Romário Borelli - desistindo de manter um sêlo local - ou de Lucca, sozinho, desprotegido e esquecido sequer para divulgar uma única das faixas de seu disco independente, são exemplos a merecerem reflexão.
LEGENDA FOTO - Lucca: sozinho, tentando mostrar suas canções.
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