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Aramis

Nora Ney faz anos e dá um presente, a sua voz

Zezé Gonzaga, Elizeth Cardoso, Marisa Gata Mansa, Claudete Soares! Quantas vozes femininas maravilhosas são criminosamente sonegadas do público devido a insensibilidade do mercado fonográfico idiotizado por regras cruéis em termos comerciais. Cantoras maravilhosas, que poderiam regularmente fazer novos discos são esquecidas precocemente - ao contrário do que acontece nos EUA ou na Europa, onde as grandes vozes têm seus registros preservados até o fim de suas vidas. Uma prova de quanto tempo se perde com bobagens roqueiras é ouvir a esplêndida Nora Ney (Iracema de Souza Ferreira), que, em tão boa hora, retorna num elepê belíssimo ("Meu Cantar é Tempestade de Saudade", 3M), que se destaca como um bálsamo sonoro entre tanta mediocridade. Aos 66 anos completados neste domingo, 20 de março, esta cantora que exprime emoção e paixão dá um presente ao público acima de 40 anos que aprendeu a ouvi-la desde os anos 50. Com uma formação jazzística - entre 1948/49 freqüentava o fã-clube Sinatra-Farney, que reunia amigos e admiradores de Dick Farney (1921-1987), estreou no programa de José Mauro, "Fantasia Musical", da Rádio Tupi, cantando músicas estrangeiras com o pseudônimo de Nora Ney. Quando Araci de Almeida entrou em férias, Nora passou a substituí-la no quadro "Viva o Samba", do programa "Rádio Seqüência G-3", de Haroldo Barbosa, que foi um dos responsáveis para que abandonasse o repertório em inglês. Com sua pronúncia carregada de erres, mas com ritmo e afinação, criava um novo estilo de interpretação para os sambas-canções da época em pouco tempo se destacava no rádio, nas boates e em discos - com clássicos como "Menino Grande" (Antônio Maria), "Quanto Tempo Faz" (do parnanguara Paulo Soledade e do pernambucano Fernando Lobo) e, especialmente, com seus maiores êxitos - "Ninguém Me Ama" (Maria/Lobo), "De Cigarro em Cigarro" (Luís Bonfá), "É Tão Gostoso seu Moço" (Mário Lago/Chocolate), "Aves Daninhas" (Lupicínio Rodrigues), "Se eu Morresse Amanhã" (Antônio Maria), "Só Louco" (Caymmi), "Vai Mesmo" (Ataulfo Alves), entre tantos clássicos. Casada com o também cantor Jorge Goulart (João Neves Bastos, RJ, 6/1/1926), o casal fez várias excursões ao Exterior, inclusive a África, Oriente Médio, URSS e China Continental (comunistas, sempre tiveram uma posição das mais dignas e corajosas mesmo sofrendo perseguições). Nos últimos 15 anos, o casal esteve esquecido. Resistiu por algum tempo em Belo Horizonte (onde montaram uma casa noturna) e, há algum tempo, Jorge teve que sofrer delicada intervenção cirúrgica que o afastou definitivamente da vida musical. Nora Ney, entretanto, continua soberba como mostra neste elepê produzido por Moacyr Machado, na qual resiste inclusive a um repertório comercial, que inclui os top-makers Michael Sullivan/Paulo Massadas ("Por Incrível que Pareça") e autores bregas como Agnaldo Timóteo ("Deixe a Chave") e Gilliard ("Sem Medo de Amar"). Ela é estupenda e além de dignificar estes autores menores, eleva as culminâncias musicais à altura de sua competência como a belíssima "Caçadas" (Maurício Tapajós/Paulo Cesar Pinheiro), o sambista Gracia do Salgueiro ("Tempestade da Saudade") e homenageando Noel Rosa ("Último Desejo") e Lupicínio ("Esses Moços", "Nunca", "Vingança"). Mas o maior momento é "Tanta Cidade", parceria de Tito Madi/Berimbau, que num arranjo magnífico de Eduardo Assad, com solos de sax alto (Rivert Santos), e trombone (Walter Azevedo) se constitui não só numa das músicas mais bonitas deste ano - mas, assim como Tito já havia feito para o Rio Grande do Sul ("Gauchinha Bem Querer", 1957) cria uma belíssima canção de amor à cidade de São Paulo. Uma belíssima canção que por si já vale o retorno de Nora Ney, a cantora que instituiu "a escola do caso de amor na canção brasileira"-, como disse o amigo Zuza na contracapa. A propósito! Lamentável que a produção gráfica não acompanhasse o nível artístico do disco. Em papelão de menor qualidade, sem encarte, com as letras, a apresentação do elepê é tão pobre que não há nem condições de reproduzir a sua imagem. Nora Ney mereceria um tratamento melhor. De autêntica rainha que é.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
16
20/03/1988

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