Nem para ajudar o amigo Lúcio, João saiu da toca
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de dezembro de 1990
Rio de Janeiro - A primeira idéia era de que o evento seria o grande revival da Bossa Nova - neste verão que, 30 anos depois, faz com que a música mais renovadora já feita no Brasil retome o espaço que nunca deveria ter deixado. Mas, na verdade, o que menos de mil pessoas - bem abaixo do que se esperava - assistiram na noite de segunda-feira, no Scala II (Avenida Afrânio de Mello Franco, 296), generosamente cedido por seu dono, Chico Recarey, foi o que o nome anunciava - "Grandes Músicos, Grandes Amigos".
Evidentemente que se João Gilberto não tivesse, cinco dias antes, anunciado que não iria, os ingressos estariam esgotados. Com a deserção do mais mitológico nome da Bossa Nova, reconhece-se, o evento esvaziou - embora tivesse uma casa de público emocionado e um desfile de mais de 30 grandes nomes da MPB - de Antônio Carlos Jobim a Agnaldo Thimóteo, todo de branco, dando sua leitura "bossanovista" a clássicos como "Se Todos Fossem Iguais a Você".
O motivo desta reunião all star da MPB era justificável: levantar recursos para uma das mais notáveis personalidades da nossa música que, apesar de seus 50 anos de carreira chega aos 63 anos (a serem completados no próximo dia 28 de janeiro), pobre, doente e sem recursos para pagar o aluguel de seu apartamento: Lúcio (Cirebelli) Alves, mineiro de Cataguases, umas das vozes mais personalizadas do Brasil. Por isso, foi natural que, ao abrir o show, Ivon Curi, 61 anos, em elegante smoking verde, discreto embora muito bem humorado, tenha já emocionado ao lamentar que, ao ajudarem o amigo e colega Lúcio, todos os artistas que ali se apresentariam naquela noite, faziam também um ato público - como denúncia de um mercado que penaliza seus maiores talentos - no qual Lúcio, "que nos Estados Unidos seria um homem rico", aqui, após uma vida dedicada à música, chega a um momento em que precisa de ajuda. Como tantos outros já precisaram, haja visto várias noites semelhantes realizadas nestes últimos anos, em favor de artistas que, por seu valor e trabalho, não mereciam ser esquecidos pela mídia, pela indústria fonográfica, pelas redes de televisão.
Mais do que qualquer outro artista, Lúcio Alves faz parte de nossa história cultura - e uma prova disto foi a presença em massa de amigos de várias épocas que ali foram, levando sua ajuda da forma que podem - fazendo música - num espetáculo com ingressos a Cr$ 3 mil - e que deveria ter todas as cadeiras ocupadas, o que, infelizmente, não aconteceu.
Embora nas entrevista que deu nos últimos dias, Lúcio tenha se mostrado otimista e grato ao esforço de seus amigos - a partir de seu pianista e idealizador do evento, Alberto Chimelli, não deixou transmitir na véspera do show, sua mágoa pela ausência de João Gilberto, que em longos telefonemas nas madrugadas durante um mês, havia prometido comparecer.
Ivon Curi fazendo uma profissão-de-fé na qual lembrou que em seus 45 anos de carreira nunca criticou colegas, não deixou por menos: também lamentou a ausência de João Gilberto, cuja presença no palco - numa noite em que estiveram juntos outros grandes nomes, o engrandeceria. Com todo amor e admiração que João Gilberto merece - e sua importância para a MPB - esta ausência dificilmente será perdoada, principalmente porque havia prometido comparecer. Luís Bonfá, 68 anos, há 14 sem se apresentar no Brasil, teria comparecido, mas irritou-se porque seu nome não constou da lista divulgada nos jornais e televisão. Nos bastidores, fala-se de que ele e Tom, há muito não sentam na mesma mesa, mas considerando a razão do evento ali estariam. Com isto, um encontro que há quase 20 anos não acontece, continua distante.
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